...................................................................................................................................
3. O direito ao alimento
Nas Minas do século XVIII, a população que ameaçava amotinar-se em épocas de carestias visava à manutenção de um acordo estabelecido entre as autoridades portuguesas e os colonos, o qual brigava o governo da Capitania e as câmaras (verdadeiras “prefeituras” coloniais) a garantirem um fluxo regular e estável de alimentos para os centros urbanos, em troca do sossego da população. Segundo a historiadora Carla Maria Junho Anastasia, esse tipo de negociação marcou as relações entre colonos e autoridades em toda a América portuguesa. Segundo essa autora, as revoltas ocorridas no Brasil colonial durante a primeira metade do século XVIII derivaram do “[...] descumprimento de acordos que geravam expectativas de procedimentos justos por parte da Coroa e em sintonia com os privilégios pessoais internalizados pela população”. (ANASTASIA, 1999, p. 109). Em 1720, uma noção bem clara do direito ao alimento encontrava-se já firmemente integrada ao domínio das formas de organização e atividade do poder no território mineiro. Prova disso é que, no dia 4 de fevereiro daquele ano, o Conde de Assumar, em carta ao ouvidor-geral da Comarca do Rio das Velhas, referia-se à necessidade de prover a Vila de Pitangui com roças de mantimentos, para evitar uma revolta do povo contra as autoridades, pois segundo o Conde, “[...] o ventre é um animal tão feroz que não aguarda medidas nenhumas quando lhe falta o necessário”. 9
A partir do momento em que a Coroa estabeleceu nas Minas os principais centros administrativos, entre 1711 e 1718, até os primeiros anos do século XIX, não ocorreram na Capitania crises de subsistência que levassem a população mineira a se amotinar, como as que atingiram a Bahia e o Rio de Janeiro nos séculos XVII e XVIII. Em Salvador, por exemplo, as autoridades encontravam grande resistência por parte dos senhores de engenho e produtores de tabaco da região para investirem na plantação de mandioca (que servia de alimento à população), o que, aliado às secas constantes, ocasionava crises de subsistência e muitos motins de fome. Durante uma grave crise alimentar ocorrida em 1688, a falta de farinha de mandioca nos mercados de Salvador fez com que trezentos soldados da Infantaria, que eram pagos em farinha, se amotinassem. E, no Rio de Janeiro, em 1726, a crise alimentar era tão grave que se espalhava rapidamente pelo interior da Capitania, levando a que as câmaras de importantes centros produtores de farinha, como Cabo Frio, Campos e Ilha Grande, negassem o envio de alimentos para a cidade do Rio de Janeiro, o que gerava descontentamento e motins na sede da Capitania. (SILVA, 1990). Na capitania mineira, os aumentos de preços dos alimentos foram freqüentes na primeira metade do século XVIII, mas em nenhum momento a situação de perigo durou tempo suficiente para que a inquietação dos mineiros se transformasse em revoltas de difícil controle. A explicação para isso está na ação das autoridades coloniais que, buscando preservar a estrutura administrativa e fiscal estabelecida nas Minas, preocuparam-se com a organização do comércio de alimentos e com a produção interna dos principais gêneros de subsistência. Fonte: FLÁVIO MARCUS DA SILVA Professor dos departamentos de História, Direito e Administração da Faculdade de Pará de Minas – FAPAM http://migre.me/eWo6p
Nas Minas do século XVIII, a população que ameaçava amotinar-se em épocas de carestias visava à manutenção de um acordo estabelecido entre as autoridades portuguesas e os colonos, o qual brigava o governo da Capitania e as câmaras (verdadeiras “prefeituras” coloniais) a garantirem um fluxo regular e estável de alimentos para os centros urbanos, em troca do sossego da população. Segundo a historiadora Carla Maria Junho Anastasia, esse tipo de negociação marcou as relações entre colonos e autoridades em toda a América portuguesa. Segundo essa autora, as revoltas ocorridas no Brasil colonial durante a primeira metade do século XVIII derivaram do “[...] descumprimento de acordos que geravam expectativas de procedimentos justos por parte da Coroa e em sintonia com os privilégios pessoais internalizados pela população”. (ANASTASIA, 1999, p. 109). Em 1720, uma noção bem clara do direito ao alimento encontrava-se já firmemente integrada ao domínio das formas de organização e atividade do poder no território mineiro. Prova disso é que, no dia 4 de fevereiro daquele ano, o Conde de Assumar, em carta ao ouvidor-geral da Comarca do Rio das Velhas, referia-se à necessidade de prover a Vila de Pitangui com roças de mantimentos, para evitar uma revolta do povo contra as autoridades, pois segundo o Conde, “[...] o ventre é um animal tão feroz que não aguarda medidas nenhumas quando lhe falta o necessário”. 9
A partir do momento em que a Coroa estabeleceu nas Minas os principais centros administrativos, entre 1711 e 1718, até os primeiros anos do século XIX, não ocorreram na Capitania crises de subsistência que levassem a população mineira a se amotinar, como as que atingiram a Bahia e o Rio de Janeiro nos séculos XVII e XVIII. Em Salvador, por exemplo, as autoridades encontravam grande resistência por parte dos senhores de engenho e produtores de tabaco da região para investirem na plantação de mandioca (que servia de alimento à população), o que, aliado às secas constantes, ocasionava crises de subsistência e muitos motins de fome. Durante uma grave crise alimentar ocorrida em 1688, a falta de farinha de mandioca nos mercados de Salvador fez com que trezentos soldados da Infantaria, que eram pagos em farinha, se amotinassem. E, no Rio de Janeiro, em 1726, a crise alimentar era tão grave que se espalhava rapidamente pelo interior da Capitania, levando a que as câmaras de importantes centros produtores de farinha, como Cabo Frio, Campos e Ilha Grande, negassem o envio de alimentos para a cidade do Rio de Janeiro, o que gerava descontentamento e motins na sede da Capitania. (SILVA, 1990). Na capitania mineira, os aumentos de preços dos alimentos foram freqüentes na primeira metade do século XVIII, mas em nenhum momento a situação de perigo durou tempo suficiente para que a inquietação dos mineiros se transformasse em revoltas de difícil controle. A explicação para isso está na ação das autoridades coloniais que, buscando preservar a estrutura administrativa e fiscal estabelecida nas Minas, preocuparam-se com a organização do comércio de alimentos e com a produção interna dos principais gêneros de subsistência. Fonte: FLÁVIO MARCUS DA SILVA Professor dos departamentos de História, Direito e Administração da Faculdade de Pará de Minas – FAPAM http://migre.me/eWo6p