domingo, 29 de maio de 2016

GENTE SEM SORTE: OS MULATOS NO BRASIL COLONIA (Trascrição)

CAPÍTULO 1 
1 - LUGARES E SORTES: CONDIÇÕES E QUALIDADES DAS GENTES DO BRASIL
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1.2 “Pau, pão e pano”: o lugar do escravo negro:
A servidão nos trópicos pode ser vista sob vários aspectos ou escalas.  Desde o negro do eito, passando pelo escravo de ganho,  até os servos domésticos.  Malgrado as variações, duas condições parecem que percorrem de ponta a ponta o  estado de servidão: uma primeira é a de que os cativos tinham como função  primordial servir como mão-de-obra18; a segunda é a de que nenhum ser humano  em condições de liberdade desejava viver o estado de servidão. Pois, como bem  observaram os letrados da época: 
                              A maior infelicidade, a que pode chegar a criatura  racional neste  mundo, é a da escravidão; pois com ela lhe vêm adjuntas todas  aquelas misérias, e todos aqueles incômodos, que são contrários e  repugnantes à natureza, e condição do homem, porque sendo este  pouco menos que o anjo, pela escravidão tanto desce , que fica  sendo pouco mais, do que o bruto; sendo vivo, pela  escravidão se  julga morto; sendo livre, pela escravidão fica suje ito; e nascendo para  dominar, e possuir, pela escravidão fica possuído,  e  dominado.  Trabalha o escravo sem descanso, lida sem sossego e fatiga-se sem  lucro, sendo o seu sustento o mais vil, o seu vestido o mais  grosseiro, e o seu repouso sobre alguma tábua dura, quando não é  sobre a mesma terra fria. No serviço o quer seu senhor ligeiro como o cervo, robusto como o boi, e sofrido como o jumento; para lhe ver os acenos o quer lince, para lhe ouvir as vozes o quer sátiro; e para lhe penetrar os pensamentos o quer águia. Tudo isto, e muito mais quer que seja o triste escravo; mas que ao mesmo passo, em que for tudo para ele,  para si seja sempre nada; nada para o descanso, tudo para o trabalho; e do trabalho, nada para os misteres, e uso próprio, tudo para os lucros, e interesse alheio. 19 O estado mais infeliz, a que pode chegar uma criatura racional, é o  do cativeiro; porque com o cativeiro lhe vêm como e
m compêndio as  desgraças, as misérias, os vilipêndios e as pensões
mais  repugnantes e inimigas da natureza.20
O negro foi transposto da África para América, essencialmente na  condição de cativo. Essa assertiva diz bastante sobre a sorte do homem africano  nos trópicos, no entanto, a questão como um todo não se  encerra aí. Na condição de escravo, em que se encontrava uma parte significativa dos africanos na  América,21 não lhe era permitido ter muito controle sobre o rumo de suas vidas. E muitos certamente em função dessa condição entregavam-se. Viviam, assim,  resignados com a sua sorte. É razoável conjecturar, contudo, que o cativeiro não  fosse uma condição naturalmente almejada. Porém, uma vez caído nele e em se  querendo libertar-se de tal jugo, havia, ainda que limitadas, e não muito fáceis,  algumas possibilidades. Basicamente, podemos resumir essas possibilidades a  duas: a compra da liberdade ou a fuga do servilismo.  A segunda possibilidade encerrava em vários agravos, como se dizia na  época. As fugas para reduções quilombolas, quando bem sucedidas, poderiam até  significar o escape do jugo de um senhor em específico. Contudo, na ótica do  senhor, quase sempre os cativos fugidos eram considerados foragidos do domínio  da escravidão. A fuga, quando mal sucedida, podia levar até mesmo à morte e, quando bem sucedida, ainda que significasse a possibilidade de se refazer a vida  em novos moldes, não apagava o fantasma de re-escravização. Desse modo, a  nova situação tinha aspectos positivos, superiores à vida de cativo, mas, como um  todo, implicava em uma vida, quase sempre sem muitas garantias; pois fugir do mundo pensado pelos portugueses tinha algumas implicações,  como, por exemplo, ter o português como inimigo constante. A primeira opção, isto é, a compra da liberdade era o modo como, ordinariamente, muitos cativos conseguiam sua liberdade . O maior problema dessa  solução, entretanto, era o preço da carta de alforria, quase sempre muito  dispendiosa. As irmandades religiosas dos cativos – associações voluntárias de leigos, normalmente sediadas em igrejas construídas para esse fim – tiveram um  papel bastante importante nessa forma de libertação de  escravos; e suas ajudas não  pararam por aí. Atuando como promotora de caridade, e ssas organizações exerciam  várias funções, desde o auxílio a famintos, passando pelos doentes e presos, e  chegando até mesmo nos afazeres dos enterros de seus confrades. Além dessas  atribuições, as irmandades funcionavam também como espaços para manifestações  culturais, sobretudo daquelas atividades mais diretamente ligadas ao campo  religioso. 22  No entanto, nem tudo no âmbito das irmandades era bem fazer e  compreensão. Essas instituições, a despeito desse seu caráter aglutinador, quando consideradas no todo, denunciam dramaticamente a forma  como as pessoas  estavam dispostas em castas na sociedade dos trópicos. Havia irmandades,  praticamente, para todas as sortes de gente: pretos cativos, pretos forros, crioulos,  mulatos/pardos, brancos, etc. 23  A classe de gente branca e de cabedais agregava-se às irmandades do  Santíssimo Sacramento, das Casas de Misericórdia e das de  São Francisco. As dos  negros, crioulos, cativos ou forros, por sua vez, estavam sob o manto de Nossa  Senhora do Rosário, Nossa Senhora das Mercês, Nossa Senhor a do Amparo, Nossa  Senhora dos Remédios e de São Benedito. Os mulatos ou pardos tinham como  padroeiros, santos como São Gonçalo Garcia, Nossa Senhora de Guadalupe, dentre  outros. Convém ressaltar, no entanto que, apesar dessa sistematização ou  separação das irmandades por castas de gente, era comum, com exceção das  irmandades dos brancos nobres, encontrar-se nessas confrarias outras sortes de  gente. O aspecto que mais diretamente interessa aqui, porém, é saber que as confrarias que aceitavam cativos, quando solicitada, e sempre que possível, normalmente comprava a alforria desses confrades. Contudo, convém acrescentar  que, por variadas razões, nem sempre os cativos podiam contar com o auxílio  dessas irmandades. Diante dessa nada alentadora situação, a solução para suportar  a servidão deveria ser encontrada dentro do próprio estado de servilismo.  A desventura da vida em estado de servidão é que a pessoa praticamente  não consegue ambicionar nada, como bem escreveram vários  letrados da época. No estado de servidão nada se pode aspirar, a não ser a própria liberdade. O estado de apatia que experimentava o ser na condição de cativo, não se apresenta nada alentador. Os fragmentos que se seguem expressam as opiniões de dois desses letrados, os padres jesuítas Jorge Benci (1650-1708) e Antônio Vieira, acerca dessa  questão:  Tal é, senhores, o estado de um cativo. É homem, mas sem vontade, e sem entendimento; trabalha e trabalha sempre, mas sem lucro;  vive, mas como se não vivesse; e sendo por natureza igual a seu  senhor, porque é homem, pelo cativeiro se faz muito inferior e como  se não fosse homem, é o mais vil, o mais abatido, e o mais  desprezado de todos os homens. Enfim, cativo.24  Terrível, e lastimosa sorte é a de um cativo!  Se come, é sempre a pior e mais vil iguaria; se veste, o pano é o  mais grosseiro e o trajo o mais desprezível; se dorme, o leito é  muitas vezes a terra fria e de ordinário uma tábua  dura. O trabalho é  contínuo, a lida sem sossego, o descanso inquieto e assustado, o alívio pouco e quase nenhum; quando se descuida, teme; quando falta, receia; quando não pode, violenta-se, e tira da fraqueza forças.  Já o vereis em uma parte, já em outra, já nesta ocupação, já naquela, ei-lo com o machado nas matas, ei-lo com a enxada nas  lavouras, ei-lo nas moendas moendo-se, ei-lo abrasando-se nas  fornalhas. Não há Proteu, que variasse tantas vezes a figura, como a  varia e muda o escravo. Há de ser lince, para ver o aceno de seu  senhor; há de ser águia, para lhe penetrar os pensamentos; há de  ser sátiro, para lhe ouvir as vozes. Na presteza para levar os  recados, há de ser cervo; na robustez para resistir ao trabalho, há de  ser boi; na paciência para sofrer o castigo, há de  ser jumento. Em  duas palavras: há de ser tudo, posto que na estimação de todos seja  nada.  Ah! servos! Ah! senhores! Ah! servos desgraçados! Ah! senhores  inumanos! A paixão de Cristo parte foi de noite sem dormir, parte de dia sem  descansar, e tais são as vossas noites e os vossos  dias. Cristo despido, e vós despidos; Cristo sem comer, e vós famintos; Cristo  em tudo maltratado, e vós maltratados em tudo! Os ferros, as  prisões, os açoites, as chagas, os nomes afrontosos , de tudo isto se compõe a vossa imitação, que, se for acompanhada de paciência, também terá merecimento de martírio.26  O fantasma do estado de servilismo, em especial no caso  do homem  negro, é acontecimento difícil de se superar: “todos os escravos, só por serem  escravos, são tidos em pouco a tratados com o desprezo que acabamos de ver; mas ainda é mais vil abatido o trato com que se dá aos escravos pretos, só por serem  pretos.”27 Assim, mesmo depois de conseguido a alforria, vários males ainda tinham  que ser suplantados. Contudo, esse lado do fantasma do estado de servilismo será  melhor descrito no item a seguir. O importante, por enquanto, é dizer que, depois de  conseguido a carta de alforria, o ex-cativo passava a usufruir de um pouco mais de  liberdade, embora as condições gerais postas à sua vida não mudassem  sensivelmente. No entanto, ainda que ínfima, tal mudança já lhe abria, pelo menos  em tese, certas oportunidades. Após a alforria, era preciso, de saída, evitar o  fantasma da re-escravização. Assim, se tudo ocorresse bem,  o ex-cativo passava  para a condição de forro que, embora, na prática, e em muitos casos, não  significasse muita coisa, era, para uma boa parte dos pretos, a única chance de  vislumbrar a mudança para novos lugaresPassadas ou vencidas todas essas etapas ou provas e auferida a condição de forro, nada ainda estava garantido ao cativo, pois o estado de forro,  embora fosse um novo lugar, ainda era tão desprezível  quanto o de cativo; ser forro  significava estar muito próximo do pior dos estados possíveis, o de servidão. 

sábado, 28 de maio de 2016

Litoral do Brasil entre as Ilhas São Sebastião, São Paulo, e Santa Catarina, no Estado do mesmo nome



O mapa com o título atribuído “[Litoral do Brasil entre as Ilhas São Sebastião, São Paulo, e Santa Catarina, no Estado do mesmo nome]” foi feito por João da Costa Ferreira no final do século XVIII.
João da Costa Ferreira era engenheiro militar com vasta experiência em obras civis e militares. Destacou-se em Portugal nas obras da reconstrução de Lisboa e em obras de edifícios públicos como hospitais, museus e laboratórios. No Brasil, foi o que mais se destacou entre os engenheiros enviados, principalmente devido à sua contribuição à capitania de São Paulo.
Entre outros trabalhos, levantou o mapa da costa da capitania, tombou as matas reservadas às construções reais, preparou o palacete, a alfândega e o hospital de Santos além da calçada da Serra de Paranapiacaba, a “Calçada do Lorena”.
Este mapa mostra a Ilha de São Sebastião (atual Ilha Bela), os rios Paraibuna, Paraitinga e Paraíba “este rio vai fazer barra nos Campos dos Goytacazes”, a vila de Lorena, de onde parte o “caminho do sertão para o Rio de Janeiro”, a vila de Guaratinguetá, de onde parte o “caminho da boiada para o Rio de Janeiro”, as vilas de Pindamonhangaba, Taubaté e Jacareí, a serra da Mantiqueira, Mogi das Cruzes, o rio Tietê, Nossa Senhora da Ajuda, São Miguel, a cidade de São Paulo, São José de Atibaia, Jaguari, Jundiaí, São Roque, a vila de Itu, os rios Capivariguaçu, Capivari mirim e o Piracicaba, Piracicaba, Itapetinga, o rio Paranapitanga, as minas de ouro de Paranapanema e da serra do Mar, o rio Jagurá que “tem ouro”, o rio São Lourenço que “tem ouro”, a vila de Santos, a vila de Itanhanhém, a aldeia de São João, a vila de Iguape, as minas de ouro da ribeira de Iguape, as minas de ouro da vila de Piauí, o rio Bananal, as vilas da Cananéia, de Ararapira e de Paranaguá, a barra do Sal, o rio Cubatão, o “caminho de Curitiba para a vila de Cubatão”, o “caminho das boiadas”, o rio Guaratuba, a vila de Guaratuba, a serra da Prata, o rio Tajaí que “tem ouro”, a enseada das Laranjeiras, a Ponta dos Garapos, o rio dos Tojucos Grande que “tem ouro”, a Ponta das Canavieiras, a Ilha de Santa Catarina e Santo Antônio.
Quanto à exploração do ouro de aluvião, podemos dizer que mostrou-se uma atividade rapidamente lucrativa. Em 1702, foi feito o Regimento dos Superintendentes, Guarda-Mores e Oficiais Deputados para as Minas de Ouro. A principal inovação do Regimento foi a criação da Intendência das Minas em todas as Capitanias que houvesse extração de ouro, instituição dotada de funções múltiplas, sobretudo as de ordem fiscal e de repressão ao contrabando. Abaixo das Intendências vinham as Casas de Fundição, onde se deveria recolher, fundir em barras e “quintar” – retirar o quinto da Coroa – todo o ouro extraído. Feito isso, o ouro podia circular a vontade, e havia mesmo a possibilidade de circulação de ouro em pó, restrito à capitania, dada a impossibilidade de alguns mineradores juntarem ouro suficiente para formar barra.
http://migre.me/tXsWD
 Parafraseando: Da vila de Lorena, de onde parte o “caminho do sertão para o Rio de Janeiro”, da vila de Guaratinguetá, de onde parte o “caminho da boiada para o Rio de Janeiro”. Também tem inicio o caminho para Minas, via serra da Mantiqueira, isto é, Alto da Serra, espaço colonial de Piquete-SP.

sexta-feira, 27 de maio de 2016

A descoberta do Ouro por um Mulato, a Carta Régia de 1694, e o Racismo.

1) - "De  acordo  com  os  estatutos  de  pureza  de  sangue  portugueses,  os  mulatos  eram  considerados "raça infecta",  sendo  lhes  vetado  o  acesso  a  determinados  cargos  públicos  e  títulos  de  nobreza."
2) "........... hei por bem que, havendo pessoas que voluntariamente se queiram oferecer a descobrir minas de ouro ou prata, lhes possais prometer, em meu real nome, o foro de fidalgo da minha casa e qualquer dos hábitos das três ordens militares 6, se descobrirem mina rica e certa."
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Terceira Parte
Cultura e Opulência do Brasil pelas minas do ouro
                                       I
Das minas do ouro que se descobriram no Brasil

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                                        II
 Das minas de ouro, que chamam gerais e dos descobridores delas.  HÁ POUCOS ANOS que se começaram a descobrir as minas gerais dos Cataguás, governando o Rio de Janeiro Artur de Sá; e o primeiro descobridor dizem que foi um mulato que tinha estado nas minas de Paranaguá e Curitiba. Este, indo ao sertão com uns paulistas a buscar índios, e chegando ao cerro Tripuí desceu abaixo com uma gamela para tirar água do ribeiro que hoje chamam do Ouro Preto, e, metendo a gamela na ribanceira para tomar água, e roçando-a pela margem do rio, viu depois que havia nela granitos da cor do aço, sem saber o que eram, nem os companheiros, aos quais mostrou os ditos granitos, souberam conhecer e estimar o que se tinha achado tão facilmente, e só cuidaram que aí haveria algum metal não bem formado, e por isso não conhecido. Chegando, porém, a Taubaté, não deixaram de perguntar que casta de metal seria aquele. E, sem mais exame, venderam a Miguel de Sousa alguns destes granitos, por meia pataca a oitava, sem saberem eles o que vendiam, nem o compra dor que coisa comprava, até que se resolveram a mandar alguns dos granitos ao governador do Rio de Janeiro, Artur de Sá; e fazendo-se exame deles, se achou que era ouro finíssimo. Em distância de meia légua do ribeiro de Ouro Preto, achou-se outra mina, que se chama a do ribeiro de Antônio Dias; e daí a outra meia légua, a do ribeiro do Padre João de Faria; e, junto desta, pouco mais de uma légua, a do ribeiro do Bueno e a de Bento Rodrigues. E, daí a três dias de caminho moderado até o jantar, a do ribeiro de Nossa Senhora do Carmo, descoberta por João Lopes de Lima, além de outra, que chama a do ribeiro Ibupiranga. E todas estas tomaram o nome dos seus descobridores, que todos foram paulistas. Também há uma paragem no caminho para as ditas minas gerais, onze ou doze dias distante das primeiras, andando bem até as três horas da tarde, a qual paragem chamam a do rio das Mortes, por morrerem nela uns homens que o passaram nadando, e outros que se mataram às pelouradas, brigando entre si sobre a repartição dos índios gentios que traziam do sertão.E neste rio, e nos ribeiros que dele procedem, e em outros que vêm a dar nele, se acha ouro, e serve esta paragem como de estalagem dos que vão às minas gerais, e aí se provêem do necessário, por terem hoje os que aí assistem roças e criação de vender. Não falo da mina da serra de Itatiaia (a saber, do ouro branco, que é ouro ainda não bem formado), distante do ribeiro do Ouro Preto oito dias de caminho moderado até o jantar, porque desta não fazem caso os paulistas, por terem as outras, de ouro formado e de muito melhor rendimento. E estas gerais, dizem que ficam na altura da capitania do Espírito Santo. 
Fonte:  ANTONIL, André João.  Cultura e opulência do Brasil . 3. ed. Belo Horizonte: Itatiaia/Edusp, 1982.  (Coleção Reconquista do Brasil). http://migre.me/tXcEH pág 67
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Nota: "Quanto à questão específica dos descobrimentos auríferos, foi  emitida Carta Régia em 1694, visando estimular os paulistas, não somente a penetrar os  sertões em busca de metais preciosos, mas também manifestá-los aos prepostos régios,  recebendo então as devidas recompensas da Coroa. Literalmente, afirmava esta ordenação  que: E porque as honras e riquezas foram sempre as que animaram os homens às mais dificultosas empresas, hei por bem que, havendo pessoas que voluntariamente se queiram oferecer a descobrir minas de ouro ou prata, lhes possais prometer, em meu real nome, o foro de fidalgo da minha casa e qualquer dos hábitos das três ordens militares 6, se descobrirem mina rica e certa."7 Fonte: http://migre.me/tXdXK pág 44/45
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Nota: [3] A palavra mulato tem origem nos vocábulos mu ou mulo, ou seja, animal nascido de duas espécies diferentes. No Brasil Colônia o termo mulato começa a aparecer em escritos de fins do século XVI, referindo-se à ascendência, designando o filho de homem branco com mulher negra ou de negro com branca. De acordo com os estatutos de pureza de sangue portugueses, os mulatos eram considerados "raça infecta", sendo lhes vetado o acesso a determinados cargos públicos e títulos de nobreza. A despeito disto, muitos mulatos conseguiram assumir postos de proeminência no Brasil colonial e conquistaram títulos nobiliárquicos. Com o tempo, o termo mulato passou a ser associado à cor, identificando aqueles cujo tom de pele estava entre o negro e o branco, do mesmo modo que o vocábulo pardo. Enquanto o termo pardo era privilegiado na documentação oficial, a categoria mulato assumia freqüentemente uma conotação pejorativa, sendo associada a características negativas, como indolência, arrogância e desonestidade. As mulatas eram relacionadas à lascívia, consideradas um risco à fidelidade conjugal da família branca. Não podiam alcançar a estima social garantida às mulheres ditas honradas através do casamento legítimo, já que este lhes era vetado. Elo entre as duas posições mais antagônicas da sociedade colonial, muitas vezes, resultante de relações extraconjugais entre senhores e escravas, o mulato era uma ameaça à ordem senhorial escravista da qual era produto. Mesmo quando livres ou forros os mulatos carregavam o estigma da escravidão. Não tinham direitos filiais, embora estivessem mais aptos que os negros de dispor de favores pelo seu parentesco com o senhor branco, daí a expressão utilizada no período colonial de que alguns senhores se deixavam "governar por mulatos". A visão desabonadora a respeito dos mulatos, provavelmente deita raízes nessas "facilidades" provindas de sua origem paterna, por exemplo, na compra e concessão de alforrias colocando em questão o princípio do partus sequitur ventrem, que previa a hereditariedade do cativeiro. Embora constituam exceção, alguns mulatos conseguiam inclusive tomar parte nas heranças, Fonte: http://migre.me/tXcIe

O Arquivo Nacional e a História Luso Brasileira - Os mulatos na sociedade colonial (Transcrição)


Venda do mulato Manoel da Cruz como escravo
Ofício enviado pelo vice-rei do Brasil, Fernando José de Portugal, a d.Fernando Antonio de Noronha, governador e capitão general de Angola, comunicando que o mulato Manoel da Cruz foi vendido, por engano, junto a escravos remetidos de Benguela. Após esse episódio Manoel da Cruz apresentou-se no Palácio do Rio de Janeiro, alegando ser soldado do regimento de infantaria de linha do Reino. Após as averiguações o vice-rei confirmou sua versão, e o fez embarcar preso de volta ao porto em que foi vendido para que o governador tomasse as medidas necessárias.
Conjunto documental: Registro da correspondência do vice-reinado com diversas autoridades
Notação: códice 70, vol. 22
Datas-limite: 1801-1808
Título do fundo: Secretaria de Estado do Brasil
Código do fundo: 86
Argumento de pesquisa: População, mulatos
Data do documento: 14 de janeiro de 1803
Local: Rio de Janeiro
Folha(s): 30
Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor,
Na corveta Levante de que é mestre Francisco José de Sousa que entrou neste Porto no dia 19 de dezembro próximo passado com carga de escravos[1], veio remetido de Benguela[2] pelo comerciante Manoel Antonio Guimarães, um mulato[3] chamado Manoel da Cruz ao seu correspondente nesta cidade[4], João Ribeiro da Silva, para que o vendesse, o que assim se executou, mas depois de vendido se apresentou na sala deste palácio alegando ser soldado do regimento de infantaria de linha desse Reino, por este motivo me pareceu entrar na averiguação desta matéria, e como o brigadeiro Paulo Martins Pinheiro Furtado Lacerda, que foi coronel do dito regimento, o tenente Gaspar Luiz Gabriel, que se acha aqui há dois meses com licença, e José Joaquim da Nóbrega, que serviu nele em sargento atestaram ser o mencionado mulato soldado do mesmo regimento, onde todos três o conheceram e deixaram. Me deliberei o fazê-lo embarcar debaixo de prisão neste bergantim [5] São José diligente vulcano de que é mestre Manoel José Ferreira da Rocha, que segue viagem para esse porto, onde vossa excelência melhor se poderá informar deste fato, e a vista do que achar, dar ao sobredito pardo[6] aquele destino o que lhe parecer conveniente, o que participei ao referido comerciante João Ribeiro da Silva para que pudesse fazer os avisos necessários aquele negociante que de Benguela lho havia enviado.
Deus guarde a Vossa Excelência.
Rio, 14 de janeiro de 1803 - Dom Fernando José de Portugal[7]
Senhor dom Fernando Antonio de Noronha[8]

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3] A palavra mulato tem origem nos vocábulos mu ou mulo, ou seja, animal nascido de duas espécies diferentes. No Brasil Colônia o termo mulato começa a aparecer em escritos de fins do século XVI, referindo-se à ascendência, designando o filho de homem branco com mulher negra ou de negro com branca. De acordo com os estatutos de pureza de sangue portugueses, os mulatos eram considerados "raça infecta", sendo lhes vetado o acesso a determinados cargos públicos e títulos de nobreza. A despeito disto, muitos mulatos conseguiram assumir postos de proeminência no Brasil colonial e conquistaram títulos nobiliárquicos. Com o tempo, o termo mulato passou a ser associado à cor, identificando aqueles cujo tom de pele estava entre o negro e o branco, do mesmo modo que o vocábulo pardo. Enquanto o termo pardo era privilegiado na documentação oficial, a categoria mulato assumia freqüentemente uma conotação pejorativa, sendo associada a características negativas, como indolência, arrogância e desonestidade. As mulatas eram relacionadas à lascívia, consideradas um risco à fidelidade conjugal da família branca. Não podiam alcançar a estima social garantida às mulheres ditas honradas através do casamento legítimo, já que este lhes era vetado. Elo entre as duas posições mais antagônicas da sociedade colonial, muitas vezes, resultante de relações extraconjugais entre senhores e escravas, o mulato era uma ameaça à ordem senhorial escravista da qual era produto. Mesmo quando livres ou forros os mulatos carregavam o estigma da escravidão. Não tinham direitos filiais, embora estivessem mais aptos que os negros de dispor de favores pelo seu parentesco com o senhor branco, daí a expressão utilizada no período colonial de que alguns senhores se deixavam "governar por mulatos". A visão desabonadora a respeito dos mulatos, provavelmente deita raízes nessas "facilidades" provindas de sua origem paterna, por exemplo, na compra e concessão de alforrias colocando em questão o princípio do partus sequitur ventrem, que previa a hereditariedade do cativeiro. Embora constituam exceção, alguns mulatos conseguiam inclusive tomar parte nas heranças familiares.
Fonte: http://migre.me/tXavq

segunda-feira, 23 de maio de 2016

ESTRADA REAL: A ESTRADA DO MEDO (Transcrição)

Ouro por todos os cantos .... na cabeça daquela gente, sobretudo. Intrigava-se, traia-se, matava-se por motivo fútil, movidos por cega ambição.   

















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 Nos idos de 1.700, o temor entre os comerciantes que transitavam pela Estrada Real era tão grande - diante das notícias de perigo e incertezas do roteiro - que muitos já deixavam prontos os seus testamentos antes de cada viagem. Cruzar a rota do ouro e dos diamantes era uma verdadeira aventura no século XVIII. Homicídios, roubos e contrabandos eram frequentes. Embora as ações dos salteadores e bandoleiros, na maioria das vezes reprimidas, nem sempre as autoridades tiveram sucesso.
O palco da violência não se limitou às estradas, alcançando também os sertões e as serras. E em menor escala as vilas. Uma forma usada pelos senhores para se protegerem era a companhia de negros, sempre armados e cachorros. A maior parte dos ataques acontecia à noite. Ninguém era poupado, fosse mulher, criança ou idoso.
Foram várias as tentativas de se conter a criminalidade. Em 1766, o rei de Portugal, dom José I, proibiu os sítios volantes e ranchos sem estabelecimento sólido e determinou que os indivíduos dispersos deveriam se estabelecer em povoações civis. Em 1775, houve nova carta régia, prevendo mais organização das minas e tornando mais freqüentáveis os caminhos.
 Em 1781, Joaquim José da Silva Xavier - Tiradentes - assumiu o patrulhamento da serra da Mantiqueira, com a missão de estudar as terras, rios, fazer cartas geográficas dos sertões, com seus habitantes e em que se ocupavam. A partir de seus estudos, foram reconhecidos caminhos que ligavam as minas ao Rio de Janeiro e estabelecidos os locais estratégicos em que deveriam ser colocados registros, rondas patrulhas
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Parafraseando: Alto da Serra, Sertão proibido da Mantiqueira, espaço colonial de Piquete, caminho que ligava as minas ao Rio de Janeiro, local estratégico em que foi instalado o Registro (Piquete-SP) e Registro de Itajubá, rondas e patrulhas Razão pela qual fez referência à localidade como sendo Amantiqueira Quadrilheira, ou seja, vigiada, em 1692, o padre João de Faria Fialho capelão das bandeiras.

As quadrilhas de Minas na época do ouro: (Transcrição)

MANTIQUEIRA
Era a quadrilha mais badalada. Atuou durante três anos na região do Alto da Mantiqueira. Extremamente organizada, era chefiada pelo "Montanha". A estratégia do grupo, que matava os policiais para roubar as fardas, lembra a técnica atualmente usada pelos traficantes cariocas. Fardados, faziam falsas blitze nas estradas e roubavam todo o ouro que passava por ali. Foi desmantelada em 1786, a partir das diligências feitas por Tiradentes.
MÃO DE LUVA
Atuava no Rio de Janeiro e Minas Gerais. Recebeu este nome porque o chefe usava uma luva. Eram contrabandistas, vistos pelas autoridades como perigosos bandidos. Faziam comércio de ouro com todo tipo de gente. Matavam somente quando atacados. O grupo foi desarticulado pelas tropas do governo de Minas, a pedido do então governador Luiz da Cunha Menezes.
VIRA-SAIA
Atuava no Norte de Minas Gerais, perto da Serra do Grão Mogol. Os integrantes eram considerados altamente perversos. Dificilmente as tropas do governo conseguiam pegá-los, o que criou o mito de que teriam "pacto com o diabo". O grupo se desfez no começo do século XIX e acredita-se que migrou para a Bahia.
SETE ORELHAS
Chefiada por Januário Garcia Leal, que recebeu este nome porque portava um colar com sete orelhas humanas - arrancadas dos homens que mataram seu irmão. A quadrilha assombrou Minas Gerais no final do Século XVIII. Era desorganizada - ao contrário das demais - e usava formas perversas de matar. Seus integrantes embrenharam-se pelo sertão e nunca mais foram vistos. 
 Mapa de Santos de 1776 - Alto da Serra da Mantiqueira - Espaço colonial de Piquete-SP, Garganta do Sapucaí, Estrada Geral do Sertão, Caminho dos Paulistas, Desfiladeiro de Itajubá.

terça-feira, 17 de maio de 2016

“ O conceito de museu comunitário : história vivida ou memória para transformar a história?” 1 (Transcrição)


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Paulo Freire assinala que o homem é sujeito porque é um ser de relações, capaz  de refletir, de fazer crítica, de ser consciente de sua historicidade, de optar, de criar e transformar a realidade. Ser sujeito é a vocação ontológica do homem, pela qual não pode renunciar sem converter-se em um mero espectador dos feitos, um receptor de receitas AJENAS, um objeto. Para nós, o museu comunitário é uma ferramenta para a construção de sujeitos coletivos, enquanto as comunidades se apropriam dele para enriquecer as relações no seu interior, desenvolver a consciência da própria história, propiciar a reflexão e a crítica e organizar-se para a ação coletiva transformadora. Ser sujeito implica auto-conhecimento e o museu comunitário é uma ferramenta  para que a comunidade construa um auto-conhecimento coletivo. Cada pessoa que participa selecionando os temas a estudar, capacitando-se, realizando uma entrevista ou sendo entrevistado, reunindo objetos, tomando fotografias, fazendo desenhos, está conhecendo mais a si mesmo e ao mesmo tempo está conhecendo a comunidade à qual pertence. Está elaborando uma interpretação coletiva de sua realidade e de sua história. Ser sujeito igualmente implica criatividade e o museu comunitário propicia a criação coletiva toda vez que oferece uma oportunidade às pessoas que participem dos processos coletivos para expressar suas histórias de sua própria maneira. A pessoa criativa não aceita soluções dadas, busca inventar novas formas de abordar sua  realidade e o museu comunitário é um espaço de organização para impulsionar novas propostas e projetos comunitários. Assim, o museu comunitário é uma opção diferente do “ mainstream museum” ou museu tradicional. A instituição do museu surgiu com base em uma história de concentração de poder e riqueza , que se refletia na capacidade de concentrar tesouros e troféus arrancados a outros povos. Para Napoleão, Paris era o lugar onde as obras tinham “ seu verdadeiro lugar para honra e progresso das artes, sob o cuidado da mão de homens livres” e alimentou o Louvre de troféus de guerra dos lugares que caíam sob seu império. O museu comunitário tem uma genealogia diferente : suas coleções não provêm de despojos , mas de um ato de vontade. O museu comunitário nasce da iniciativa de um coletivo não para exibir a realidade do outro mas para defender a própria. È uma instância onde os membros da comunidade livremente doam objetos patrimoniais e criam um espaço de memória. Em um museu comunitário o objeto não é o valor predominante, mas sim a memória que se fortalece ao recriar e reinterpretar as histórias significativas. Ansaldinos assinala, “nada pode viver com uma brutal amputação da memória”, quer dizer, não podemos recordar-nos de quem somos, não podemos ser sujeitos, sem recriar e elaborar nossa própria memória. Assim, os membros da comunidade utilizam o museu comunitário para recriar como eram as coisas antes, para reviver eventos e práticas que os marcaram. Porém o museu também é um instrumento para analisar a memória, para reinterpretar o passado e discernir o aprendizado de experiências anteriores. No museu comunitário as pessoas inventam uma forma de contar suas histórias e dessa maneira participam, definindo sua própria identidade em vez de consumir identidades impostas. Criam novo conhecimento em vez de amoldar-se a uma visão central, à interpretação dominante da história nacional que sempre os exclui e os esquece ou (os manipula os registros). Lutam contra uma longa história de desvalorização, ao valorizar suas histórias e os feitos cotidianos da vida comunitária. Assim, se apropriam de uma instituição criada para a elite para afirmar-se e legitimar seus próprios valores O museu comunitário se converte em  uma ferramenta para manejar o patrimônio sob as formas do poder comum. Por um lado, serve para manter ou recuperar a posse de seu patrimônio cultura material e por outro, permite uma apropriação simbólica do que é seu, ao elaborar o que significa em sua própria linguagem. Através do museu, a  comunidade busca exercer poder sobre o que é seu e luta contra a expropriação. Essa luta ela a desenvolve por meio de suas próprias formas de organização, a assembléia geral ou outras, onde as pessoas da comunidade tomam decisões sobre o que mostrar no museu, como dirigi-lo e que prioridades têm.
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Fonte: Teresa Morales Lersch e Cuauhtémoc Camarena Ocampo Centro INAH Oaxaca   http://www.abremc.com.br/pdf/5.pdf

segunda-feira, 16 de maio de 2016

Aparecida do Norte, uma povoação no "Caminho do Norte"?

Qual seria o real sentido das pessoas se referirem a cidade de Aparecida, São Paulo, como sendo "Aparecida do Norte"? Antecipando que, para muitos, resulta injustificável. Todavia um artigo do professor Paulo Pereira dos Reis "Os puris de Guaipacaré e algumas achegas à cidade de Queluz", na Revista de História Vol XXX N. 61, ANO XVI DE 1965 -SÃO PAULO BRASIL, pág 122, ao citar os Puris de Guaipacaré assevera: "......povoações serviam mais de pouso e de centro abastecedor de alimentos daqueles que demandavam às Minas Gerais pelo "Caminho do Norte" (grifos meus) 

terça-feira, 10 de maio de 2016

Peabiru o caminho milenar - Há muitas traduções para esta palavra de origem tupi, como há muitas hipóteses para o verdadeiro significado desse caminho milenar chamado pelos indígenas de Peabiru. (Transcrição)

Peabiru o caminho do ouro no Brasil

O caminho, ramificado em diversas trilhas, parece possuir ao todo cerca de cinco mil quilômetros, sendo 1200 km dentro do território do Brasil. Forrada por um tipo especial de grama miúda e macia, tão fechada que impedia o crescimento de qualquer outra espécie de vegetal, mantendo a passagem sempre livre, a misteriosa e hoje quase desconhecida estrada, com um metro e quarenta de largura, serviu para os conquistadores europeus alcançarem a notável civilização Inca por terra, anos antes de Francisco Pizarro destruí-la quase completamente.
Uma das hipóteses sobre a construção do Peabiru supõe justamente que o caminho tenha sido uma tentativa de expansão do Império Inca, ou de alguma civilização pré-incaica, em tempos muito antigos, na direção do Oceano Atlântico. Neste caso, a expressão original Pe-Biru significaria algo como Caminho para o Biru, nome pelo qual os incas denominavam seu território.
Outra hipótese aponta na direção dos guaranis ou povos antecessores, como os itararés, na construção do Peabiru, entre os anos 1000 e 1300. O termo, então, poderia ser interpretado como Caminho para a Terra Sem Mal, e estas tribos, originárias do território onde hoje fica o Paraguai, teriam construído o Peabiru durante sua migração para o litoral sul do Brasil, em busca de um paraíso, a lendária Terra Sem Mal.
Uma terceira hipótese é que o Peabiru teria sido aberto por ninguém menos que São Tomé, o incrédulo apóstolo de Cristo. Sérgio Buarque de Holanda, um dos mais importantes historiadores brasileiros, diz que a comoção criada no século 16 pela descoberta de um Caminho de São Tomé por pouco não desbancou o célebre Caminho de Santiago de Compostela. Os indígenas brasileiros o chamavam de Sumé.

Trilha milenar, Peabiru

Ainda hoje, muitos consideram os resquícios do Peabiru como um caminho sagrado, próprio para peregrinações pelo interior do Brasil, a partir de vários pontos do litoral, principalmente Santa Catarina, Paraná e São Paulo. O Peabiru, cujo significado mais conhecido é Caminho de Grama Amassada, foi quase todo destruído pela paulatina ocupação humana, restando ainda poucos vestígios. O trânsito intenso através do Peabiru chegou a ser proibido, em 1553, por Tomé de Souza. Segundo o, então, Governador-Geral do Brasil, era preciso fechar o caminho milenar e punir quem por ali transitasse com a pena de morte, pois “a fácil comunicação entre a Vila de São Vicente com as colônias castelhanas causam um grande prejuízo à Alfândega Brasileira, resultado do contrabando”.
Só muito tempo depois, algumas dessas trilhas foram aos poucos sendo reativadas.
Provavelmente é o caso do chamado Caminho Velho, que teria usado uma das antigas ramificações do Peabiru para ligar Paraty, no litoral sul do Rio de Janeiro, às Minas Gerais. Com a descoberta de pedras e metais preciosos naquela região do interior do Brasil, o Caminho Velho foi calçado com pedras e passou a ser conhecido como Trilha do Ouro.
Hoje, boa parte da Trilha do Ouro pode ser desfrutada em passeios turísticos a partir da cidade histórica de Paraty, no litoral sul do Rio de Janeiro.


Fonte:Brasil Brasileiro - Peabiru o caminho milenar http://www.brasilazul.com.br/peabiru.asp
 
Caminho Velho, Peabiru, Alto da Serra (Jaguamimbaba), espaço colonial de Piquete-SP, Serra da Mantiqueira.

CASTIGOS DE ESCRAVOS (Transcrição)




Nas cidades, os castigos de açoites eram feitos publicamente, nos pelourinhos. Eram colunas de pedra, velha tradição romana, que se erguiam em praça pública. Na parte superior, esta colunas tinham pontas recurvadas de ferro, onde se prendiam os condenados à forca. Mas o pelourinho tinha outros usos, além do da forca. Nele eram amarrados os infelizes escravos condenados à pena dos açoites.
O espetáculo era anunciado publicamente pelos rufos do tambor. E grande multidão reunia-se na praça do pelourinho para assistir ao látego do carrasco abater-se sobre o corpo do próprio escravo condenado, que ali ficava exposto á execração pública. A multidão excitava e aplaudia, enquanto o chicote abria estrias de sangue no dorso nu do negro escravo...
A palmatória era outro instrumento de suplício muito empregado e suficientemente conhecido para dispensar qualquer descrição. O castigo dos bolos que se tornara também um método pedagógico, ainda hoje empregada em muita escola rural do Brasil, consistia em dar pancadas com a palmatória nas palmas das mãos estendidas. "Arrebentar a mão de bolos" era provocar violentas equimoses e ferimentos no epitélio delicado das mãos.
Em alguns engenhos do Nordeste e fazendas do Sul, as crueldades de senhores de engenho e feitores atingiram extremos incríveis: novenas e trezenas de matar; anavalhamento do corpo, seguido de salmoura, marcas de ferro em brasa; multilações; estupros de negras escravas; castração; amputação de seios; fraturas dos dentes a marteladas... uma longa teoria de sadismo requintado. A conta é infindável. Havia processos verdadeiramente chineses, como os da urtigas, os dos insetos, o da roda d’água, a darmos crédito a testemunhos da época.
De um oficial de marinha ouviu o professor baiano Anselmo da Fonseca que "no Rio Grande do Sul costumavam os senhores fazer atar os punhos de escravos por meios de cordas e traves horizontais e mais altas do que a cabeça de modo que fiquem os membros superiores dirigidos para cima, e sobre os corpos, inteiramente nus, untar mel ou salmoura a fim de que miríades de insetos, como moscas, vespas, etc., os venham ferretear e pungir!"
Sobre o castigo da roda d’água ainda o professor Anselmo da Fonseca transcreve uma parte dos debates em sessão da Câmara dos Deputados de 27 de julho de 1871, quando falava Benjamim Constant:
"Havia mesmo, dói-me dizê-lo máquinas movidas por água, de um outro algoz da humanidade, com que se arrancavam as carnes desse ente (os escravo) duplamente desgraçado.
O senhor Coelho Rodrigues – Não digamos isto aqui na Câmara.
O senhor Duque Estrada Teixeira – Fique consignado este estigma que o nobre deputado lança à sua nação.
"O senhor Evangelista Lobato- Ele está contando a história do seu país".
A série de instrumentos de suplício desafia a imaginação das consciência mais duras: o tronco, o vira mundo, o cepo, as correntes, as algemas, o libambo, a gargalheira, a gonilha ou golilha, a peia, o colete de couro, os anjinhos, a máscara, as placas de ferro...
O tronco foi instrumento usado em toda a América escravocrata para a contenção do negro escravo. Como o cepo cubano, o tronco brasileiro consistia em um grande pedaço de madeira retangular, aberto em duas metades, com buracos maiores para a cabeça e, menores, para os pés e a mãos do escravo. Para colocar-se o negro no tronco, abriam-se as suas duas metades e se colocavam nos buracos o pescoço, os tornozelos ou os pulsos do escravos , após o que eram fechadas as extremidades com um grande cadeado.
O tronco é um velho instrumento usado em muitos países, para os condenados de todas as raças, e na própria África os negros o empregavam com fins penais. Depois da abolição da escravatura no Brasil, o tronco ainda foi empregado em muitas fazendas , para a prisão e castigo de ladrões de cavalo e de outros delinqüentes.
A finalidade principal do tronco era a contenção do negro escravo turbulento ou que tivesse cometido qualquer falta. Mas converte-se também num instrumento de suplício se levarmos em conta a imobilidade forçada que provocava o negro escravo e a impossibilidade em que ficava de defender-se contra mosquitos, moscas e outros insetos, ou mesmo satisfazer os atos elementares da vida fisiológica.
Uma variedade do tronco de madeira era um instrumento para fins análogos, todo feito de ferro... o instrumento abre-se em duas metades, que se fecham por intermédio de um parafuso numa das extremidades. Há nele buracos grandes e pequenos para os pés e para as mãos. O vira-mundo era um instrumento de ferro, de tamanho menor, porém com o mesmo mecanismo e as mesmas finalidades: de prender pés e mãos do escravo.
O cepo consistia num grosso tronco de madeira que o escravo carregava à cabeça preso por uma longa corrente a uma argola que trazia no tornozelo.
Nesta série de correntes e argolas, estão o libambo, a gonilha, a gargalheira. Libambo vem do quimbundo lubambo, corrente. Extensivamente é toda espécie de corrente que prendia o escravo e, neste sentido, está descrito por vários historiadores. No Brasil, porém, o libambo teve uma significação restrita: serviu para designar aquele instrumento que prendia o pescoço do escravo numa argola de ferro, de onde saía uma haste longa, também de ferro, que se dirigia para cima ultrapassado o nível da cabeça do escravo. Esta haste ora terminava por um chocalho, ora por trifurcação de pontas retorcidas... um antigo desenho feito por um artista popular alagoano, em 1888, mostra um escravo, Isidoro, de Pilar, Alagoas, preso por correntes e com um libambo ao pescoço.
O castigo do libambo era para os negros que fugiam. O chocalho que dava sinal quando o negro andava, queria indicar que se tratava de um escravo fujão. Assim também o libambo das pontas retorcidas. Dizia-se que estas pontas tinham outra finalidade: era a de prender-se aos galhos de árvores do mato, para assim dificultar a fuga do escravo.
Outros instrumentos que prendiam o pescoço era a gargalheiras, a gonilha ou galilha, de que há vários feitios... Das gargalheiras partiam correntes que prendiam os membros do negro ao corpo, ou servia para atrelar os escravos uns aos outros, nos transportes dos mercados dos escravos para as fazendas ou, dentro destas, para os trabalhos vários.
Algemas, machos e peias prendiam mãos e pés do escravo. Havia-os de vários feitios, para escravos fortes, para os molecotes, etc. a peia era quase sempre numa só perna e prendia-se ao nível do tornozelo. O seu peso impedia que o escravo corresse, ou andasse depressa, dificultando assim a sua fuga.
Os anjinhos eram instrumentos de suplício, como o vis-á-pression das colônias francesas e inglesas que prendiam os dedos polegares da vítima em dois anéis que comprimiam gradualmente por intermédio de uma pequena chave ou parafuso. Era um suplício horrível que os senhores usavam quando queriam obter à força a confissão do escravo, incriminado de uma falta.
A máscara era usada para o escravo que furtava cana, ou rapadura, ou que comia terra. Era uma máscara de folha-de-flandres, que tomava todo o rosto, e vinha presa no occiput por uns prolongamentos que se fechavam por um cadeado. Apenas alguns orifícios premitiam a respiração. O escravo com a máscara não podia comer nem beber, sem permissão, e ficava neste suplício muitas vezes dias inteiros. A placa de ferro prendia do pescoço onde estava presa a uma golilha. Servia também para indicar o negro ladrão e fujão,como num exemplo do Museu do Instituto Histórico Alagoano.
A fantasia de alguns fazendeiros provavelmente engendrou outros instrumentos de suplício que escaparam a esta abolição muitos foram escondidos e enterrados, outros se deterioraram, muitos foram vendidos como ferro velho...
(RAMOS, Artur. A aculturação negra no Brasil. In CARNEIRO, Edison. Antologia do negro brasileiro)

segunda-feira, 9 de maio de 2016

Parte do rio São Francisco, com seu afluente, o rio Verde, ao norte da Capitania de Minas Gerais (Transcrição)

 
O mapa sertanista, cujo título foi atribuído como “[Parte do rio São Francisco, com seu afluente, o rio Verde, ao norte da Capitania de Minas Gerais]”, de autor anônimo foi manuscrito no século XVIII.
Esta carta mostra o curso do rio São Francisco ao norte do atual Estado de Minas Gerais, ressaltando o seu afluente o rio Verde e algumas povoações e arraiais ao longo destes rios. Tais como: Anásio Siqueira, o castelo de Manuel Nunes Viana, o brejo Grande, São Caetano, Casa Brava, o arraial de Matias Cardoso, o povoado de Juazeiro, a Ilha de Estevão Raposo, os campos baixos, fazendas de Pado, o morro dos Coringas, os campos gerais, a vila de Itaverava, Capivara, o rio Barreiras, o povoado de Padre José Correia e o rio do Meio. No centro do mapa aparecem terras despovoadas. Além disso, inclui um pequeno trecho dos rios das Contas e dos Ilhéus no Sul da Bahia.
No que tange à história do Brasil é importante ressaltar que os bandeirantes se beneficiaram da extensa rede hidrográfica brasileira que a partir do Tietê, Pinheiros, Cotia e Piracicaba alcançavam a bacia do Prata, o Parnaíba e o São Francisco. Cabe destacar que o transporte não era apenas fluvial, como também, aproveitavam as margens dos rios, as trilhas indígenas e os rastros deixados por animais.
Por tudo isso, faz-se necessário traçar o perfil da chamada cartografia bandeirante e sua importância na História Colonial brasileira. De acordo com Jaime Cortesão, as cartas sertanistas e bandeirantes evidenciaram que ao lado da renovação científica da escola cartográfica portuguesa – motivada pela expansão territorial e a formação da nova economia mineira, a qual estava representada de início pelos dois padres matemáticos, Diogo Soares e Domingos Capacci – nasceu pelas mesmas razões no Brasil, e mais especificamente, em São Paulo, uma arte cartográfica nativa, em que “o quadro da cultura portuguesa remonta o primitivismo do aborígene, como uma força constante e essencial”.
Um ponto crucial para a cartografia bandeirante é a autoria. Para Jaime Cortesão, estes mapas foram feitos por bandeirantes propriamente ditos, isto é, sertanistas de São Paulo, moldados pelo gênero e o estilo de vida do bandeirantismo, e simples sertanistas de ocasião, luso-brasileiros de outras capitanias, reinóis residentes no Brasil, ou até servidores oficiais, civis ou militares. Vale dizer que todos os bandeirantes foram sertanistas, mas nem todos sertanistas foram bandeirantes.
De acordo com a historiografia tradicional, os bandeirantes eram considerados nobres e ricos mercadores, visão defendida por Oliveira Viana. Em 1929, houve uma inovação sobre o mito dos bandeirantes, o pioneiro neste trabalho foi Alcântara Machado que os analisou como modestos lavradores, pequenos mercadores e aventureiros rústicos. Mostrou que se dedicavam à agricultura de subsistência e à captura de índios pelo interior. Neste estudo o autor debruçou-se sobre o cotidiano da sociedade paulista para contestar a historiografia tradicional, destinada a erguer o mito dos bandeirantes.

sexta-feira, 6 de maio de 2016

Instrumento de suplício, uma espécie de alicate aperfeiçoado, com a finalidade de apertar os dedos dos escravos e ferro de marcar escravo

CAXAMBU (Fig 05) e a deusa joruba Obá - orixá (06)

CIRCULAÇÃO DO OURO EM PÓ E EM BARRAS AS CASAS DE FUNDIÇÃO (Transcrição)

Castigos e torturas sofridas pelos escravos (Transcrição)

Introdução
O castigo do escravo infrator apresentava-se como parte do “governo econômico dos senhores”, aliados ao trabalho excessivo e ao alimento insuficiente. Mas o poder do senhor sobre o escravo não visava destruí-lo, mas, sim, otimizar sua produção econômica e diminuir sua força política. É justamente o perigo da perda de funcionalidade do sistema de dominação do senhor sobre o escravo que fez com que a punição senhorial fosse agente político, manifestando-se e se reativando na punição do escravo faltoso (LARA, 1988, p.116).
O reconhecimento social da prática dos castigos de escravos, no entanto, esbarrava na questão da justiça e da moderação, pois somente aplicado nessas condições corresponderia ao que dele se esperava: a disciplina e a educação. A punição injusta e excessiva provocava, por seu turno, descontentamento e revolta. Punir o escravo que houvesse cometido uma falta, não só era um direito, mas uma obrigação do senhor. Isso era reconhecido pelos próprios escravos, mas não quer dizer que os castigos eram aceitos, ou seja, por intermédio dos castigos, caberia a tarefa de educar seus cativos para o trabalho e para a sociedade (LARA, 1988, p. 60-61).
Os castigos também tinham como objetivo deixar os escravos temerosos para que não tentassem nada contra o senhor.
Instrumentos usados na tortura
Vários foram as formas e os instrumentos utilizados para castigar os escravos faltosos e mantê-los obediente e temerosos. Como instrumentos destinados à captura e contenção de cativos havia as correntes, (dentre as correntes estão a gonilha[4] ou golilha, a gargalheira), o tronco e o vira-mundo, as algemas, machos, cepo e a peia[5].
Apesar de serem classificados como instrumentos de captura e contenção podiam tais utensílios transformar facilmente em instrumentos de grandes tormentos, pois ao provocarem a imobilidade forçada tornava-se um verdadeiro suplício. Além dos instrumentos já citados, existiam também as máscaras de flandes, os anjinhos, o bacalhau, a palmatória e o ferro para marcar com inscrições o corpo do escravo faltoso (APOLINARIO, 2000, p. 102).
 

Fonte: http://migre.me/tHGx6

História noutra face: CASTIGOS SOFRIDOS PELOS ESCRAVOS

História noutra face: CASTIGOS SOFRIDOS PELOS ESCRAVOS: O tráfico negreiro representou uma importante fonte de renda para os países europeus. Os escravos não eram consederados seres humanos, mas m...

O DIA EM QUE AS MULHERES SE REVOLTARAM (Transcrição)


(Guerra dos Emboabas - do livro "Aconteceu no Velho São Paulo", de Raimundo de Menezes - Coleção Saraiva - 1954)
Foi ao cair de uma tarde tristonha, há muitos anos, há muito tempo mesmo, aqui em São Paulo. O episódio, verdadeiramente espartano, aconteceu quando Piratininga era uma pequena vila, inexpressiva, pobremente arruada, cheia de ladeiras íngremes. porém habitada por uma gente estóica, capaz de gestos e atitudes que assinalaram a época. Uma neblina grossa, nascida do rio Tamanduateí esparramava-se por cima do minúsculo povoado, "escondendo-o em espesso e úmido nevoeiro." Nesse entardecer melancólico, naquele março de 1709, quando todos já pensavam em recolher-se, eis que a notícia terrível, trazida por um apavorado portador, sacudiu toda a gente. A notícia era dessas de fazer arrepiar os cabelos: os paulistas em lutas com os emboabas, lá para os confins de Minas Gerais, tinham sido encurralados e sumariamente trucidados, no alto de um morro que, em conseqüência, recebera o nome de Capão da Traição. A carnificina havia sido medonha, indescritível, de uma covardia inaudita, e nela tinham perecido cerca de trezentos filhos de Piratininga! Escutaram bem? Trezentos paulistas... Logo apareceu gente de todos os lados para colher melhores informes.
Diante de Luís Pedroso, o jovem paulista que regressara, a multidão se aglomerou, e começaram as indagações. Não havia quem não quisesse saber de alguma coisa: que fim levou Julio Cesar? Jerônimo Pedroso? Lourenço Vaz? Francisco de Almeida? Manuel Veloso? Antônio Monteiro? E os outros? E a resposta era uma só, incisiva, dramática. Todos foram vítimas da cilada diabólica. Só escapara Rui Gonçalo. Vira e assistira tudo. Ficara escondido no meio do mato e nada pudera fazer. Iniciou-se o comentário revoltado de todos, principalmente das mulheres. E nasceram as propostas. E nasceu a revolta. Antes porém, todos fizeram questão de saber como acontecera a desgraça, de que forma haviam morrido aqueles trezentos infelizes paulistas.
Luís Pedroso começou a contar o episódio medonho. O que ele contou foi esta coisa espantosíssima. Escutem e fiquem estarrecidos, tantos e tantos anos passados. Frei Francisco de Menezes, " o maior apóstata que então andava em Minas", era uma alma danada. Nada possuía de espírito cristão. Porque perdera a exploração rendosíssima do contrato dos açougues, assim como o monopólio da aguardente e do fumo, e atribuíra o fato aos paulistas, contra eles virou o seu ódio, um ódio de vida e de morte. E meteu aquilo na cabeça do ditador Nunes Viana. E Nunes Viana, que era um indivíduo fraco, ficou envenenado.
O Capão da Traição
Logo nos primeiros dias do ano de 1708, começaram as escaramuças. Os paulistas, que andavam no trabalho das minas, passaram a ser escorraçados pelos portugueses, que os índios, por vê-los calçados, com alusão às aves de pernas empenadas, apelidavam de emboabas. Um dia, o arraial de Sabará amanheceu cercado. Em poucas horas, dominaram-no. Incendiado e exterminado o lugarejo, os paulistas derrotados encurralaram-se em Cachoeira do Campo. Ali conseguiram defender-se como puderam. Foi uma defesa que durou pouco, embora tivessem logrado ferir o próprio ditador, que comandava as tropas inimigas. Ao final, graças a um ardil satânico do temível frei Francisco de Menezes, que então assumira a chefia do ataque, os paulistas foram desgraçadamente rechaçados.
Nem era possível uma vitória: a proporção era de um paulista para dez emboabas. A peleja final teve momentos épicos: um corpo a corpo que não se descreve. "Pelejou-se peito a peito. Menos hábeis os paulistas em tiros de fogo, excediam em muito aos europeus, se brandiam as armas brancas, os machados, as foices. As armas de fogo, espingardas e flechas pouco espaço achavam na luta, na qual os paulistas, com seus músculos rijos, criados à mercê das intempéries e afeitos às agruras do sertão, nada cediam ao inimigo. Ao anoitecer, os paulistas, sangrando, lanhados, feridos, cobertos de lama, estavam mais mortos do que vivos. Estavam sobretudo famintos. Principalmente as mulheres e crianças. O quadro era contristador. Desses que cortam o coração.
Foi, então, que ocorreu um fato inaudito. Surgiu em cena o sargento-mor Bento do Amaral Coutinho, (guardem bem esse nome e seus antecedentes), brasileiro, "fluminense, façanhudo, vingativo e cruel". Ao amanhecer, depois de uma noite medonha e inesquecível, quando os paulistas procuravam levantar acampamento, a caminho de Embaú, numa tentativa de chegar a São Paulo, estavam irremediavelmente cercados, cercados por todos os lados. Nem foi possível empurrar para a frente as mulheres, os inválidos, as crianças, o gado...
Bento do Amaral Coutinho determinara ao capitão Gonçalo Ribeiro Coso que cortasse a retaguarda. Ele, todavia, foi infeliz no movimento envolvente. "Os índios não se contiveram, saíram dos seus esconderijos e acompanharam o retorno de Gonçalo Coso com uma vaia doida." Uma vaia que ecoou longe. Aquilo foi pior, bem pior. Achincalhados assim, cheios de fel, os emboabas retrocederam dispostos a tudo. Amaral mandou tocar as cornetas e avançou como um endemoniado. Vinha disposto a trucidar os atrevidos. Deparando, porém, com o triste quadro dos paulistas famintos, desbaratados, como um bando de animais, teve uma idéia diabólica.
Após dois dias de cerco, um cerco que ficou na memória de todos, sem pão e sem água, não tiveram os homens de Piratininga outro jeito senão entregar-se, propondo uma trégua. O velho João Antunes, tio de Gabriel de Góis, como o mais velho da tropa, saiu de bandeira branca em punho. Amaral Coutinho foi-lhe ao encontro. Abraçou-o efusivamente com mostras de carinho. Mandou servir-lhe comida e bebida. Cativou-lhe as simpatias. O velho Antunes contou-lhe então do medo de que estavam tomados os seus conterrâneos, "pois bem conheciam e sabiam quais eram as ordens do ditador: e o que se tinha feito, em todos os combates, com os prisioneiros." Amaral, porém, acalmou-o e prometeu-lhe mundos e fundos. Que nada lhes aconteceria se se entregassem com armas e tudo. E não vacilou em "prestar um juramento terrível, pela Santíssima Trindade, de que nenhum mal faria aos paulistas". Antunes retornou cheio de esperanças e bastante entusiasmado com o tratamento que recebera. O capitão Amaral Coutinho não era o que pensavam e o que se dizia. Era um homem digno, de palavra. Podiam acreditar.
E tanto falou que acreditaram... Todos saíram dos esconderijos. Todos se entregaram com a melhor boa-fé. Entregaram, com a mais singela ingenuidade, as armas, as munições, tudo. E - escutem agora este desfecho inacreditável! - quando Coutinho viu todos desarmados, não teve dúvidas em, pessoalmente, chefiar a mais bárbara carnificina de que se tem notícia na história. Matou-os, um a um, exterminou aqueles trezentos indefesos paulistas. Trucidou-os, sem dó nem piedade. Não adiantaram nada os choros das crianças, as lamentações das mulheres, os gemidos dos feridos... Tudo em vão. A fúria era canibalesca. Era execrável. Coisa nunca vista. Os poucos que puderam escapar, sabe Deus com quantos sacrifícios, embrenharam-se mato a dentro e foram devorados pelos índios e pelas feras... O episódio do Capão da Traição nunca foi esquecido. Nem será nunca, rolem os anos que rolarem.
O juramento
A história lancinante chegara a São Paulo naquele entardecer. A pequena vila cobrira-se de tristeza e de luto. Nessa noite, ninguém, em Piratininga, dormiu. Nem podia dormir. Uma vigília, e que vigília! Júlio Ribeiro [o romancista de "A Carne"], com sua pena de mestre, já recordou o capítulo memorável, em que a mulher paulista, mais uma vez, teve papel proeminente. O povo estava reunido em praça pública, deliberando que atitude tomar, quando aquele bando de velhas, moças, casadas, solteiras, viúvas, foi-se chegando...
"Eram mulheres paulistas: eram viúvas venerandas, esposas castas e respeitáveis, donzelas pudicas e cingidas pela tríplice coroa da juventude, da virgindade e da formosura, que se reuniam, como se tivesse precedido acordo para um fim meditado. De súbito, emparelhando-se à cabeça de Luís Pedroso, desenhou-se um busto vigorosamente acentuado: um rosto feminino pela beleza e viril pela expressão, um colo alvíssimo emoldurado por longos caracóis de cabelos, uns ombros maravilhosamente esculturais, eis o que se pôde ver à luz dúbia do archote: o talhe esbelto, o vestido roçagante, adivinhavam-se perdidos na incerteza da sombra.
"Paulistas - gritou - todos vós conheceis-me muito bem: sou a esposa de Francisco Bueno. Venho falar-lhes em nome de minhas patrícias... As mulheres paulistas amam muito a seus pais, adoram seus maridos e idolatram seus filhos: mas não podem querê-los desonrados. E eles o estão. Enquanto não tiver sido lavada a afronta que pesa sobre Piratininga, enquanto o sangue paulista bradar por vingança, vos negamos carícias de filhas, nossos afagos de esposas, nossa ternura de mães. É um voto solene que fizemos: eu, para dar exemplo, recolho-me hoje à casa de minha avó: meu marido partirá sem que o estreite a meu seio, meu filho seguirá sem que eu o beije nos lábios. Ou vê-los-ei voltar vitoriosos do inimigo, ou nunca mais meus olhos se apascentarão em seus rostos amados: vencidos, não os reconhecerei por pedaços de minha alma. E este é nosso pensar: é isto que temos pactuado. Vergonha eterna à mulher que quebrar este convênio.
"Vergonha eterna à mulher paulista que quebrar este convênio - repetiram em coro, velhas, moças, donas e donzelas.
"Amanhã partiremos! - disse Luís Pedroso, apague-se da face da terra o nome dos emboabas, como se extingue a luz deste facho.
"E, virando o archote, calcou-o aos pés. As fogueiras consumidas já não davam luz. Tudo ficou trevas."
Como tudo terminou
A expedição dos paulistas não partiu no dia seguinte, como tinham jurado, no entusiasmo da noite anterior. Nem era possível. Necessitavam aprestar-se devidamente, armar-se, municiar-se, para enfrentar a luta que lhes parecia das mais sérias. A partida em busca do rio das Mortes, como ficou conhecida, então, aquela região mineira, só se deu meses depois: depois de 24 de agosto de 1709. Escolheram um chefe. E o chefe só poderia ser um que reunisse qualidades de destemor, e que merecesse a confiança de todos. A escolha recaiu em Amador Bueno da Veiga, neto do célebre Amador Bueno da Ribeira, que renunciara a coroa de rei, fazia tempos... Só a sua parentela poderia contribuir com metade do exército em formação: "em escravaria, armas, munição, equipamentos, víveres e transportes." Quem muito contribuiu, também, para a organização dessa expedição guerreira, foi o riquíssimo padre dr. Guilherme Pompeu do Amaral. Morava em Araçariguama, nadando em dinheiro. Cedamos ainda uma vez a palavra a Júlio Ribeiro, para que ele nos narre como se deu a partida da tropa armada com o fito de lavar a honra de São Paulo ultrajado.
"A população de Piratininga, aglomerada no Pátio do Colégio, cedia à tristeza de uma despedida e soluçava. Soluçava, porque partia a expedição contra os emboabas As matronas, que na véspera incitavam, fustigavam, esporeavam o ânimo dos varões, tinham, nessa hora, medo de sua obra... Se não partissem, desprezar-los-iam; partiam, elas choravam. Contradição sublime do espírito humano, que assim obra por uma lei da natureza. Os paulistas tinham acabado de ouvir a missa cantada, com que nessa época de crenças e devoção precediam-se a todos os atos públicos de alcance momentoso. Formados em pelotões no vasto pátio que até hoje alarga-se em frente ao Colégio, esperavam a voz de marcha.
"O sol, na meridiana, dardejava torrentes de luz, fazendo reverberar os canos polidos das longas carabinas, as pontas acesas das azagais esguias, as lâminas espelhantes dos sabres desnudos. O variegado dos trajes em que se alternavam lençarias de preço com tecidos grosseiros; os talabartes de couro cru, a par de talins de anta lavrada; os ornatos de cobre prateado, a emparelharem-se com apeiros de ouro fino; os ginetes de pura raça, enxalreados de veludo, nitrindo ao lado de desgraciosos, mas robustos garanhões de traquejo; tudo indicava que a expedição se compunha de gente de todas as classes e haveres, selvagem e orgulhosa como o leão do deserto, nivelada por uma mesma idéia, movida por um sentimento comum, atirada ao sertão por idêntico impulso - a vingança.
"Amador Bueno, vestido de velbutina azul agaloada de ouro, refreava o ardor de um magnífico cavalo alazão, e brandia com ar senhoril a espada de comando. Logo atrás viam-se Luís Pedroso, montando fogoso corcel, e mais ainda Francisco Bueno e seu filho Vicentinho, uma criança ainda, e Rui Gonçalo, com seu sombreiro de couro e botas gigantescas, os bigodes arrepiados... E o resto. - São Paulo, avante, marchemos" - gritou Amador Bueno, esporeando seu cavalo. E a tropa começou a mover-se. "Em marcha regular, compassada e medida, desfilou o exército pela rua que ia dar ao convento dos Carmelitas, atravessou a ponte do Tamanduateí, desceu a escada íngreme do morro, alongou-se pela várzea coleando nas voltas caprichosas da estrada como uma serpente descomunal.
"Sumiu-se. Uma nuvem de pó que, avermelhada pelo sol, afigurava-se um vapor sangrento, marcava nos ares as paragens que iam calcando os valentes filhos de Piratininga. Essa nuvem e tropear surdo, que, de momento a momento, mais indistinto se tornava, eram as últimas consolações, ou antes, as derradeiras amarguras, para os que ficavam carregados de mágoa, imersos em tristeza, roídos de saudade... Foram-se atenuando, esvaecendo, sumindo... Sumiram, também. Abatidos e cabisbaixos, os poucos moços válidos que restavam, os velhos, mulheres e meninos procuraram em silêncio as suas moradas... Os sinos se tinham calado: Piratininga deserta parecia uma povoação assolada pela peste..." Dali, a expedição, depois de atravessar os ribeiros Passa-Vinte e Passa-Trinta [região de Andrelândia-MG], foi bater em Pouso Alto, num dos maravilhosos contrafortes da Serra da Mantiqueira. E bivaqueou.
Uma manhã, recebeu Amador Bueno insolente bilhete de desafio de Ambrósio Caldeira Brant [administrador da Colônia e, mais tarde, contratador de diamantes], entrincheirado em Ponta do Morro, que, entre outras coisas, lhe mandava dizer que "não tardasse a vir às Minas com sua gente, para ser devidamente castigado". E, depois de quatro semanas, a tropa de Amador Bueno chegava perto do reduto de Caldeira Brant. Mal acampada, e disposta a cercar imediatamente o arraial de Ponta do Morro, eis que o próprio Caldeira Brant, montado no seu cavalo, à frente de um esquadrão, lhes veio propor a paz... Mas que decepção! Aos paulistas, nem era possível acreditar no que lhes estava acontecendo. A capitulação fora desconcertante. Não chegaram a queimar um cartucho sequer. Os sitiados rendiam-se precipitadamente. O "cabo maior e defensor da pátria", Amador Bueno da Veiga, com aquele magote de homens destemidos, regressava logo depois a São Paulo, recebido com entusiasmo por aquelas mesmas matronas, viúvas, esposas, donzelas, que os haviam intimado a ir lavar a honra de Piratininga, maculada no malfadado Capão da Traição.

GUIA DA UNESCO - Una guía para la administración de sitios e itinerarios de memoria.

Ficha 22: Ruta de la libertad (A Rota da Liberdade), São Paulo, Brasil (A Rota da Liberdade), São Paulo, Brasil ■ ANTECEDENTES ■ ANTECED...