domingo, 7 de agosto de 2016

Desclassificados do ouro: a pobreza mineira no século XVIII. Rio de Janeiro: SOUZA, Laura de Mello

“Desclassificados do ouro” é a primeira obra de Laura de Mello, tratando-se de sua dissertação de mestrado, em História Social pela Universidade de São Paulo. Posteriormente publicou obras de destaque na sua carreira como: O diabo e a Terra de Santa Cruz (1986), Inferno atlântico (1993), Discurso histórico e político sobre a sublevação que nas Minas houve  no ano de 1720 (1994), Opulência e miséria das Minas Gerais (1997), Norma e conflito: aspectos da história de Minas no século XVIII (1999), O Sol e a Sombra (2006) além de participações como organizadora de outras obras. Atualmente é professora da Universidade de São Paulo, atuando na área de História Moderna e Contemporânea. Como que a exploração do ouro que, por princípios lógicos, geraria muitas riquezas, gerou uma enorme camada de miseráveis? Como essa pobreza foi maquiada pelas festas barrocas que exaltavam a riqueza das minas? Quais foram os instrumentos do poder da coroa utilizados para manter a ordem dessa região? Como essa enorme camada de vadios vivia? Qual a sua relação com a sociedade? Qual sua utilidade? Qual a preocupação dos órgãos administrativos com tal camada? Essas são algumas questões apresentadas no livro. A autora busca em fontes documentais indícios que lhe dêem suporte para desenvolver tais questões. Laura faz uma análise sobre a produção historiográfica anterior a ela que trate dos desclassificados e constata que tal objeto de estudo não é muito explorado, excetuando-se Maria Sylvia de Carvalho na obra “Homens livres na ordem escravocrata”. Uma das causas seria escassa documentação direta referente a esse grupo. Laura de Mello utiliza uma diversificada documentação, a maioria indireta, mas que representa o modo de vida desses personagens, como por exemplo: documentos oficiais, arquivos eclesiásticos, memórias publicadas nos anos 80 do século XVIII e início do XIX e estatísticas de viajantes. Produzindo algo pouco trabalhado pelos historiadores brasileiro, Laura, no início dos anos 80, produz uma obra inovadora na historiografia brasileira. A obra Desclassificados do ouro está dividida em quatro capítulos, O falso fausto, Da utilidade dos vadios, Nas redes do poder, Protagonistas da Miséria. Cada capítulo mostra a papel desempenhado pelos vadios na sociedade, na economia, na administração colonial, mostrando sempre a utilidade e o ônus que aqueles tinham em relação à Coroa. No primeiro capítulo, a autora expõe os diversos pensamentos que explicavam na época os motivos para a decadência, como por exemplo, a Coroa que acreditava que a causa da decadência estava ligada ao extravio e ao contrabando. Outra explicação vinha da Academia de Ciências de Lisboa que atribuía a decadência à inadequação dos métodos utilizados na extração do metal. Já o Reformismo Ilustrado do final do século XVIII em Portugal explicava a decadência do ouro, devido ao seu caráter unicamente extrativo. *Nas minas a produção era fraca, quem ali trabalhava buscava o lucro imediato e não havia preocupação com em produzir gêneros básicos, esses eram na sua maioria importados. O Reformismo Ilustrado considerava a mineração um mal e a agricultura a verdadeira riqueza. A crise da sociedade mineira é identificada pela autora com o seu início no ano de 1748, na comemoração do Áureo Trono Episcopal, que foi a criação do bispado de Mariana, onde o Bispo evita as notícias de sua chegada para que a população não gastasse o ouro, que já estava em decadência. As festas na Região da Minas foram a exaltação máxima sociedade mineira, momento em que todos pareciam compartilhar da riqueza que era a mineração. As datas de 1735 e 1748 marcam o apogeu dessa sociedade e são justamente datas das festas que delimitam, segundo Laura de Mello e Souza, o auge e o início da decadência dessa sociedade. Em 1735 a o Triunfo Eucarístico marca toda a opulência dessa sociedade. Foi uma festa barroca e como tal agradou os sentidos do povo. Ela criara a falsa impressão de que a riqueza é algo desfrutado por todos. Laura utiliza o conceito de Roberto da Matta em que as funções dessas comemorações seriam de: reforço e inversão de uma riqueza e neutralização dos conflitos e diferença, criando a ilusão de que a sociedade mineira era rica e igualitária2 . Ou seja, todo o fausto e ostentação eram falsos. A autora chama a atenção para o fato de que a pobreza não surge nas minas apenas no período de decadência. A migração rápida e desestruturada nessa região elevou o preço dos alimentos e fez muitos homens pobres morrerem de fome. Os impostos sobre os escravos e sobre as importações comprometiam quase toda a produção das minas, assim poucos conseguiam fazer fortuna. A tributação sobre os escravos fazia com que muitos senhores alforriassem os seus, visando manter suas riquezas. Com esse argumento, Laura entra em confrontação com a tese segundo a qual as alforrias se davam como recompensa ao escravo que encontrasse uma grande quantidade de ouro ou pelo ouro que os escravos contrabandeavam3 . No capítulo dois, Laura inicia descrevendo o processo de desclassificação social no Ocidente e na colônia portuguesa na América. Ela traça a diferença desses dois processos. No primeiro caso, eles se formam da desestruturação do trabalho coletivo do servo. Na colônia, o escravismo e a superexploração são os seus causadores. A autora analisa, que a desclassificação social que ocorre em estruturas sociais diferentes, possui resultado diferente. Na Europa, havia leis para combater essa camada devido o ônus que ela causava aos governos. Na colônia, não excluídos do ônus, eles tinham utilidades. Laura mostra os argumentos de Teixeira Coelho4 para provar que nas minas os desclassificados eram uma mão-de-obra alternativa à escrava, eles exerciam as funções que os escravos não podiam exercer. A partir das definições de vadio, encontradas nos documentos de Antonil e Martinho de Mendonça5 , Laura passa a entender por *vadio todo homem desprovido de dinheiro, *trabalhador esporádico, *mas vadio é também criminoso, ladrão, sublevado. As utilidades dos referidos por Laura podem ser traduzidas na participação nas bandeira que entravam pelo mato, os escravos não eram úteis nessa atividade, pois quando os levavam para o lá eles podiam fugir. Trabalhavam na manutenção e construção dos presídios, as vantagens para utilizarem essa camada nos presídios eram que separava a parte corrompida da sociedade da parte sã, ai já se nota que os desclassificados não faziam parte dessa sociedade sã. Eram forçados a trabalhar em obras públicas e a fazer parte da polícia privada, foram úteis para a expansão das fronteiras, pois por vontade própria se localizavam nas fronteiras geográficas, lá eles eram menos reprimidos pelos poderes administrativos da colônia e também tiveram utilidade em tropas para combater os quilombos. A administração da colônia e o poder da Coroa é o tema abordado no terceiro capítulo da obra. Laura trata de como era o poder da coroa portuguesa sobre a Região das Minas fazendo uso de dois historiadores que possuem visões opostas em relação à forma como esse poder era exercido, Raymundo Faoro e Caio Prado. O primeiro dá destaque para a precoce centralização do poder português, que teria sido transplantado para a colônia com a criação do governo geral. Para ele o sistema administrativo da colônia é coeso e racional, a colonização só foi possível por tantos séculos porque houve a presença do Estado e suas leis. Da sua opinião se conclui que o Estado e as leis determinaram a colônia. Caio Prado, em oposição, define o sistema administrativo como confuso e irracional. Para ele o estado centralizado gera uma máquina burocrática ineficiente. Ele não se propõe a analisar o Estado, mas sim os resultados provenientes de um sistema colonial inadequado. Com ele é a população colonial que via determinar as leis. O sistema centralizado só foi transplantado para a colônia devido à incapacidade da metrópole de criar algo novo. Laura de Mello faz a escolha entre as duas idéias antagônicas e se apóia na idéia de Faoro para analisar o caso mineiro, pois para ela, nas minas as leis antecederam a fixação da população, como foi o caso do Regimento das Datas de 1702, lei regulamentadora que surgia ainda sem certezas da existência de ouro. Entretanto, as minas tinham uma característica particular que exigia da Coroa uma exploração sistemática e um sistema fiscal eficiente, ou seja, a realidade determinando a ação do poderio régio Coroa. O ponto forte deste capítulo é a forma como a autora expõe as contradições que existem entre o poder da Coroa e a forma como esse se relaciona com a colônia. Laura diz que a Coroa adota a política do bater e soprar tentando moderar a força com a qual exerce seu poder. Assim, as duas idéias contraditórias de Raymundo Faoro e Caio Prado são cabíveis para se compreender esse poder quando vistas em conjunto, isso deve ao fato de que nas minas ao mesmo tempo em que a Coroa é opressora ela também deixa os colonos com certa autonomia. Uma das contradições apresentadas por Laura no funcionamento do Estado era a firmeza na cobrança de impostos e a liberdade que alguns funcionários possuíam para agir em proveito próprio. Utilizando uma metáfora do padre Antônio Vieira, ela conclui que a sombra curta e a espraiada são duas realidades que se encontram nas minas. Para se fazer cumprir a lei era feito o uso da violência. As figuras que representavam essa justiça eram os ouvidores e o capitão-mor. Os instrumentos violentos utilizados pela justiça eram: prisões, castigos exemplares e a aplicação da pena de morte. Para Laura, essa justiça era a consolidação do poder de uma camada social, já que elas atingiam principalmente os pobres e desclassificados. Ela destaca, reforçando tal argumento, que a pena de morte era aplicada comumente a essa camada. Para mostrar que essa justiça também punia os vadios, ela utiliza o exemplo do Conde das Galvêas que em 1734 aprova a providência que lhe dá poder de ordenar prisão e degredo de negros e mulatos forros, ociosos e vagabundos. O fiscalismo foi outra forma de expressão do poder da Coroa na Região das Minas. Seus instrumentos fiscais eram: tributos, Intendência das Minas e Casa de Fundição. Assim como a justiça, o fisco foi mais pesado e prejudicial para a camada dos desclassificados. No capítulo quatro, Laura apresenta o objeto de sua obra com mais detalhes do que fizera até então: “Os protagonistas da miséria” são o foco da autora e ela começa analisando o estilo de vida de tais personagens. Baseando-se em documentos como os relatos de viajantes e as devassas, a autora apresenta a miséria predominante, pois para os desclassificados tudo era precário: as casas, as vestimentas e a alimentação. Laura de Mello faz uma investigação minuciosa da vida desse grupo, tratando das diversas ações que os envolvia no seu cotidiano, apesar da carência de materiais que digam diretamente de suas vidas. O grande artifício da autora é usar dos registros de conflitos e queixas feitas às autoridades, aproveitando o fato de homens livres pobres e forros eram privados de sua liberdade e sofriam abusos dentro daquela sociedade escravista. Utilizando as devassas eclesiásticas, a autora identifica ações que exibem os desclassificados como personagens promíscuos, por registrarem práticas como de concubinato e incesto. Entretanto, Laura faz uma crítica de tal interpretação, pois nem em todos os casos as acusações dos eclesiásticos podem ser consideradas como verdadeiras, existindo inocentes que são acusados. Mostrando o cuidado que ela tem em interpretar os documentos e não apenas relatá-los. Há nos documentos da justiça e da câmara da Região da Minas, casos que envolvem os desclassificados em roubos, assassinatos, feitiçaria, prostituição e tudo mais que poderia gerar conflito entre esse grupo e os demais ou mesmo conflitos no interior do grupo, que seriam os precursores da desordem. Laura de Mello faz duas reflexões de grande importância para o historiador a respeito dos documentos com os quais trabalha, e, nesse caso, também para o leitor entender a proposta do livro. A primeira é que a documentação informa sobre a natureza do conflito que envolve os desclassificados, porém não diz nada em relação aos motivos. A segunda é que ela desperta o leitor para o fato de que tais fontes são ricas em informações como a raça, idade, aparência física dos membros dessa camada, que facilita o historiador ao traçar o perfil desses homens. Essa segunda informação pode ter permitido a autora narrar de forma tão rica e em detalhes as ações desses protagonistas. Ela dá aos leitores informações sobre os desclassificados como nome, sobrenome, estado civil, sexo, idade e porte físico. Esses detalhes na narrativa da história ajudam a dar vida aos personagens e deixam claro que os desclassificados faziam parte de uma camada social, que não era homogênea: cada indivíduo tinha ações distintas perante o mundo e as experiências vividas eram próprias e singulares. A autora conclui o livro dando destaque à constante oposição entre o ônus e a utilidade dos desclassificados, definindo-lhes uma permanente metamorfose entre essa duas posições. O ônus do homem livre servia pra reforçar os argumentos dos senhores que defendiam a escravidão. Para esse grupo, os desclassificados eram inúteis e vadios, ou seja, não se inseriam no sistema escravocrata. A utilidade vem nos casos em que a mão-de-obra escrava não é a mais apropriada, deste modo passam a fazer parte de um exército de reserva de mão-de-obra, mas são excluídos do sistema social, sendo considerados inexistentes. Os escravos não eram classificados como cidadãos, portanto, nessa sociedade colonial não há povo, somente senhores. Assim, a obra de Laura de Mello e Souza rompe com o esquecimento de séculos a que foram relegados os desclassificados: ela proporciona ao leitor uma nova dimensão de uma parte da história do período colonial que dá conta das relações sociais entre as diversas classes que existiam.  Fonte: Rômulo Rafael Ribeiro Paura http://migre.me/uAC1x

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