No final de dezembro de 1816, o mercador inglês e naturalista amador John Loccok deixou a cidade do Rio de Janeiro para uma "excursão de barco para a parte superior da baía [da Guanabara] ", cujas águas ficam defronte à cidade, e para "os rios que deságuam nele". Após vários dias de viagem, numa lancha capitaneada por um marinheiro português e tripulados por "quatro negros corpulentos", ele parou em um porto, em uma das muitas pequenas ilhas da baía. Ao longo do trajeto, seu interesse em geologia tornara-o especialmente sensível ao espetacular encontro da montanha e água que caracteriza os arredores do Rio. Seu relato da experiência tem descrições abundantes de cachoeiras altas, rios largos e profundos e extraordinárias formações rochosas, que pareciam tornar-se mais fantásticas conforme a lancha se aproximava da ilha.
Uma vez em terra no pequeno porto, Luccok testemunhou - na verdade precipitou - uma pequena insurreição. A tripulação do barco de repente recusou-se a trabalhar por razões que o mercador-naturalista simpesmente não conseguia compreender. "No cais, cerca de dois meses atrás" - ele escreve - "eu tinha visto um tucuxi morto, já em estado muito repulsivo. Com o esqueleto agora seco e limpo, peguei o crânio e joguei-o dentro do barco pretendendo examiná-lo em meu tempo livre" Logo depois disso, quando os membros da excursão estavam prestes a embarcar novamente na lancha, "pareceu que o crânio era um objeto de superstição temido pelos negros, que pensaram ser de um humano e imaginaram que pertencera a uma pessoa de sua própria cor: - a semelhança certamente dava alguma base para suspeita". Luccock, então, usou sua razão tentando argumentar com os homens, diretamente ou por intermédio do capitão, mas sem sucesso:(pág 193/194)
Foi em vão apresentar-lhes o fato; eles persistiram em seus pedidos para que o crânio fosse jogado fora do barco. Em vez de concordar com seus desejos, o capitão o jogou no colo de um deles, o que ao mesmo tempo o alarmou e desqualificou para o trabalho e ofendeu o restante do pessoal, redobrando os clamores initelig´veis feitos em sua língua nativa.
O naturalista e seus companheiros enfrentavam um dilema:
Tínhamos agora apenas uma [sic] alternativa, ou forçá-los a continuar, usando de severidade, ou desistir do crânio ofensivo! Decidimos por está última, e os homens pareciam estar tão gratos por terem obtido os ritos de sepultamento para um irmão que se comportaram admiravelmente durante o restante do dia.
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O episódio do cránio do tucuxi contado por Luccock fornence um exemplo, em primeira mão de como os basundis, bampangus e pessoas de outras origens podiam descobrir a "Africa" no Brasil e usar descoberta como base de ação. Pesquisa etnográfica feita com os povos umbundo e bacongo, no final do século XIX e começo de XX, fornecem a chave para entender as suposições comuns específicas que permitiram aos membro da tripulação na expedição de Luccock agir "espontaneamente" em conjunto. Por sua vez, registros históricos do Congo, do início do século XIX de antes confirmam que o complexo das crenças identificadas na etnografias posteriores já estava bem estabelecido na época da viagem de Luccock. Finalmente, materiais menos detalhados sobre outros grupos centro-africanos indicam que os paradgmas cognitivos por trás dessas suposições estavam bem disseminadas.
Aqui, vou introduzir uma história - "O Quianda e as mulheres jovens" - registrada pelo missionário Hélio Chatelain, em Luanda, e publicada em seu Folk-Tales of Angola (Contos do folclore de Angola) em 1894: Na introdução e nas notas de seu livro, Chatelain descreve rapidamente alguns dos "espiritos" ou "demônios", representando "alguma força da natureza", que o povo de Luanda (um grupo umbundo) tinha em alta consideração. Entre estes estava o "Quitura ou Quianda, que reina sobre as águas e gosta de grandes árvores e cumes de colinas"(pag 200/201)
"Quianda, um
dos mais populares espíritos de Luanda, [...] é o gênio das águas, e
controla o conjunto da vida aquática da qual a população nativa de
Luanda dependia principalmente para sua subsistência. Por isso sua
popularidade. As pedras em comporta além do Forte São Michel, em Luanda,
são consagrada, a Quianda e servem como altares, nos quais os nativos ainda depositam oferendas de alimentos".
Tais oferendas eram necessárias, pois Quianda, assim como outro "demônios" que Chatelain menciona, "de acordo com suas paixões caprichoso, lida com os homens de maneira amigável ou não. "Por isso, sua "amizade [....] deve ser assegurada e mantida."
Fonte: Diáspora negra no Brasil/Linda M. Heywood (organizadora); [tradução Ingrid de Castro Vampean Fregonez, Thais Cristina Casson, Vera Lúcia Benedito ].-1ed., 2ª reimpressão.- São Paulo: Contexto, 2010.
"As implicações do trabalho de Miller, no contexto de outros estudos recentes sobre aprisionamentos na África, são duas. Primeiro, parece provável que a proporção de africanos no Sudeste do Brasil que se socializaram entre os culturamente relacionados bacongos, umbundos e ovimbundos era consideravelmente maior do que se suspeita" (pág 198).
Nesta mesma direção, restou esclarecido, quando do Inventário que resultou na declaração do Jongo como patrimonio cultural brasileiro que, a dança rural, tem origem em tradições de negros Bantos, exatamente originários desta mesma África-Central, fazendo-se presente em Piquete.
Entretanto, seria está a única evidência de negros centro-africano em nossa comunidade? Duas evidências nos conduz para afirmação no sentido contrario;
a) Assim como no Forte São Michel, em Luanda, temos a devoção a São Miguel, em Piquete que não parece estar desvinculada do ainda grande necessidade de busca da proteção contra as siladas do demônio.
b) Outra evidência é o respeito ou medo da comunidade, relativamente a mata do corpo seco. Estariam esses espaços originariamente relacionados as tradições culturais centro-africana que se protraiu no tempo? Teria a tradição resultado da condenação de alguém que tenha contrariado o espirito das matas, e deste feitra, perdido a amizade, transformando se em corpo seco. Igualmente como em Luanda, existiria outra invocação mais indicada na defesa dos "espiritos" e "demônios" que não fosse a de São Miguel Arcanjo. O mais fantástico ainda é que, não se trata de uma tradição esquecida, mas que continua viva na memória da comunidade do entorno. Estar na Bairro Santa Izabel em busca dessas Histórias é fazer um indescritivel incursão via tunel do tempo. Ademais, Piquete está no mesmo Itinerário Cultural do Caminho Velho, para Minas Gerais, onde se deu o evento do tucuxi, ROTA DA DIÁPORA NEGRA.