sábado, 20 de agosto de 2011

Transcirção: SEMINÁRIO CULTURA E INTOLERÂNCIA SESC Vila Mariana | São Paulo, novembro de 2003 Edna Roland (*)

Na década de 90, a UNESCO lançou um projeto internacional – a Rota do Escravo – com o objetivo de tornar visível o tráfico de escravos, considerando que há um verdadeiro “buraco negro” a este respeito na história da humanidade e que temas candentes da atualidade, tais como o desenvolvimento social, os direitos humanos e o pluralismo cultural estão fortemente conectados a essa experiência histórica. Nas palavras do então Diretor-Geral da UNESCO, Federico Mayor, o significado histórico e moral dessa tentativa de obscurecer este fato histórico pode ser apreendido pela afirmação do Prêmio Nobel Elie Wiesel: o carrasco mata sempre duas vezes – a segunda vez, através do silêncio. [1] 
Segundo Doudou Diéne, idealizador do Projeto Rota do Escravo, o tráfico transatlântico de escravos se reveste de uma tripla singularidade na história da humanidade: *sua duração - aproximadamente quatro séculos; *a especificidade de suas vítimas - a criança, a mulher e o homem negros do continente africano; e *sua legitimação intelectual - a depreciação cultural da África e dos Negros e a conseqüente construção da ideologia do racismo anti-Negro e sua organização jurídica nos "Códigos Negros", vergonhosos textos excluídos da memória jurídica e histórica.[2]
O Projeto Rota do Escravo parte da concepção de que nenhum grande problema atual da África está totalmente desconectado da sangria brutal e da violência sofrida pelo continente com o tráfico transatlântico de escravos: nem o subdesenvolvimento econômico, nem uma certa cultura da violência, tampouco a desarticulação social no continente. 
Por outro lado, conforme reconhecido pela Declaração e Programa de Ação de Durban, as desigualdades atuais sofridas pelos afrodescendentes têm também a sua origem na experiência histórica da escravidão a que seus antepassados foram submetidos e que são recriadas por mecanismos atuais, nos quais as linhas de continuidade das idéias e concepções racistas jogam um papel fundamental. Todavia, conforme afirmado por Doudou Diéne, paradoxalmente, o choque brutal provocado pelo tráfico entre milhões de africanos, ameríndios e europeus, na América e no Caribe, gerou um diálogo intercultural e a aparição de novas e ricas formas de culturas, a despeito do contexto de violência e dor extremos em que ocorreu: o escravizador, unicamente interessado na força de trabalho do escravo e portanto, na sua força física, *foi incapaz de atingir a sua força vital interna – isto é, seus deuses, mitos, valores, que estavam na sua mente e que lhe deram força para sobreviver, resistir e se renovar num ambiente hostil.[1]
Segundo Diéne, esse processo transformou as Américas e o Caribe em um extraordinário teatro da multiculturalização e as suas implicações são de considerável importância para o futuro pois aí, quiçá, se encontrarão as respostas para o antagonismo racial - que sobreviveu ao fim da dimensão estritamente material do tráfico - e o potencial para o diálogo intercultural aberto para o futuro.[2]
A Declaração e Plano de Ação de Durban, que resultaram da III Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata, reconhecem que os povos de origem africana têm sido secularmente vítimas de racismo, discriminação racial e escravidão. Afirma ainda que reconhecimento deve ser dado aos seus direitos que vêm sendo negados historicamente:
1) à cultura e à sua própria identidade; 
2) à participação livre e com iguais condições da vida política, social, econômica e cultural;
3) ao desenvolvimento, no contexto de suas aspirações e costumes; 
4) à manutenção, preservação e promoção de suas próprias formas de organização, do seu modo de vida, da sua cultura, tradições e expressões religiosas; 
5) à manutenção e ao uso de suas próprias línguas; 
6) à proteção de seu conhecimento tradicional e de sua herança artística e cultural; 
7) ao uso, gozo e conservação dos recursos naturais renováveis de seu habitat;
8) à participação ativa no desenho, implementação e desenvolvimento de programas e sistemas educacionais, incluindo aqueles de natureza específica e característica; e, quando procedente, 
9) à sua terra ancestralmente habitada.[1]
Nota: Antes mesmo de se pretender o reconhecimento de qualquer Rota Brasileira como Itinerário Cultural internacional ou patrimônio da humanidade, Piquete como espaço colonial de memória, incluído no projeto do Governo do Estado de São Paulo, "Rota da Liberdade", em conformidade com as recomendações da UNESCO. Possibilita afirmar, no que tange ao projeto Rota do Escravo, que o reconhecimento como itinerário cultural, cujo mapeamento pretende levar ao fomento do turismo de memória, em Rotas e espaços  Africanos da Diáspora, projeta o espaço internacionalmente. Em definitivo é possível considerar, que tornará um itinerário e patrimônio reconhecido mundialmente, por sua vez, protegido, não devendo ser ignorado, sob pena de cometimento de grave violação a Declaração de Durban a qual o projeto foi expressamente incorporado, ou seja, recepcionado, alcançando status equivalente ao de normas constitucionais e infra-constitucionais, voltada para o mesmo fim, a exemplo do Estatuto da Igualdade Racial. Por isso faz-se necessário lembrar as desavisadas lideranças do movimento Negro que, questionar o projeto, enquanto "axioma", por se tratar de uma verdade inquestionável e universalmente reconhecida, representa uma ação temerária, bem como injustificável. Piquete no caminho do ouro, no caminho da história. Rota da Diáspora Africana.
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GUIA DA UNESCO - Una guía para la administración de sitios e itinerarios de memoria.

Ficha 22: Ruta de la libertad (A Rota da Liberdade), São Paulo, Brasil (A Rota da Liberdade), São Paulo, Brasil ■ ANTECEDENTES ■ ANTECED...