Aproximadamente no começo do século 18, existiu
uma perseguição aos judeus na Europa. Muitos se converteram ao
cristianismo, os chamados cristãos novos que, na Península Ibérica,
recebem o nome de marranos. Com a dispersão desses judeus pelo mundo,
uma das famílias - Escobar - veio parar no Brasil, no Espírito Santo.
Mais tarde, alguns membros seguiram para São Sebastião, no litoral norte
de São Paulo. Eis que Francisco de Souza Escobar Ortiz pediu ao rei de
Portugal autorização para construir nas paragens de uma localidade
chamada Figueira, um engenho para beneficiar a cana. Ele teve também
permissão para a remoção da mata. A partir daí começa a história do
sítio São Francisco, aqui rememorada pelo arqueólogo Wagner Gomes
Bornal, graduado em História pela Fundação Vale Paraibano e mestre em
Arqueologia pela Universidade de São Paulo (USP). Seu mais polêmico
trabalho trouxe à tona detalhes sobre um gigantesco entreposto para
comércio de escravos sob o comando da família Escobar, colocando
cristãos novos e a maçonaria como os maiores comerciantes de escravos no
Brasil
Como podemos afirmar que a família Escobar era formada por cristãos novos?
Eles eram marranos convertidos e não podiam reafirmar a sua religiosidade de origem, então usaram alguns símbolos ligados ao judaísmo. Da mesma forma, alguns membros dessa família estavam ligados à maçonaria. Nós vamos ter o judaísmo e a maçonaria com suas simbologias impregnadas nos elementos decorativos das paredes do complexo construtivo São Francisco. Em relação à presença africana, existem muitos vestígios no sítio?
Sim. Os africanos deixaram suas marcas mesmo no ambiente hostil da escravidão, com todas as carificações corporais ligadas às suas divindades, seus rituais. Ao chegarem aqui, eram obrigados a esconderem com uma túnica branca essa simbologia que traziam no corpo. Só que eram os africanos que faziam os utensílios cerâmicos e, no meio, eles colocavam suas carificações corporais. Estes utensílios recebiam o alimento que ia para a mesa do branco. Com este ato, acontecia quase que uma oferenda e afirmação da identidade do negro. Debaixo do nariz do sujeito que se achava dominante, eles conseguiam mostrar que, na verdade, o branco era o dominado, porque a identidade africana se perpetuava na mesa. E como isso tudo começou?
Alguns documentos da tradição oral falam do sistema de tráfico negreiro na região do litoral norte e, segundo relatos, as embarcações vinham da África e paravam atrás da Ilhabela, na região de Castelhanos. Ali já existiam pessoas ligadas a esse comércio clandestino, o sujeito que recebia os africanos e os deixava lá por um tempo para a recuperação da viagem, que era um martírio. Ficavam alguns dias em Castelhanos e depois iam para a região das Feiticeiras, onde já existia outro comerciante encarregado de pegar os africanos, agora já escravos. Atravessavam o canal de São Sebastião em direção ao sítio arqueológico. Nessa fazenda os escravos recebiam um aprendizado que os tornaria muito mais valiosos e disputados que um escravo comum. Aprendiam toda a técnica de plantio, um pouco do idioma português e também a doutrina cristã, o catolicismo. Isso acabava agregando valor econômico àquelas pessoas que eram vendidas. Um ótimo negócio para os gerentes do tráfico. Ou seja, havia um valor agregado ao escravo da São Francisco?
Exatamente. Ele era comercializado porque já sabia falar o português, conhecia o plantio do café, a extração do ouro e também já era católico e cristão. Tudo uma falcatrua, um subterfúgio para falar que o escravo tinha mais conhecimento e, portanto, o preço dele era maior. Quase tudo que se escreveu sobre os maçons no Brasil, os coloca como abolicionistas natos. Esse trabalho vem na linha contrária. Qual foi a base que o senhor usou para afirmar isso?
Com base nos estudos que estamos realizando, temos uma série de simbolismos e num elemento eu tenho o símbolo da maçonaria presente. Este símbolo da maçonaria é o mesmo que ocorre no cetro de São Sebastião, nos casarios de Parati e nas paredes do sítio São Francisco. A gente pode falar que existem elementos que indicam a presença da maçonaria neste complexo construtivo ligado à atividade escravocrata. Esse complexo foi importantíssimo para o tráfico, não só para São Paulo, mas para Minas Gerais. O sítio era estratégico?
Sem dúvida, para você ter uma ideia, o complexo construtivo se distribui numa área de 1 milhão e 200 mil metros quadrados. Quando você está lá embaixo, no barco, não consegue ver nada, só mato, não vê nenhum pontinho de construção. Quando você está lá em cima, porém, tem a visão de todo o canal, de toda a Ilhabela e de todos os acessos, uma rede de estradas originais em zigue-zague de forma que só um grupo desce e outro só sobe, para que os escravos nunca se encontrassem na trilha. Há áreas de fortificações de guarita no meio da mata e em construção no meio da estrada. Quem estivesse subindo ou descendo iria passar pela área com pessoas armadas e fazendo a vigilância.
Eles eram marranos convertidos e não podiam reafirmar a sua religiosidade de origem, então usaram alguns símbolos ligados ao judaísmo. Da mesma forma, alguns membros dessa família estavam ligados à maçonaria. Nós vamos ter o judaísmo e a maçonaria com suas simbologias impregnadas nos elementos decorativos das paredes do complexo construtivo São Francisco. Em relação à presença africana, existem muitos vestígios no sítio?
Sim. Os africanos deixaram suas marcas mesmo no ambiente hostil da escravidão, com todas as carificações corporais ligadas às suas divindades, seus rituais. Ao chegarem aqui, eram obrigados a esconderem com uma túnica branca essa simbologia que traziam no corpo. Só que eram os africanos que faziam os utensílios cerâmicos e, no meio, eles colocavam suas carificações corporais. Estes utensílios recebiam o alimento que ia para a mesa do branco. Com este ato, acontecia quase que uma oferenda e afirmação da identidade do negro. Debaixo do nariz do sujeito que se achava dominante, eles conseguiam mostrar que, na verdade, o branco era o dominado, porque a identidade africana se perpetuava na mesa. E como isso tudo começou?
Alguns documentos da tradição oral falam do sistema de tráfico negreiro na região do litoral norte e, segundo relatos, as embarcações vinham da África e paravam atrás da Ilhabela, na região de Castelhanos. Ali já existiam pessoas ligadas a esse comércio clandestino, o sujeito que recebia os africanos e os deixava lá por um tempo para a recuperação da viagem, que era um martírio. Ficavam alguns dias em Castelhanos e depois iam para a região das Feiticeiras, onde já existia outro comerciante encarregado de pegar os africanos, agora já escravos. Atravessavam o canal de São Sebastião em direção ao sítio arqueológico. Nessa fazenda os escravos recebiam um aprendizado que os tornaria muito mais valiosos e disputados que um escravo comum. Aprendiam toda a técnica de plantio, um pouco do idioma português e também a doutrina cristã, o catolicismo. Isso acabava agregando valor econômico àquelas pessoas que eram vendidas. Um ótimo negócio para os gerentes do tráfico. Ou seja, havia um valor agregado ao escravo da São Francisco?
Exatamente. Ele era comercializado porque já sabia falar o português, conhecia o plantio do café, a extração do ouro e também já era católico e cristão. Tudo uma falcatrua, um subterfúgio para falar que o escravo tinha mais conhecimento e, portanto, o preço dele era maior. Quase tudo que se escreveu sobre os maçons no Brasil, os coloca como abolicionistas natos. Esse trabalho vem na linha contrária. Qual foi a base que o senhor usou para afirmar isso?
Com base nos estudos que estamos realizando, temos uma série de simbolismos e num elemento eu tenho o símbolo da maçonaria presente. Este símbolo da maçonaria é o mesmo que ocorre no cetro de São Sebastião, nos casarios de Parati e nas paredes do sítio São Francisco. A gente pode falar que existem elementos que indicam a presença da maçonaria neste complexo construtivo ligado à atividade escravocrata. Esse complexo foi importantíssimo para o tráfico, não só para São Paulo, mas para Minas Gerais. O sítio era estratégico?
Sem dúvida, para você ter uma ideia, o complexo construtivo se distribui numa área de 1 milhão e 200 mil metros quadrados. Quando você está lá embaixo, no barco, não consegue ver nada, só mato, não vê nenhum pontinho de construção. Quando você está lá em cima, porém, tem a visão de todo o canal, de toda a Ilhabela e de todos os acessos, uma rede de estradas originais em zigue-zague de forma que só um grupo desce e outro só sobe, para que os escravos nunca se encontrassem na trilha. Há áreas de fortificações de guarita no meio da mata e em construção no meio da estrada. Quem estivesse subindo ou descendo iria passar pela área com pessoas armadas e fazendo a vigilância.
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Fonte: http://migre.me/6a2fr