Introdução
A carta de Pêro Vaz de Caminha, que dava conta ao rei D. Manuel do achamento de uma nova terra, à qual deram o nome de Vera Cruz, transmite-nos a primeira imagem de um território prodigiosamente belo e com inúmeras promessas de riquezas. A partir daí, surgem ao longo de todo o século XVI numerosos autores a redigirem esplendorosas e minuciosas descrições acerca das extraordinárias novidades com que se depararam nas terras portuguesas do Novo Mundo.
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I. Do Paraíso Terreal ao Paraíso Quinhentista
O novo conhecimento do mundo que resultou das grandes descobertas fez com que se abandonassem as localizações mais fantasistas da Idade Média, que colocavam o Paraíso nas proximidades da lua ou para além do Oceano Circular. Mas a hipótese equatorial, já proposta na Idade Média, nomeadamente por São Tomás de Aquino, ganhou novamente consistência nesta época, tendo surgido entre alguns ilustres do século XVI a tese de que o Paraíso Terreal se localizava no Novo Mundo, e mais precisamente no Brasil, pelas suas imensas grandezas e maravilhas verdadeiramente prodigiosas. Já numa carta apócrifa, supostamente escrita pelo Preste João e que circulou na Europa desde 1165, reluziam miragens de riquezas sem fim e uma fauna e flora extraordinariamente diversificadas.4 Ora, os portugueses que tinham procurado o Império do Preste João já em África, ou seja, abaixo da linha equatorial, como o demonstra a sua localização no mapa de Cantino (1502), vão julgar, ao depararem com o acervo de prodígios e maravilhas que constituíam as realidades do Novo Mundo, que tinham aportado senão no Paraíso, pelo menos muito próximo dele. Os navegantes, evangelizadores, colonos e aventureiros portugueses julgaram ver concretizado no Brasil o mito da Idade de Ouro. Era o regresso à primeira Idade da Humanidade, a um mundo onde não existia propriedade nem autoridade, e onde também se usufruía da abundância. A nudez dos Índios fez com que os navegadores, missionários e colonos portugueses remontassem à Idade do Ouro, ao pretenderem transportar para o futuro a idade edénica. Este era um Mundo do fantástico, onde nem sequer faltavam a Fénix, os Unicórnios e as Amazonas. E as celebradas montanhas resplandecentes, tão amplamente descritas pelos nossos cronistas como realidade do maravilhoso território brasílico que os nautas tinham recentemente descoberto no ocidente do globo terrestre, constituíam igualmente testemunho seguro de que, se não fosse este o verdadeiro Paraíso Terreal, a sua localização não estaria muito longe. Embora situado a ocidente, este local mantinha intactos todos os indícios das descrições medievais do Paraíso. Uma das criações do Ocidente medieval no âmbito do maravilhoso foi precisamente a do país de Cocanha, que surgiu no século XIII. Era um mundo ao contrário. É a ideia do Paraíso Terrestre e da Idade de Ouro, era como que um regresso às origens.5 Eram agora encontradas, nos autores portugueses de Quinhentos, descrições como a famosa Viagem de São Brandão em que o autor nos fala das paisagens viridentes, com bosques frondosos, árvores belíssimas, carregadas de saborosos e odoríferos frutos, prados férteis, eternamente verdes, cortados de copiosas águas, possuindo uma extrema abundância e culminando finalmente com uma belíssima montanha resplandecente e repleta de pedras preciosas. Veja-se como o «Jardim das Delícias é descrito na famosa Viagem de São Brandão: «O donzel vai à frente, em cuja companhia entram no Paraíso. Vêem aquela terra cheia de formosos bosques e rios. Os prados são verdadeiros jardins, floridos com formosura perene – como em moradas santas, as flores exalam doces odores – com árvores esplêndidas, preciosas flores e frutas de deliciosos perfumes. Nem cardos, nem silvas, nem ortigas podem prosperar. Entre árvores e plantas não há nada que não difunda doçura. Árvores e flores crescem e dão os seus frutos todos os dias sem que as estações se atrasem; ali, cada dia, reina um verão suave, cada dia, florescem as árvores e se carregam de fruta, cada dia, os bosques estão cheios de veados, e todos os rios de peixe saboroso. Correm rios de leite, e tudo derrama abundância. [...]. Como se fosse um imenso tesouro, levanta-se uma montanha, toda ela esbanjando ouro e pedras preciosas. Ali o sol brilha com esplendor eterno [...].»6 Estavam reunidas nas terras brasílicas todas as virtudes que completavam o panorama edénico. Condensavam-se no território brasileiro todas as características próprias das visões paradisíacas. O Brasil mantinha todas as misteriosas e inegáveis possibilidades, como se estivesse verdadeiramente restituído à glória dos dias da criação.
Fonte:Maria Lucília Barbosa Seixas http://migre.me/cGckd