segunda-feira, 22 de julho de 2013

Os sertões proibidos da Mantiqueira: desbravamento, ocupação da terra e as observações do governador dom Rodrigo José de Meneses* (Transcrição)

OS SERTÕES PROIBIDOS DA MANTIQUEIRA
Com a intenção de coibir o contrabando do ouro por caminhos "não oficiais" e a existência de lavras imemoriais, o governo metropolitano mandou que se fechassem quaisquer trilhas e logradouros existentes nas imediações das áreas mineratórias, tornando algumas regiões "áreas proibidas" à ocupação. Foi o caso, por exemplo, dos sertões da Mantiqueira/sertões do Leste, na fronteira Sul da capitania de Minas Gerais3.
Nessa área proibiu-se a existência de sítios volantes e do trânsito de homens dispersos, sem ocupação definitiva. A denominação "áreas proibidas" foi criada em 1736 pelo Bando de Aditamento ao Regimento de Minerar, que proibia que se lançassem posses de terras situadas nas extremidades não povoadas da capitania, tentando-se evitar extravios do ouro ao impossibilitar a abertura de novos caminhos e picadas nos matos em áreas onde inexistiam registros e vigilância das patrulhas4.
Enveredar-se em imensas regiões inóspitas ao redor das áreas urbanas da capitania era adentrar nos sertões5. Apesar de ser o local onde a natureza, detentora de um caráter ambíguo, tinha odores que exalavam "um hálito pestilento" e rios que só serviam de "bebedouros a monstros feios e dispersos bandos de bárbara gente que habitam suas sombrias margens," possuía rios dadivosos, de onde se extraiam: ouro, diamantes, esmeraldas, safiras e águas marinhas6.Na literatura setecentista, o sertão é apresentado sob perspectiva romantizada, evocado ora como um paraíso em que tudo era belo, justo, perfeito e estava em harmonia, não obstante habitado por seres que devoravam "animais da mesma espécie" (os indígenas)7; ora como um lugar de passagem, de travessia, definido pelo exercício da liberdade e pela dramaticidade da escolha de cada um que se embrenhava a fim de decifrar aquele ambiente fantástico, povoado por animais e plantas de todos os tipos, tamanhos e nomes.
Na prática, geograficamente, o sertão mineiro era a área recoberta principalmente pela zona curraleira — o "sertão dos currais" —, confinando a capitania de Minas Gerais com a da Bahia, entendida como "um extenso e aberto sertão", onde não existia atividade mineratória e as terras eram planas e vistosas, porém "menos férteis" do que a do restante do "continente de Minas
."8
Em Minas Gerais não havia somente um único sertão, mas vários9. As principais descrições indicam ser a região povoada por inúmeras nações indígenas e com fraca população branca. Na comarca do rio das Mortes, os sertões eram para os moradores das vilas de São José e São João del Rei os cerrados do alto São Francisco e as picadas de Goiás, como então se nomeavam as terras localizadas no caminho que levava para Vila Boa de Goiás. Para os que residiam na Borda do Campo, podiam ser as escarpas da Mantiqueira. A região da atual Zona da Mata era toda conhecida pelo nome de "sertões de leste," e entre 1768 e 1814, os assentos de batismo da atual cidade de rio Pomba, localizada naquela paragem, eram abertos com a seguinte fórmula: Sertão do Rio da Pomba e Peixe dos Índios Cropós e Croatas. Além destes, para os homens de Vila Rica, os seus sertões eram as florestas cortadas pelo rio Doce e, para os moradores de Sabará, o médio São Francisco10.
Para a região da Mantiqueira, a visão de sertão associava-se aos diversos grupos indígenas que lá residiam: os coroados, carapós e puris; todos muito temidos e genericamente denominados botocudos, em virtude de uma espécie de botoque que os nativos daquela região usavam na boca e na orelha. Vencê-los, como às condições ambientais da mata Atlântica e à fauna que por lá vivia, era esforço para poucos. Percorrer os seus caminhos (ou como observavam as autoridades: os seus descaminhos), por tropeiros e vaqueiros que desciam e subiam suas rotas transportando gado e gêneros diversos, ou por "simples" viajantes que se dirigiam para as partes mais remotas da América portuguesa, era esforço sobre-humano. Um dado deve ser somado a essas dificuldades: a ação de salteadores que pelos caminhos andavam roubando e matando os viandantes11.
A região da Mantiqueira era um ponto nevrálgico na capitania, por ser área de fronteira "eriçada de morros elevadas e coberta de vegetação espessa, foi vista desde cedo o início da exploração aurífera como terreno propício ao descaminho e contrabando de ouro e pedras preciosas." Assim, desde o instante em que se abriu o Caminho Novo que ligava o Rio de Janeiro a Minas Gerais, no final do seiscentos, instalaram-se registros na serra por onde devia transitar qualquer comboio que saísse ou qualquer carregamento que entrasse em Minas. Com exceção dos sesmeiros estabelecidos ao longo daquela estrada, necessários ao abastecimento dos viajantes e à alimentação dos animais em trânsito — devido às roças que plantavam e aos pastos que mantinham —, nenhuma outra pessoa podia se fixar na região12.Durante muitos anos, os "matos gerais" da Mantiqueira ficaram esquecidos pelas autoridades metropolitanas. Registra-se que em 1755, quando algumas pessoas teriam aberto picadas que cruzavam aqueles sertões, o governador interino José Antônio Freire de Andrada, 2º conde de Bobadela (1752-1758), publicou o Bando de 20 de setembro daquele ano, confirmando os sertões do "distrito da Mantiqueira" como área proibida.No ano anterior, no mês de outubro, o então capitão Manuel Lopes de Oliveira, morador da fazenda da Borda do Campo, contígua ao sertão da Mantiqueira, representara ao mesmo governador notícias sobre a construção de três picadas feitas por "várias pessoas da freguesia da Borda do Campo", nos "matos gerais do Rio de Janeiro", com o "pretexto de necessária serventia para as suas fazendas". Como a abertura das picadas se avolumava naquelas paragens, o alferes João Carvalho de Vasconcelos, que patrulhava o Caminho Novo, repreendeu Manuel Lopes, que era o responsável por aquela área, para que "sem demora mandasse notificar as pessoas (...) para que não continuassem mais na abertura das ditas picadas"13.
A preocupação com os desvios era tanta que o mesmo alferes também notificou o capitão Sebastião Gonçalves Pinto a fim de que este parasse de incentivar a abertura de rotas alternativas nos sertões da Mantiqueira, da mesma forma que precedera contra Manuel Lopes de Oliveira. Ambos foram advertidos "para que as [picadas] não continuassem até ele governador [2ºconde de Bobadela] tomar sobre elas o conhecimento necessário, [com] pena de serem presos"14.
Essa medida paliativa por parte do alferes não adiantou nada, pois Manuel Lopes de Oliveira empreendeu política de expansão de terras na região, independentemente da proibição daqueles sertões.
A Coroa portuguesa considerava crime de lesa-majestade a abertura de vias de comunicação (que não fossem autorizadas pela metrópole), por recear o extravio dos quintos. Muitas vezes grupos de moradores tentaram abrir estradas à própria custa para facilitar o comércio e evitar a passagem pelos registros da capitania, onde eram feitos o controle de entrada e saída de pessoas e mercadorias e a cobrança dos impostos.

Ações individuais e coletivas permitiram a criação de desvios nos intrincados sertões da Mantiqueira. Incorporá-los aos espaços conhecidos e controlados da capitania correspondia a um processo de maior envergadura, que compreendia a interiorização da colonização, a conquista e a preservação dos territórios portugueses. Nesse contexto, o sertão, entendido como algo movediço e em constante alteração pela amplitude das explorações, se identificava com quatro grandes impulsos: o nordestino, voltado para a exploração do litoral açucareiro e que resultou na luta contra os holandeses; o nortista, voltado para a exploração da Amazônia; o sulista, até o Prata, tendo como pólo o Rio de Janeiro; e o paulista, de orientação centro-sul, devassando o interior da América do Sul — embrenhando-se nas escarpas da Mantiqueira, principalmente15.
O governador dom Rodrigo José de Meneses (1780-1783), recebendo informações sobre a ocupação descontrolada que ocorria naqueles sertões, da diminuição da arrecadação aurífera e dos boatos referentes aos extravios de ouro praticados nas infinitas picadas que cortavam de alto a baixo aquele local, mandou que se averiguasse a real situação daquela área vedada.
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 Parafraseando - Piquete do Sertão dos Índios Bravos; os coroados, carapós e puris. Vencê-los, como às condições ambientais da mata Atlântica e a fauna que por lá vivia, era esforço para poucos

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