Atlânticas da Diáspora Africana (PDF)
Em setembro de 1994, a UNESCO lançou um projeto de pesquisa sobre o
comércio de escravos conhecido no Brasil como ROTA DOS ESCRAVOS que se
desdobrou em um conjunto de iniciativas em todo o mundo, entre elas o
NIGERIAN HINTERLAND PROJECT, por mim dirigido. A região então objeto de
minha investigação abrangia o interior das baías do Benim e Biafra, na
costa ocidental africana, de onde saíram aproximadamente 40% do total
dos escravos enviados para as Américas. O objetivo primordial desse
projeto era reunir um grupo de pesquisadores em história da África e da
diáspora africana de diferentes instituições e países com o objetivo de
mapear a origem desses escravos. Um segundo objetivo era, através dessa
experiência, fortalecer uma rede de colaboração entre pesquisadores e
formar novos estudiosos que dessem continuidade ao trabalho. Um dos mais
significativos resultados desse esforço foi a publicação de um conjunto
de obras individuais e coletivas que começam a trazer a público os
resultados desse trabalho. ROTAS ATLÂNTICAS DA DIÁSPORA AFRICANA é um
exemplo desse trabalho colaborativo e seguindo os objetivos do projeto
explora o impacto histórico da escravidão e da diáspora africana, tendo
como foco a rota entre a Baía do Benim e a cidade do Rio de Janeiro.
Ao contrário de outras iniciativas anteriores em que as conexões
atlânticas são apresentadas por um conjunto diversificado de pontos de
partida e chegada, essa coletânea enfoca uma linha de deslocamento
específica e privilegia a compreensão das formas particulares de
organização dos escravos oriundos da Baía do Benim que integram o grupo
que os portugueses convencionaram chamar de “pretos minas”. Nesse
sentido, a concentração do olhar na cidade do Rio de Janeiro – um dos
mais importantes portos atlânticos, mas minoritário para a entrada de
escravos vindos da Baía do Benim – se mostra como uma estratégia
inovadora para estudar esse grupo em profundidade, assim como perceber a
complexidade das redes comerciais aí envolvidas.
No seu conjunto é um livro extremamente provocador, tanto pela
escolha do universo abordado quanto pelas questões tratadas em cada
texto que vão desde o comércio atlântico até o cotidiano urbano da vida
dos africanos escravos e forros. Outro ponto que merece destaque é
justamente a longevidade dessa rota. Vindo diretamente da África para o
Rio de Janeiro, como chega a acontecer no século XVIII, ou com passagens
intermediárias por outras partes (como Pernambuco e Bahia), rota mais
freqüente e demograficamente mais relevante, a verdade é que o Rio de
Janeiro recebeu escravos oriundos da Baía do Benim desde os primeiros
anos do século XVIII até a extinção do tráfico ilegal, e, como apontado,
mesmo depois, num fluxo ainda não estudado de africanos efetivamente
livres, aí chegados nas últimas décadas do século XIX.
Esse é, portanto, um livro que merece ser lido e assimilado, não
apenas por seus resultados mas como ponto de partida para novas
investigações de modo a, mais uma vez, formar novas gerações de
pesquisadores que levem adiante a imensa tarefa de não deixar cair no
esquecimento os mais de dez milhões de africanos que desembarcaram nos
portos das Américas como escravos.
Paul E. Lovejoy FRSC
Distinguished Research Professor
Canada Research Chair in African Diaspora History