domingo, 23 de fevereiro de 2014

SERTÕES DO LESTE - "Da baia da Guanabara teria saído, em abril de 1531, a primeira expedição a tocar a Mata das Minas Gerais."

INTRODUÇÃO

OS DESBRAVADORES ARROJARAM-SE aos perigos das Áreas Proibidas, a partir dos contrafortes da Mantiqueira. Conheceram a selva inóspita, cravaram os mourões nos vales e encostas. Nada impediu o avanço rio acima: nem a correnteza, nem o sumidouro. A região pouco a pouco é devassada, a conquista se faz pedaço por pedaço.
Que era a Mata de então? Floresta violada apenas pelos rios. Indígena e mistério. Nela cresceriam fogos e fazendas. E na paisagem sem rota foram por fim sepultados os pioneiros. Gigantes fundiam-se à terra, deitando raízes nos rincões e nos currais.
Longe estava a Corte, e o anseio de liberalismo revela-se nas Gerais. Em Santa Luzia, na aldeia banhada pelo rio das Velhas, extinguia-se o sonho dos chimangos. Levas então desceriam. Rumava para o Leste a gente sofrida da derrota política. Carregava, na fuga de represálias, haveres e família.
Por todo o canto brotaram povoados. A casaria, como serpente, acompanhava as águas ao acaso. Na fazenda, próximo à sede, erguera-se a capela. Sem o ouro das Minas, no rústico da selva, é rancho improvisado, ara sem atavio, apenas a mesa com a parafernália jacente. Apagava-se, na arquitetura e nos interiores, o barroco das mãos crispadas e faces contorcidas. Tudo é tosco e modesto.
Transpunha-se a metade do Oitocentos. Grupos começaram a chegar do Paraíba. Filhos e netos de mineiros regressavam à província paterna. Os cafezais haviam exaustado o solo fluminense e, tragando terras, avançavam a dentro.

Do encontro de sedentários e adventícios nasceram as cidades da Mata. Minas de áurea terra, de sentimento de liberdade com litoral, em seus resíduos de sofisticação e decadência. Dois rios: o das Velhas, trazendo a cultura do século XVIII, ideais de Tiradentes e Ottoni; o Paraíba, negro e café. 0 espirito dominador da Zona da Mata, teimosia ou reacionarismo, deflui dessa união de barroco com decadência baronal.
No fim do Oitocentos, a região alcança a maioridade. Trem de ferro diário, trazendo noticias e bens de consumo. 0 café distribuía-se por todos os cantos, espargia-se nos vales, grimpava pelas encostas. As ruas, próximas à estação da Leopoldina Railway, cheias de armazéns, a receber catadeiras em suas máquinas de beneficiamento. 0 dinheiro rolava; fizeram-se fortunas, as cidades cresceram.
Na política, os doutores subiram, hábeis, conciliantes, respondendo com astúcia às manobras do governo. A lavoura remanescia lastro, tradição e status do patriciado.
Na década de vinte há restos comuns em todas as comunidades, traços soltos da época pretérita. 0 Jardim, de árvores fortes, as ruas recém-calçadas, revelando o desassossego das tropas de animais, a cruzar as cidades com sacos de aniagem. Alguma vez, um rebanho, a manada revolta, invadindo o centro com estrépito e tumulto. Cavaleiros pelo dia, apeando do cavalo, de botas e espora, ou matutos tranqüilos trotando sem garbo. Os carros de boi em profusão, descarregando os macaqueiros chegados dos distritos para as compras no varejo.
Havia no tempo sobras de lutas e ressentimentos. Histórias e fatos misturando-se. Crimes e júris. As pretas velhas desfilavam casos com se fossem lendas.
Maio dir-se-ia mês de deslumbramento. As festas religiosas ganhavam um esplendor à altura das tradições. 0 hino à Maria, à sua pureza, ligava-se aos encantos das meninas. Para cada noite, as mãos de uma criança coroavam Nossa Senhora. 0 séquito caminhava em direção à igreja com luzes multicores. 0 altar armava-se num dos nichos, e após a reza, o cântico. Maria, a ser coroada, prendia-se ao centro de um céu de estrelas douradas. Meia lua de prata cortava a abóbada entre as cores vermelhas. Um pouco de barroco das Congonhas, renascido com graça nos Sertões do Leste.
Maio assistia alegremente às tradições. Nas festas religiosas, as barracas armavam-se com jogos de prendas Ao redor do Jardim, em allegro com fuoco, o espetáculo das congadas incorporava à paisagem da fé a presença do negro.
Mas na atmosfera de campanário a luta política endurecia os corações. Ressentimentos e olhares sólidos. O chefe do executivo descia pela rua principal. Vingavam-se, os adversários com sarcasmo, sonhando com revanche 0 foguetório explodia, saudando noticias e atenazando os inimigos. A revolução distante, de tempos a tempos, virando os poderes. Da capital à província a trajetória fazia-se por telegramas cifrados. De um ponto a outro, cercas de arame farpado dividiam as esferas. 0 poder separava. os homens adultos, tornava-os álgidos e duros.
Os rios da Mata atravessam a paisagem e o tempo. Desde as origens, cortam silenciosos as aldeias e cidades. rumo do mar. Seguem para o Doce ou Paraíba. Funclal Garcia pintou-os em épocas distanciadas, límpidos rolando na solidão dos descampados e turvos, mais tarde, quando a erosão lhes tingiu as águas. Temperamento agreste, sensibilidade sertaneja, traçou nas telas as veredas com gente quase afogada pela vegetação. Os ranchos humildes desbotam-se diante da ênfase com que carrega ele as tintas no traço do latifúndio.
Por fim, quase às vésperas do Natal de 1929, ruía a graciosa silhueta do golden age. Fios invisíveis engolindo as distancias estenderam-se implacáveis. As pastagens começaram a invasão.
Teve a Zona da Mata, na hist6ria, curta vida região próspera. A erosão corroeu o solo por século e meio, desnudou as fraldas dos morros, gretou as ribanceiras. A cultura do café exigia o sacrifício. 0 capoeirão foi derrubado no cabeço da serra, onde devia ter permanecido para guardar a umidade e refrescar as terras. As queimadas, entretanto, faziam parte daquela cupidez de sôfregos aventureiros. De pouco valeram as advertências de Ribeirolles, há mais de cem anos, antevendo a decadência da província fluminense, quando ficassem desolados os seus morros. Em meio à invasão dos cazais, abundou no mesmo juízo o sacerdote mineiro Caetano da Fonseca.
Derruídas as capoeiras, cairia a fertilidade dos declives inferiores.. E a pena de Preston James exara a síntese do drama: "0 homem, em sua ação modificadora do meio ambiente, atua às vezes com inteligência, mas, na maioria dos casos, de maneira cega, sem qualquer premeditação, apenas satisfazendo os seus interesses imediatos."
E mal a Igreja se reformou, mal se pôs a lâmpada nas casas e nas ruas, investiu o latifúndio para o norte, deixando a desesperança. Assim findou o ciclo do café com povoados esparsos ao redor de cidades.
A Mata vale, porém, a pena de estudá-la quem a conheceu no afogo do crescimento, na esperança das suas manchas verdes. Hoje, quem a olha, de passagem pela rodovia, repara indiferente nos seus costumes e aspectos. Importa pouco o desmazelo da gente nas estradas, as crianças às portas dos casebres, o solitário caiçara. Cresce o plaino na perspectiva da sobretarde, com o agreste do rio de águas barrentas.
A Mata ora se transforma. A estrada de asfalto, com seus postos de gasolina, motéis e tráfego de caminhões, transfigura a paisagem provinciana. 0 radio-de- pilha modifica a linguagem. A região austera, pura e dominadora, em breve morrera. Entretanto, em sua metamorfose, ela não se extingue sem deixar os traços na fisionomia cultural da província e do Pais.
Este livro procura senti-la, traçar-Ihe o perfil, rabiscar-1he o contorno. Aspectos e raízes locais, lendas e horizontes, motivos e temperamentos da gente, fusão de dois séculos são aqui abordados.
Um mérito, pois, teria o esforço do autor, se despertasse na gente da Mata o interesse por seu passado e sua historia, de forma que não se perdesse irremediavelmente a valiosa cultura dos Sertões do Leste. 

I - 
ÁREAS PROIBIDAS
À PROCURA DO OURO e pedras preciosas, seguiram os bandeirantes, desde os primórdios da hist6ria colonial, rumo ao interior. Da baia da Guanabara teria saído, em abril de 1531, a primeira expedição a tocar a Mata das Minas Gerais. Pandia Calógeras1 tentou reconstituir-1he o roteiro, e Derby admitiu a possibilidade da entrada. Eram quatro portugueses a explorar o sertão da costa do Rio de Janeiro. Conta-nos Pero Lopes de Sousa, em seu Diário, que eles, durante sessenta dias, andaram cento e quinze léguas pela terra, sessenta e cinco delas por montanhas e cinqüenta por um campo muito grande. Basilio de Magalhães duvidava de que apenas quatro homens pudessem aventurar-se a tão profundo embrenhamento. Impossível, porém, nunca seria que, transposta a serra dos órgãos, houvessem os desbravadores vadeado o Paraíba, pisando a terra mineira. 1
De pontos diferentes outros buscaram ainda as cabeceiras do São Francisco, partindo ora do norte, ora do sul.
Estimulados por cartas régias, a prometerem honrarias e prêmios aos descobridores de riquezas, acompanhavam os cursos dos rios maiores e de seus afluentes. Contornaram, nas investidas, os Sertões do Leste, atual Mata Mineira e neles penetraram. Fonte http://migre.me/i1efx

GUIA DA UNESCO - Una guía para la administración de sitios e itinerarios de memoria.

Ficha 22: Ruta de la libertad (A Rota da Liberdade), São Paulo, Brasil (A Rota da Liberdade), São Paulo, Brasil ■ ANTECEDENTES ■ ANTECED...