Pisei na pedra, a pedra balanceou,levanta meu povo, cativeiro se acabou.(Pisei na Pedra - ponto de louvação, Darcy Monteiro)
Criado
nos tempos da escravidão e praticado atualmente nos quintais das
periferias de grandes cidades ou em pequenas cidades e comunidades
rurais do Sudeste do Brasil, o Jongo é uma manifestação que se expressa
por meio de dança de roda ao som de tambores aos quais se integram
elementos de magia. A força e o uso da palavra marcam essa forma de
expressão, que reúne canto, dança coletiva e música, cuja origem remete
ao trabalho escravo nas fazendas de café e cana de açúcar do Sudeste do
país, notadamente no vale do Rio Paraíba do Sul.
Denominado
de jongo, caxambu, tambor ou tambu, é tocado e cantado de diversas
formas, a depender de onde ocorra, apresentando semelhanças e elementos
comuns que fazem com que, mesmo com nomes distintos, seja compreendido
como uma mesma manifestação. É praticado por populações negras,
descendentes de escravos, principalmente os de origem bantu, uma vez que
o respeito e a louvação aos antepassados, a utilização de enigmas
cantados e o uso da umbigada na dança são características dos povos
bantos e estão presentes no Jongo.
Momento
de divertimento e ao mesmo tempo de resistência, as rodas de Jongo que
aconteciam à noite, ao som de dois ou três tambores, chegaram a ser
proibidas no período escravocrata, principalmente porque os senhores
temiam que os negros organizassem motins e/ou fugas.
Os
pontos, como são chamados os versos cantados, possibilitaram a
comunicação entre escravos, pois eram utilizados vocabulário de origem
africana e linguagem cifrada, ou seja, palavras cujos significados eram
distorcidos. Assim, era possível fazer críticas e protestos sem serem
compreendidos.
Nos tempos da escravidão, a poesia metafórica do jongo permitiu que os praticantes se comunicassem por meio de pontos que os capatazes e senhores não conseguiam compreender. Sempre esteve, assim, em uma dimensão marginal, em que os negros falam de si, de sua comunidade, por meio da crônica e da linguagem cifrada. (IPHAN, 2007, p. 14).
A
escravidão, a chegada aos cafezais, a libertação e fatos do cotidiano
são temas recorrentes nas narrativas contidas nos pontos, cuja maior
característica é o improviso carregado de tom crítico e/ou de protesto.
Pode-se dizer que essa forma de expressão, transmitida entre gerações,
guarda e perpetua a memória de escravos e seus descendentes nos estados
do Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo.
Dança-se o Jongo no período junino, nas festas de santos padroeiros, no Dia da Abolição da Escravatura (13 de maio), no Dia da Consciência Negra (20
de novembro) e em aniversários de pessoas importantes para as
comunidades jongueiras. Atualmente, também acontece em eventos
promovidos pelos poderes públicos ou por ONGs. Entretanto, o Jongo é
eminentemente uma festividade comunitária, um encontro de vizinhos e
parentes.
A
roda de Jongo acontece em locais abertos, geralmente terreiros. Embora
tipos e quantidades de instrumentos variem entre localidades, a base
rítmica do Jongo é composta por um par de tambores: um maior, chamado de
tambu ou caxambu, cujo som é grave; e um menor, chamado de
candongueiro, cujo som é agudo. Em alguns lugares complementam o grupo
de instrumentos musicais o chocalho e/ou a puíta, um tambor de fricção
(como uma cuíca) que pode ter entre 25 cm ou 40 cm de diâmetro. Apesar
de a maioria dos tambores serem fabricados artesanalmente — feitos de
tronco escavado coberto com pele de animal —, atualmente pode-se
encontrar nas rodas instrumentos de fabricação industrial.
Assim
como a formação instrumental, os modos de dançar e de cantar apresentam
variações. A roda pode girar ou permanecer parada. Duplas de dançarinos
entram e saem do centro da roda, onde dançam em movimentos de
afastamento e aproximação, quando dão uma umbigada, ou seja, encostam
seus umbigos. No canto, o solista, que pode ser um homem ou uma mulher,
lança o ponto, o qual pode ser repetido integralmente pelo coro, cantado
na mesma melodia apenas com sílabas, sem palavras, ou dividido em
partes, uma cantada pelo solista e outra pelo coro. Ao fim do canto do
solista, os tambores começam a soar e a dança se inicia. Começa então um
diálogo cantado entre solista e coro até que o solista grite machado! ou cachoeira!,
quando tambores e dança param. Em seguida, o mesmo solista tira outro
ponto ou é substituído. O improviso, característica dos pontos, vem se
perdendo ao longo do tempo, de modo que atualmente há um repertório de
pontos mais restrito que é memorizado e compartilhado pelos grupos.
Comumente a roda se inicia com um ponto de reverência ou um pedido de licença, como o cantado em Serrinha, Rio de Janeiro:
Bendito, louvado seja
É o Rosário de Maria,
Bendito para Santo Antônio
Bendito pra São João
Senhora Sant’Ana
Saravá meus irmãos
(IPHAN, 2007, p. 38)
Quem
inicia os pontos “geralmente ocupa uma posição de destaque no grupo,
seja por sua idade e respeitabilidade, seja por sua capacidade de
liderança”. (IPHAN, 2007, p. 52).
Segundo o dossiê Jongo no Sudeste,
elaborado pelo Iphan, as comunidades de jongueiros dividem os pontos em
dois tipos, de acordo com suas funções e efeitos: i) pontos de visaria
ou bizarria que “são cantados para louvar entidades, pedir licença,
contar e comentar fatos do cotidiano, alegrar e animar os dançarinos,
dar a despedida, ao fim da roda“. (IPHAN, 2007, p. 53); e ii) pontos de
gurumenta, demanda ou gromenta que “prestam-se ao desafio e tem poderes
de ‘ encante’”. (IPHAN, 2007, p.54). Estes últimos desafiam
participantes a decifrar enigmas, podem provocar rixas entre
participantes ou podem ter efeitos mágicos. Os enigmas são lançados para
serem decodificados, se não conseguem, o jongo fica “amarrado”. A roda,
que vara a noite, pode ser finalizada com um ponto de encerramento ou
de despedida.
Vou caminhar que o mundo gira
Vou caminhar que o mundo gira
Gira meu povo
(Vou caminhar/Jongo da Serrinha)
No
final do século XX, verificou-se o surgimento de um movimento para
reavivar o Jongo, já que os processos de transformação urbana e
migratório fizeram com que a manifestação acabasse em algumas
comunidades. Além disso, contribuiu também para a diminuição da
incidência do Jongo o fato de que, por muitos anos, práticas e
expressões afro-brasileiras foram tidas como fator de vergonha para a
população que a praticava, no contexto de uma sociedade do entorno que
as desvalorizava, pois vinham de comunidades negras, excluídas e
invisibilizadas ao longo dos séculos.
Estratégias
para a continuidade do Jongo vêm sendo implementadas pelas comunidades
jongueiras, a exemplo do estímulo à participação de crianças, criação de
grupos mirins, e a não proibição da participação de pessoas que não
sejam filhas de jongueiros. Grupos estão promovendo apresentações
artísticas em outros espaços, fora da comunidade, a fim de trazer maior
visibilidade para a manifestação.
Desde
1996 são realizados encontros anuais itinerantes de jongueiros nos
estados do Rio de Janeiro e São Paulo, onde são debatidas dificuldades e
possibilidades para a manifestação com apresentações noturnas em
espaços públicos. Em um desses encontros, no ano 2000, foi criada a Rede
de Memória do Jongo que visa articular as comunidades jongueiras entre
si e com a sociedade mais abrangente.
Fruto
dessa mobilização, em 2005, o Jongo foi reconhecido como patrimônio
cultural brasileiro de natureza imaterial e inscrito no Livro das Formas
de Expressão. Em 2011, foi instituído e inserido no calendário oficial
do estado do Rio de Janeiro, o dia 26 de julho como o Dia Estadual do Jongo, por meio da Lei Estadual n. 6.098, de 5 de dezembro.
Fonte: IPHAN http://migre.me/vowb7