domingo, 23 de outubro de 2016

Os Últimos Carijós: Escravidão Indígena em Minas Gerais: 1711-1725 por Renato Pinto Venâncio Universidade Federal de Ouro Preto (Transcrição)

RESUMO:
O presente artigo analisa a relação entre os senhores e seus respectivos índios em Minas Gerais durante o século XVIII. Baseado nas listas de capitação da cidade de Mariana, o autor calcula a proporção de carijós em relação ao conjunto da população escrava.
Palavras-chave:escravos índios, escravidão, população indígena.
ABSTRACT
The article studies the relation between the senhores and their indians slaves in Minas Gerais during the eighteenth century. Based on capitação registration lists from the city of Mariana, the author calculates the proportion of carijós vis-à-vis total slave population.
Keywords: indians slaves, slavery, indian population.
Nos últimos anos, a historiografia relativa à escravidão indígena revelou uma realidade surpreendente. Contrariando assertivas consagradas, vários estudos mostraram que as populações nativas do Novo Mundo português foram, nos séculos iniciais da colonização, sistematicamente exploradas em fazendas destinadas à agricultura de exportação. Nas áreas economicamente periféricas, o escravismo com base no gentio da terra estendeu raízes profundas, sobrevivendo até a segunda metade do século XVIII. No dia-a-dia das plantações, no cotidiano da vida familiar e até mesmo nos momentos de revolta, os cativos ameríndios compartilhavam seus anseios e expectativas tecendo laços de solidariedade no universo das senzalas.
Em Minas Gerais colonial, a escravidão baseada na exploração do braço nativo foi implantada pelos bandeirantes. Já francamente decadente em São Paulo seiscentista, a instituição sobreviveu até a segunda década de ocupação da região do ouro, para em seguida praticamente desaparecer das vilas, arrais e lavras mineiras.
No presente trabalho, analisaremos a evolução da exploração do trabalho indígena no Termo da Vila Carmo, futura Mariana, durante o período que vai do estabelecimento da Câmara (1711) até a extinção local, ou quase-extinção, da exploração escravista dos grupos ameríndios (1725).
Nos últimos anos, a historiografia relativa à escravidão indígena revelou uma realidade surpreendente. Contrariando assertivas consagradas, vários estudos mostraram que as populações nativas do Novo Mundo português foram, nos séculos iniciais da colonização, sistematicamente exploradas em fazendas destinadas à agricultura de exportação. Nas áreas economicamente periféricas, o escravismo com base no gentio da terra estendeu raízes profundas, sobrevivendo até a segunda metade do século XVIII. No dia-a-dia das plantações, no cotidiano da vida familiar e até mesmo nos momentos de revolta, os cativos ameríndios compartilhavam seus anseios e expectativas tecendo laços de solidariedade no universo das senzalas.
Em Minas Gerais colonial, a escravidão baseada na exploração do braço nativo foi implantada pelos bandeirantes. Já francamente decadente em São Paulo seiscentista, a instituição sobreviveu até a segunda década de ocupação da região do ouro, para em seguida praticamente desaparecer das vilas, arrais e lavras mineiras.
No presente trabalho, analisaremos a evolução da exploração do trabalho indígena no Termo da Vila Carmo, futura Mariana, durante o período que vai do estabelecimento da Câmara (1711) até a extinção local, ou quase-extinção, da exploração escravista dos grupos ameríndios (1725).
Como é sabido, Mariana foi um dos principais centros escravistas das Gerais, reunindo, no ano de 1718, 10.937 escravos, do total de 34.475 cativos mineiros dedicados à faina aurífera. A futura capital da primeira diocese mineira respondia por quase um terço da renda fiscal amealhada nas Gerais. Para se ter idéia da quantidade de ouro produzido na Vila do Carmo, basta mencionar que em 1721 o volume auferido na cobrança do Quinto local alcançou 104,3 kg de ouro, valor extremamente elevado perante os 367,5 kg coletados no conjunto da capitania. Mesmo reconhecendo a fragilidade do registro fiscal, pode-se afirmar que a produção aurífera marianense oscilava, no início da década de 1720, em torno de meia tonelada anual.
A rapidez com que os antigos povoadores, muitos deles egressos de São Paulo, trataram de substituir os índios por escravos africanos, também expressava a pujança do sistema econômico colonial implantado em Mariana. Graças ao ouro, os antigos paulistas puderam adotar o modelo escravista típico das áreas litorâneas, que tinham no braço escravo africano seu principal sustento.
Nas páginas seguintes, analisaremos o ocaso do sistema baseado na exploração do ameríndio. Uma vez dependendo da reprodução biológica para a reposição de gerações, o sistema escravista indígena mineiro entrou em declínio em virtude do desaparecimento das atividades de apresamento do silvícola. A proliferação de doenças, ao longo dos anos, comprometeu ainda mais a sobrevivência do sistema. As altas taxas de mortalidade, aliadas à quase ausência de reprodução biológica acabaram por inviabilizar a perpetuação das formas de exploração do trabalho nativo herdadas dos antigos bandeirantes.
CARIJÓS, CABRAS E NEGROS DA TERRA
Logo após o estabelecimento de instituições metropolitanas em Minas Gerais, as autoridades portuguesas, preocupadas com a regularização da cobrança de impostos, trataram de elaborar censos periódicos da população cativa. Tais levantamentos tinham por finalidade auxiliar a cobrança da Capitação, imposto que incidia sobre a propriedade escrava. Quando conservadas na sua integridade, as listagens de capitação guardam a memória viva da demografia histórica da região do ouro.
Segundo uma destas listagens, a população indígena marianense reduzia-se, no ano de 1725, a 29 homens e 21 mulheres. Na localidade em foco, 30 anos após o início da colonização, o escravismo com base no braço ameríndio havia se tornado, por assim dizer, residual. Os cativos, denominados nos documentos - de acordo com a tradição dos primeiros povoadores - como carijós e negros da terra ou, segundo expressão local, como cabras da terra, representavam apenas 0,4% dos 11.797 cativos ocupados nas lavras da Vila do Carmo.
Infelizmente, a documentação relativa ao início do povoamento de Mariana é pobre em informações a respeito das ocupações destinadas aos indígenas. Alguns indícios mostram, porém, que entre fins do século XVII e início do XVIII o gentio teve uma participação bastante significativa na vida social e econômica local.
Nos anos 1707-1709, por exemplo, os carijós mostraram-se fiéis aos próprios senhores, lutando aos milhares na Guerra dos Emboabas. Na década seguinte, os dados dos inventários post-mortem, estes últimos conservados somente em uma parcela mínima, arrolam várias lavras mineradoras em que os grupos ameríndios respondiam por um porcentual importante da escravaria.
Em 1716, Antônia Leme herdou do marido importantes lavras, e junto a elas 23 cativos, sendo 12 deles carijós. O mesmo ocorreu com Ana Maria Borba que, apesar de ser filha de uma das mais ricas e influentes famílias locais, manteve até a morte quatro carijós em seu plantel de 15 escravos. Mesmo os senhores mais poderosos de Mariana, aqueles que podiam recorrer ao mercado internacional de escravos, não deixavam de dispor de alguns índios remanescentes da primeira fase do povoamento. Não há como negar que os ameríndios tenham tido um papel econômico importante na fase inicial da extração do ouro. Aliás, alguns testemunhos revelam, bem antes da ocupação sistemática de Minas Gerais, a habilidade do gentio da terra na lide aurífera. É isso, pelo menos, o que sugere a Instrução de Regimento de D. Rodrigo de Castelo Branco, datada de 1679, cujo texto arrola os carijós como trabalhadores regulares nas pobres lavras de Iguape e Cananéia:
Terão particular cuidado de que o Apontador Francisco João da Cunha com os índios e ferramentas necessárias trabalhem na data de sua Alteza que lhe mandei medir no Ribeiro de N. Senhora da Conceição, e o Ouro que tirarem os índios, se entregará com recibo ao Apontador Francisco João da Cunha.
Nas mais diversas atividades, a população ameríndia era explorada ou servia de aliada aos bandeirantes paulistas. O levantamento dos raros inventários sobreviventes à ação devastadora dos parasitas e da umidade releva que, no início da década de 1710, os cativos carijós respondiam por 16 a 23% da força de trabalho da Vila do Carmo.
É bastante provável que o gentio também fosse utilizado localmente nas tarefas tradicionalmente a ele atribuídas em São Paulo colonial. Dada a ausência de caminhos , os cabras da terra deviam percorre as íngremes trilhas que uniam as lavras ao núcleo urbano, transportando mercadorias essenciais para a sobrevivência do garimpo. A caça, a pesca e a coleta, em virtude da irregularidade das linhas de abastecimento, também parecem ter tido bastante importância nos primeiros tempos da colonização mineira. Enquanto os homens encarregavam-se destas tarefas, as mulheres ocupavam-se do artesanato doméstico ou então trabalhavam na agricultura de subsistência.
Esta singular divisão de trabalho é ao menos sugerida no mencionado inventário do capitão Antônio Soares Ferreira. Nele foram registradas a posse de várias armas de fogo que, entre outros usos, podiam ser empregadas nas caçadas. O documento registra ainda quatro enxadas. Curiosamente, esse era o número de mulheres carijós adultas pertencentes ao referido senhor.
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Fonte: http://migre.me/vjSBS


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