quarta-feira, 21 de setembro de 2011

1) Transcrição: I Simpósio Luso-Brasileiro de Cartografia Histórica

O BRASIL NO SÉCULO XVIII/XIX E A FORMAÇÃO TERRITORIAL DAS MINAS GERAIS
A Vila de Campanha da Princesa

Patrícia Vargas Lopes de Araujo
Universidade Estadual de Campinas
Universidade do Estado de Minas Gerais/Campus Campanha

2. “A vila de Campanha da Princesa”

As terras onde hoje se encontra Minas Gerais estavam englobadas no início da colonização portuguesa em território de capitanias hereditárias doadas a capitães donatários. Essas capitanias, como é sabido, tinham início no litoral da Colônia, sendo banhadas pelo Oceano Atlântico, e se estendiam para oeste até a linha divisória do meridiano de Tordesilhas. Por algumas décadas, com raras exceções, a ação dos colonizadores se concentraria no litoral.
Em finais do século XVII, tal situação sofreria sensível modificação. O povoamento do território paulista crescia e a “boca do sertão” era empurrada cada vez mais para o interior do território. O Vale do Paraíba, na Capitania de São Paulo, foi ocupado por homens corajosos que criaram povoados que se transformariam em pontos de partida para a ocupação do que viria a ser a Capitania de Minas Gerais.
A região onde hoje se localiza a cidade de Campanha, no sul do Estado de Minas Gerais, começou a ser percorrida quando os bandeirantes paulistas deixaram suas terras em busca de índios, posteriormente de ouro, e atravessam a serra da Mantiqueira pela garganta do Embau (hoje cidade de Cruzeiro em São Paulo) atingindo as cabeceiras do Rio Verde. A notícia de ouro nas terras banhadas por esse rio e pelo Sapucaí, chegou a São Paulo e rapidamente houve o deslocamento de homens para esta direção.
As “Minas do Rio Verde”, como era então denominada esta região, foi descoberta pelos paulistas em 1720 e tiveram pouca divulgação até 1737. Em 02 de outubro, uma expedição militar sob o comando do ouvidor da Vila de São João del Rei, Cipriano José da Rocha, com a incumbência dada pelo governador da capitania, D. Martinho de Mendonça de Pina e Proença, de reconhecer a região, desbravar os sítios desconhecidos ao longo da bacia dos Rios Verde, Sapucaí e Palmela e tomar posse do território em nome do rei. Em carta enviada ao Governador da Capitania, informa que
“as terras destas minas, é uma dilatada Campanha do Rio Lambari para dentro, exceto uma serra que tem seu princípio no mesmo rio e se dilata por espaço de uma légua, toda coberta de matos, por onde vem a estrada que mandei abrir e achei muito capaz; são os ares muito alegres de maravilhosa vista, e com melhor assento que as terras de São João Del Rei”(3)
Em outra carta, o Ouvidor diz sobre a região percorrida que esta compreendia “o descoberto em circuito mais de vinte léguas”. Comunicava também que havia fundado um “Arraial em forma de vila, a que deu o nome de São Cipriano, que está povoado com praça e ruas em boa ordem e muito boas casas, e fica-se entendido em fazer igreja (...)” e determinava também “terra para casa de Intendência”. A missiva trazia ainda a informação de que o arraial encontrava-se próximo a quatros rios “abundantíssimos de peixe grosso e miúdo”, isto é, o Palmela, o Lambari, o Sapucaí (descoberto por ele) e o Verde. Por fim, diz que
“Serão as ditas minas uma dilatada povoação, tendo por extensão, que cada dia cresce, como pela comodidade do país, terra produtiva de mantimento e os ares benévolos, rio Sapucaí, só conhecido pela tradição dos antigos paulistas, fiz descobrir pelo sertão destas Minas, por diligência e despesas minhas, até que pessoalmente fui as suas margens e o passei em canoa que mandei fazer”(4).
A denominação de Arraial de São Cipriano duraria pouco, voltando logo à designação anterior de “Arraial de Santo Antônio da Campanha do Rio Verde”. Com o crescimento e a prosperidade do arraial, foi criada a freguesia pelo bispado do Rio de Janeiro em 1741, com o nome de freguesia de “Santo Antônio do Vale da Piedade da Campanha do Rio Verde”.
No entanto, os conflitos entre paulistas e representantes legais da Comarca do Rio das Mortes pelo controle e posse da região das Minas do Rio Verde permaneceriam, a despeito da chegada do ouvidor e da criação do arraial. O governo da Capitania de São Paulo disputava com a Câmara da Vila de São João Del Rei o controle desta parte do território. Os conflitos não cessaram rapidamente, fazendo com que o senado da câmara da Vila de São João Del Rei necessitasse em 1743 de reafirmar a auto de ocupação de posse da região, devido à presença de um represente do governo paulista no local, reivindicando o direito de posse sobre o arraial(5). De acordo com os registros do relatório da câmara, foi necessário o gasto de 264 oitavas de ouro e a presença de gente armada para se garantir a ocupação da área, pois o Governador da Capitania de São Paulo, D. Luiz de Mascarenhas, havia nomeado Bartolomeu Correa Bueno como superintendente da região. Como meio de defender e assegurar a posse da área, pois tratava-se de região estratégica, de acesso fácil tanto ao Rio de Janeiro como a São Paulo, e portanto para impedir também o extravio do ouro, criou-se o Julgado de Santana do Sapucaí no ano de 1746 e o estabelecimento de um juiz ordinário. Estes conflitos se acirrariam com os motins de Campanha do Rio Verde em 1746 e 1751(6).
No final do século XVIII, os mais influentes moradores do arraial passam a reivindicar a criação da Vila da Campanha da Princesa, pois consideravam como relevantes para esse fato o crescimento de sua população que ultrapassava o número de oito mil habitantes, bem como o desenvolvimento econômico da região. Destacam também a distância de 35 léguas da Vila de São João del Rei, as custas pagas aos oficiais de justiça da Comarca do Rio das Mortes e a necessidade de melhoramentos e de obras públicas, tais como pontes, chafarizes, calçamento de ruas, aberturas de estradas. Mas a Câmara de São João del Rei discorda da reivindicação justificando que “os moradores daquele lugar [eram] a maior parte mulatos, escravos, e mestiços” e não seriam “homens de nascimento e conceito”, portanto, em sua compreensão não poderiam exercer os cargos de juízes e de vereadores. Além disso, alertavam ao Visconde de Barbacena, então governador e capitão general da capitania, que o ouro era extraviado por caminhos e atalhos que levavam ao Rio de Janeiro e a Santos e que também não havia igreja decente no dito arraial(7).
A região requerida para compor o Termo de Campanha abrangia uma área territorial bastante considerável, equivalendo hoje a quase toda a porção sul do território de Minas Gerais. Compreendia dez freguesias: Lavras do Funil, Baependi, Pouso Alto, Santa Ana do Sapucaí, Camanducaia, Ouro Fino, Itajubá, Cabo Verde e Jacuí, Carrancas e Airuoca e também três Julgados: Santana do Sapucaí, Itajubá e Jacuí. Neste sentido, é compreensível a recusa da Câmara de São João del Rei, pois significava a perda de receita provinda de lojas e vendas, bem com da criação de gado(7).
Não desistindo de sua intenção, alguns moradores do arraial, com intuito de quebrar a resistência da Vila de São João del Rei e com grande diplomacia, solicitam a criação da Vila da Campanha da Princesa, homenageando a esposa do Príncipe Regente, futuro D. João VI com o nome da vila e, posteriormente, destinando a terça parte das rendas anuais da Câmara diretamente à princesa, em cofre à parte, para os seus “alfinetes”(8). Como gratidão o Príncipe Regente doaria à Princesa D. Carlota Joaquina, o senhorio da vila.
Em 20 de outubro de 1798, após requerimentos feitos por seus moradores, D. Maria I concede o título de vila ao distrito, apesar dos protestos da Câmara de São João del Rei, nomeando-a “Vila da Campanha da Princesa”. No entanto, o auto de criação apenas ocorreria um ano mais tarde, em 26 de dezembro de 1799. No alvará de elevação à vila, a rainha expõe que em consulta ao Conselho Ultramarino foi informada do crescimento do número de habitantes do arraial da Campanha do Rio Verde, comarca do Rio das Mortes e também de ser esta uma das mais importantes povoações da capitania de Minas Gerais. Além disso, o alvará menciona também a distância entre a Vila de São João del Rei, cabeça da comarca, e o arraial, de modo que os seus moradores viam-se prejudicados em seus negócios. Embora já houvesse criado um novo julgado neste arraial (1795), compreendia ainda que esta povoação continuava a sofrer devido à falta de uma administração regular da justiça. Decidia então, erigir em vila o arraial da Campanha. Pelo mesmo alvará, a rainha nomeou também o primeiro juiz de paz, o Dr. José Joaquim Carneiro de Miranda e Costa(9).
Uma das primeiras providências deste juiz foi erguer pelourinho e convocar “a nobreza e povo” para elegerem os membros da câmara. Feito isso, o juiz trata de mandar fazer benfeitorias e juntamente com os vereadores procede à demarcação dos limites da vila. Em 1800 consegue que o termo da vila fosse limitado estendendo-se da margem esquerda do rio Grande até o Jaguari, desde sua origem no sopé da Mantiqueira até seu encontro com o rio Pardo, definindo sua jurisdição municipal com legislação edil em um círculo de aproximadamente três mil léguas, constituindo hoje todo o sul de Minas (figura 2).



Fig. 2 Mapa da extensão da Vila de Campanha da Princesa, 1800. Arquivo Histórico Ultramarino, códice nº. 2166
As disputas entre as duas câmaras ainda continuariam por algum tempo, pois a de São João del Rei não concordava que as Freguesias de Lavras do Funil, Baependi e Pouso Alto pertencessem ao termo de Campanha da Princesa. Por fim, a Câmara de Campanha da Princesa resolveu ceder a Freguesia de Lavras do Funil, permanecendo com as outras duas. Delimitado assim os domínios territoriais, a vila por determinação régia seria a “mui leal e nobre” Vila de Campanha da Princesa. Até 1833, juntamente com duas outras vilas, Aiuruoca e Baependi, Campanha pertenceu à Comarca do Rio das Mortes, que compreendia ainda mais cinco termos: Barbacena, Queluz, São José del Rei, São João del Rei (cabeça da comarca), São Bento do Tamanduá e São Carlos do Jacuí. Em 30 de junho deste mesmo ano, foram criadas as comarcas do Rio Paraibuna que agrupava as vilas de Barbacena e Baependi, e a comarca do Sapucaí que teria a vila de Campanha da Princesa como cabeça da comarca.
Quanto aos aspectos de urbanização, depois das descobertas auríferas em finais do século XVII, houve como já foi dito, a expansão para o interior do território e a ação política se deu de modo a constituir uma rede urbana a partir de vilas criadas em locais estratégicos e as cidades do litoral.
A ereção de vilas e cidades durante o reinado de D. Maria I (1777-1799) e na regência de D. João (1799-1816), questão já verificada também anteriormente no reinado de D. José, estava ligada à necessidade de estabelecimento do controle mais eficaz da Colônia. Tal perspectiva era pautada pela idéia de que o estabelecimento da soberania nacional se associava ao domínio sobre o território:
“o verdadeiro significado das cartas régias que conferiam formalmente o título de vila não era o reconhecimento do crescimento físico do arraial ou aldeia, mas sim a percepção pragmática de que, dentro daquela área específica, era preciso assumir determinadas responsabilidades administrativas”(10).
Fonte:  http://migre.me/5KCwL
Nota: Piquete, 'Boca do Sertão': A disputa pela posse da área de fronteira, por se tratar de uma regão estratégica, como afirma o texto, de acesso fácil tanto ao Rio de Janeiro como São Paulo. Sendo também importante quanto ao impedimento do extravio do ouro, dando origem ao Julgado de Santana do Sapucaí, no ano de 1746, com estabelecimento de juiz ordinário, guardadas as proporções é possivel afirmar que o Núcleo Embrião de Piquete, correspondia a uma verdadeira "Faixa de Gaza" no Sertão da América Portuguesa (grifos meu).







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