1.1.
APLICAÇÕES DA TOPONÍMIA E DA
CARTOGRAFIA HISTÓRICA
É
freqüentemente lembrada, no Brasil, a maestria com que o Barão do Rio-Branco
se valeu da cartografia histórica e de fontes complementares de toponímia
para finalidades diplomáticas e garantiu a integridade do território
brasileiro em dois litígios de fronteiras com outros países. Rio-Branco
recolheu mapas, documentos e construiu as provas e os argumentos de base
toponímica que consolidaram as fronteiras do Brasil com a Argentina e com a
França. Em ambas as causas, a toponímia deu as bases para Rio-Branco sair
vitorioso, como mostra Coutinho (1999). Sabe-se também de estudos em que a
análise de padrões toponímicos contribui para confirmar datações históricas e
para outros fins, inclusive estudos para mapas que reconstituem vegetação
extinta ou muito modificada (Dick, 1990).
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Na
questão do Amapá, litígio com a França, o Barão do Rio-Branco pesquisou mais de
uma dezena de variantes para o nome geográfico do Rio Oiapoque, do qual já
eram conhecidas outras dezenas de variantes lingüísticas. Desse modo,
conseguiu que prevalecessem os interesses do Brasil na questão de limites com
a Guiana Francesa, que já se arrastava desde a época colonial. A vitória
diplomática permitiu incorporar definitivamente ao Brasil, de forma pacífica,
a área de duzentos mil quilômetros quadrados – como destaca Coutinho (1999),
equivalente a duas vezes o atual território de Portugal. A cartografia
histórica tem interseções com inúmeras áreas e, acompanhada dos textos que
documentam os mapas e dos relatos de viagem, deve andar de mãos dadas com a
pesquisa de toponímia histórica para encontrar suas aplicações.
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Ao inscrever
a toponímia nos mapas que produziu para guiar-se nas descobertas dos séculos
XV e XVI, a cartografia portuguesa outorgou nomes a muitos acidentes
geográficos e, em alguns casos, registrou o topônimo usado no próprio local,
muitas vezes lhe dando feição portuguesa, em outros casos criando sistemas de
transcrição. Textos de viajantes, diários de bordo e documentação de mapas
antigos podem fornecer muitas informações sobre a motivação das nomeações
portuguesas, mas aparentemente predominam os topônimos inspirados nos
símbolos da fé católica, e o calendário dos santos romanos na época inspirou
um padrão mundial de topônimos. No Brasil, a motivação religiosa na nomeação
dos acidentes geográficos aparece desde a expedição de Cabral, como se pode
ler na carta de Pero Vaz de Caminha.
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Em terras
hoje brasileiras, o primeiro topônimo português registrado por Caminha em sua
carta foi Monte Pascoal. O nome dado pelo capitão Pedro Álvares Cabral ao
“gramde monte muy alto. e redondo” (Castro, 1996, p.40) teve motivação religiosa
(era semana de Páscoa) e foi também o primeiro de uma tradição de escolher o
nome de acordo com as festas religiosas e os santos do dia. Monte Pascoal é,
portanto, o topônimo que inaugura no Brasil o uso de padrões globais de
nomeação. Como destaca Coutinho, a língua portuguesa foi a primeira a
enfrentar o convívio com a toponímia em escala global, num momento em que
Portugal era a maior potência mundial. As conquistas marítimas portuguesas
nos séculos XV e XVI são comparadas por muitos autores à conquista do espaço
nos séculos XX e XXI. Portugal era o centro de um império que se estendeu
desde a costa da América até a costa asiática, inclusive o Japão, passando
pela costa atlântica e oriental da África.
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A
motivação religiosa também se detecta nos nomes usados inicialmente para
designar as novas terras portuguesas: Terra da Vera Cruz, Terra de Santa Cruz
e Ilha de Vera Cruz. É interessante verificar que as três formas aparecem em
documentos históricos para se referir à mesma terra recém-descoberta por
Portugal, denunciando ausência de rigor no registro (ou no padrão), nesse
caso. A carta do escrivão da esquadra de Cabral registra ainda um topônimo
que figura no mapa da Bahia de hoje: Porto Seguro, nome de município do
litoral sul do estado. Na carta de Caminha lêem-se outros topônimos, entre
os quais Calecut (Kozhikode). Quando Vasco da Gama e Cabral estiveram na
Índia, na região de Kerala, fizeram possivelmente as primeiras transcrições
para uma língua latina de topônimos locais, segundo sugere Coutinho (2000).
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Pouco
tempo depois da visita de Cabral, uma expedição exploradora enviada por Dom
Manuel em 1501 contornou a costa da América do Sul e fez uma série de
nomeações de motivação religiosa, seguindo o padrão do calendário católico
romano, como era preferência, na época. O Cabo de
Santo Agostinho foi registrado em 28 de agosto e, seguindo pelo litoral para
o sul, Rio São Francisco (4 de outubro), Baía de Todos os Santos (1º de
novembro), Cabo de São Tomé (21 de dezembro), Rio de Janeiro (1º de janeiro
de 1502), Angra dos Reis (6 de janeiro), São Vicente (22 de janeiro)
(Coutinho, 2000). Dessa expedição participou Américo Vespúcio, e foram seus
escritos os primeiros a divulgar a chegada dos europeus ao novo mundo, o que
contribuiu decisivamente para consolidar o nome América para o novo
continente (Bagrow, 1985 em Coutinho, 2000).
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No rastro das
conquistas portuguesas, encontramos, ainda hoje, para ilhas no meio do
Atlântico, topônimos como Ascensão (traduzida pelos ingleses para Ascension)
e Saint Helena, com parte do nome em português, parte em inglês, formando um
nome híbrido de natureza diferente do Cape Agulhas, na África do Sul, país
que ainda hoje abriga uma província chamada Natal. Como se vê, os topônimos
foram modificados segundo diferentes padrões ao longo do tempo. No primeiro
caso, o topônimo foi traduzido para inglês; no segundo, parte (nome comum) do
nome da santa do calendário foi traduzida para inglês, mas não o nome Helena;
no terceiro, o topônimo (nome próprio) foi conservado em português e foi
traduzido para inglês o termo genérico (nome comum) – Cape Agulhas.
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Nas fases que
se seguiram, navegadores e cartógrafos de outras origens usaram os topônimos portugueses.
A partir do Cabo da Boa Esperança, costeando a África oriental, em todos os
mapas da época seguem-se topônimos como Canal de Moçambique, Golfo Pérsico,
Mar da Arábia, Cabo Comorin, Golfo de Bengala, Estreito de Málaca, além de
outros espalhados no caminho da China e do Japão. Na África, os mapas mostram
que os conquistadores portugueses em geral ignoraram a toponímia local,
embora houvesse ali civilizações mais complexas do que no Brasil, as quais
muitas vezes já tinham nomeado os acidentes. E os cartógrafos que se seguiram
fizeram o mesmo.
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Inúmeros
topônimos portugueses aparecem copiados nos mapas holandeses, que tiveram seu
período de brilho no fim do século XVI e ao longo do século XVII, com a
cartografia de Mercator, Hondius e Blaeu. Em alguns casos, com efeito, a
toponímia portuguesa era a única conhecida e não havia alternativa para esses
cartógrafos a não ser copiar ou adaptar os nomes portugueses. Vale destacar
que, no período da União Ibérica, os topônimos portugueses ganharam, em
muitos casos, forma espanholada: Cabo de Bona Esperança, Terra do Natallo,
entre outros.
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Nos mapas de
Blaeu, encontram-se, por exemplo: Angra das Orcas, Praia, Golfo das Voltas e
Golfo Frio, na costa da Namíbia. Na África do Sul, vêem-se Serra dos Veados,
Monte das Arcas, Terra do natallo, Agoada de Boa Paz, além de outros – Terra
do Fumos, Punta da Pescaria – já citados por Hondius. Em Moçambique, um erro
de cópia transformou Sofala (perto da cidade da Beira) em Cosfala. Na costa
da Tanzânia atual vêem-se topônimos como Ilhas dos Ongolongo, Terra de S.
Rafael; no atual Quênia, encontram-se B. Formosa, Mobaza, Melinde; na
Somália, Brava, Velho, Os Bárbaros, Enseada da Bela, Barbara; e na costa do
Mar Vermelho, Enseada do Palmar, Enseada da Fortuna, Agua da boa, B. das
Cabras. Mesmo no Canadá, encontram-se topônimos como Labrador e Terra Nova,
além de Cape Spear, surpreendente “versão” para inglês do nome original, em
português, Cabo Espera.
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Em outros casos,
como ocorre com Cape of Good Hope, o nome original é em português (Cabo da
Boa Esperança), mas, como o acidente geográfico se encontra na atual África
do Sul, país onde a presença inglesa se impôs e determinou o idioma oficial
atual, ficou oculta a origem portuguesa do topônimo (a que os mesmos
portugueses chamaram anteriormente Cabo das Tormentas). Há topônimos que são
um simples aportuguesamento de nomes locais, mas há outros tão alterados que
abrem todo um novo campo de pesquisa voltado para o resgate da toponímia
histórica portuguesa. Segundo Coutinho (1999), fala-se até em milhares quando
se tenta quantificar a toponímia portuguesa nos tempos atuais fora das áreas
lusófonas.
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Haverá casos
em que será preciso mergulhar no tempo para achar o topônimo originário em
língua portuguesa, transformado pelo uso por falantes de outras línguas, como
ocorre em vários casos listados por Avelino Teixeira da Mota (1950), entre os
quais Rufisque e Cap de Naze: “Rufisque,
nome de uma cidade perto de Dakar, vem de Rio Fresco, [...] Cap de Naze,
pouco ao sul dela, é deturpação de Cabo dos Mastros” (p.13). Para dar uma
idéia do alcance dessa influência, uma boa indicação pode ser o patrimônio
histórico mundial aprovado pela Unesco. Os organizadores de um congresso
sobre patrimônio histórico mundial de origem portuguesa (World Heritage of
Portuguese Origin – WHPO), promovido pela Universidade de Coimbra no primeiro
semestre de 2006, contaram mais de uma centena de bens de origem portuguesa
inscritos no patrimônio mundial, dos quais muito poucos se encontram no atual
território de Portugal.
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Periodo Colonial: Toponímias de um lugar na América Portuguesa :
- Piquete
- Registro do Piquete
- Cinco serras Altas
- Sertão da Mantiqueira
- Veredas das Brumas das Terras Ermas
- Sertão dos Ínidios Bravos
- Sertão Proibido
- Caminho da Serra acima
- Caminho dos Paulistas
- Caminho Geral do Sertão
- Trilha dos Guainases
- Caminho do Sabaraçu
- Caminho de Fernão Dias
- Sertão da forme
- Roças de Bento Rodrigues
- Caminho Velho
- Caminho do Ouro
- Estrada Real do Sertão
- Aldeia São Miguel do Piquete
- Sertão Paulista
- Caminho das Minas
- Garganta do Mei Lua - Itabaquara
- Raia
- Posses
- Rio Sertão - Rio do Ronco - Ribeiro da Limeira - Caminho dos Tropeiros - Aldeia dos Puris - Arraial São Miguel do Piquete - Vila Vieira do Piquete
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Piquete-SP, Lugar de Memória: "Inventário dos Lugares de Memória do Tráfico Atlântico de Escravos e da História dos Africanos Escravizados no Brasil elaborado pelo Comitê Científico Internacional do Projeto da UNESCO “Rota do Escravo: Resistência, Herança e Liberdade”. Relativamente ao Núcleo Embrião de Piquete-SP, foram contemplados; "Caminho do Ouro", "Jongo" e "Irmandades", estes dois últimos, na condição de patrimônio imaterial.
segunda-feira, 19 de setembro de 2011
Transcrição: PROJETO MAR PORTUGUÊS: Por uma Rede de Toponímia Histórica em Língua Portuguesa
GUIA DA UNESCO - Una guía para la administración de sitios e itinerarios de memoria.
Ficha 22: Ruta de la libertad (A Rota da Liberdade), São Paulo, Brasil (A Rota da Liberdade), São Paulo, Brasil ■ ANTECEDENTES ■ ANTECED...
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Introdução O castigo do escravo infrator apresentava-se como parte do “governo econômico dos senhores”, aliados ao trabalho...
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Instrumentos de Ferro. Acervo do Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro, 1835. Os instrumentos de ferro de “castigos e penitências” e...
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Fonte: http://abrasoffaong.blogspot.com.br/2011/06/tropeiros-da-vacaria.html MAPAS DE SANTOS Fonte: Carta corográfica - Cap. de S. Pau...