1. POVOAÇÃO NA CAPITANIA DE SÃO PAULO
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Para Antonio da Costa Santos(1), o
conjunto de freguesias fundadas e vilas elevadas no governo de D. Luis Antonio
de Sousa Botelho Mourão, o Morgado de Mateus, entre 1765 e 1775, na capitania
de São Paulo, participa da construção de uma estratégia de consolidação
territorial, animação econômica e fortalecimento do poder central da Coroa na
Colônia. Estes objetivos deveriam ser atingidos através da extinção das
donatarias, da negociação com a ordem jesuítica estabelecida no espaço
definido pelo Tratados de Madri de 1750 e pelo Tratado de El Pardo de 1761 no
desfecho da mudança da capital do Brasil.
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O discurso de posse do Morgado de Mateus,
que fora nomeado a 4 de dezembro de 1764 e oficializado a 5 de janeiro de
1765, proferido no ato de restauração do governo de São Paulo, em 6 de abril
de 1766, revela a dimensão do projeto delineado pelas instruções pombalinas
de governo:
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“Foi
Sua Majestade servido de me mandar com o governo desta Capitania,
encarregando-me de procurr por todos os meis estabelecê-la ao seu antigo
esplendor, procurando os modos mais efecazes de acrescentar as suas
povoações, estender aos confins dos seus domínios, fertilizar os campos com a
agricultura, estabelecer nas terras diferentes fábricas, idear novos
caminhos, penetrar ignógnitos sertões, descobrir o ouro das suas minas e,
finalmente, fortificar suas praças, armar o seu exército, fazer observar as
leis e respeitar as justiças.”(2)
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Nas Cartas Instrutivas que Pombal
estabeleceu para o Morgado de Mateus estava explicito o objetivo de
consolidação do domínio das capitanias do Brasil. Em documento de 26 de junho
de 1765, sobre a defesa especial a ser feita sobre as cidades de São Paulo e
Rio de Janeiro, esta última como nova capital, destacava-se ser esta a
“...chave deste Brasil, pela sua situação, pela sua capacidade, pela
vizinhança que tem com os Domínios de Espanha”, e a primeira (no caso São
Paulo) “pela situação que abre a porta a passagem das Minas”.(3)
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Segundo Antonio da Costa Santos(4), a obra
geopolítica de ocupação do território paulista, realizada pelo Morgado de
Mateus, delineia um nova dimensão para a pequena rede de povoações e vilas
então existentes, adequando-a para ser a parte fundamental dos circuitos
mercantis internos do eixo centro-sul da colônia.
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A gestão restauradora da
Capitania de São Paulo exercida pelo Morgado de Mateus definiu, entre outros,
objetivos estratégicos de ocupação do território, a fundação de povoações,
freguesias e elevações de freguesias a vilas, uma vez que a região estava
pouco povoada naqueles tempos.
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Para Heloísa Liberalli Belotto(5), a
maioria dos habitantes da capitania de São Paulo estavam dispersos pelo
comércio e pela prática da lavoura itinerante pois as atividades econômicas
na capitania não tinham um caráter sedentário, ao contrário dos engenhos de
açúcar e da mineração, que propiciaram o povoamento em outras regiões do
Brasil.
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De uma maneira geral, o processo de
urbanização do Brasil nos séculos XVI e XVII, segundo Nestor Goulart Reis
Filho(6), teve como característica a ‘maritimidade’; a vila de São Paulo
constituía uma exceção, plantada serra acima e voltada para o sertão. Em
concordância com as análises de Nestor Goulart Reis Filho, Heloísa Liberalli
Belotto afirma que foi no século XVIII que a “obra de urbanização conseguiu libertar-se
definitivamente da orla atlântica”. Seus fatores foram a expansão paulista e
a beligerância espanhola, no sul; a mineração no Centro-Oeste; a expansão
pastoril no Nordeste; e a ação
missionária na Amazônia.(7)
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Entre 1705 (data da criação de
Pindamonhangaba) e 1767 (quando ocorreram fundações levadas a efeito pelo
Morgado de Mateus) nenhuma vila foi fundada em território paulista. O reinado
de D. João V e o de D. José, em seus primeiros tempos, estavam voltados
exclusivamente para a zona de mineração. Deste modo, para São Paulo não havia
necessidade, nem interesse, de expandir-lhe a rede urbana já existente no
século XVII.
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O próprio Morgado de Mateus o
constataria ao enviar para Lisboa a descrição do ‘estado político’ da
capitania, após um ano e meio de governo, ao comentar a respeito das antigas
vilas:
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“As
Vilas e Povoações Civis que tem esta Capitania quaze todas as fundarão os
primeiros povoadores; aquellas de que pude alcançar a sua fundação quase
todas forão feitas no tempo dos Donatários, e antes do descubrimento das
Minas; a ultima que se fundou foi Pindamonhangaba, a qual foi feita Villa por
ordem de Sua Magestade de dez de Julho de mil setecentos e cinco; tudo consta
dos papeis antigos do Archivo desta Camara; desde esse tempo para cá não
houve mais fundação alguma; porem algumas Villas são Povoações muito
pequenas; os mesmos moradores que nellas se conservão são os que tem citio
mais perto, porque os que os tem longe só acodem à Villa pelas festas do
anno, ou em solenidades mayores, fora destes xazos vão seguindo o mato
virgem...”(8).
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A rede urbana que o Morgado de
Mateus encontrou tinha como aglomerado principal a cidade de São Paulo, em
torno da qual gravitavam aldeamentos indígenas e freguesias (algumas das
quais seriam alevadas a vila durante o seu governo. Serra acima,
distinguiam-se Mogi das Cruzes, Jacareí, Taubaté, Pindamonhangaba e
Guaratinguetá, no Vale do Paraíba. Destas, as mais prósperas e populosas eram
Taubaté e Guaratinguetá. Para o Oeste, destacavam-se as vilas de Sorocaba e
Itu.
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Na marinha havia certa
concentração de população da capitania, embora o número de habitantes de
Paranaguá (a vila mais populosa do litoral) fosse inferior ao de Sorocaba. Curitiba
e São José, não sendo litorâneas, foram também enquadradas entre as vilas do
Sul, na Marinha. E estas é que figuravam logo abaixo de Paranaguá, em termos
de população. Seguiam-se Santos, São Sebastião e Ubatuba.
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Fig.
1. Detalhe da “Planta da Barra da
Villa de S.tos. Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Aspecto da
Vila de Santos no período da administração do Morgado de Mateus.
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Conclui-se que os núcleos mais
povoados, em ordem decrescente, eram: São Paulo, Sorocaba, Paranaguá,
Curitiba, Guaratinguetá, Taubaté, Itu e Santos. Mas, as cifras relativamente
consideráveis, não indicam obrigatoriamente que as respectivas áreas urbanas
fossem muito povoadas. Muitos dos moradores, não obstante computados como
pertencentes às vilas, viviam na zona rural. Frequentavam o povoado quando
das festas religiosas. Entre a gente dispersa, havia os que tinham atividades
definidas em lavouras, em pousos, no comércio ou nas expedições de
exploração. Mas, havia ainda os realmente vadios, vivendo de coleta e caça,
sem rendimento e sem ocupação. Era principalmente contra estes que se
voltavam as autoridades, procurando disciplinar-lhes a forma de vida e
conduta.(9)
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Fig. 2. Detalhe da “Planta da Barra da Villa
de S.tos. Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Aspecto da Vila de
São Vicente no período da administração do Morgado de Mateus.
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Para Heloísa Liberalli Bellotto(10), D. Luís
Antonio reconhecia que a capitania não poderia desenvolver-se sem se
multiplicarem os colonos e sobre os poucos que alí se encontravam considerava
que seriam mais úteis se congregados em povoações civís; quer fundando-se
novas povoações ou acrescentando população àquelas já existentes.
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A dispersão da população no
território paulista prejudicava o
objetivo de recrutamento visado pelo
Morgado de Mateus. Parte desta população dispersa era constituída de índios
congregados em aldeias, quer as do Padroado Real (Pinheiros, Barueri, São
Miguel, Nossa Senhora da Escada, São João de Guarulhos), quer as que haviam
pertencido aos Jesuítas (São José, Nossa Senhora da Ajuda, Mboy, Carapicuíba
e Itapecerica). Segundo Heloísa Liberalli Bellotto, o Governador pensara em
assegurar ao gentio o aprendizado de ofícios e em fazê-los cultivar as terras
e observava que os mesmos encontravam-se marginalizados e vivendo em “grande
decadência”. rno Ainda, informava a Pombal que os habitantes das aldeias
dispersavam-se por causa da ausência de condições mínimas de sobrevivência.
“Não obstante suas medidas para reorganização das aldeias, inclusive mandando
recolherem-se os desertores, o Morgado de Mateus não acreditava no sistema
como tal. Aliás, era idéia do govecentral a integração das aldeias...
Pensava que se formassem nelas freguesias que tornassem possível a
congregação entre brancos e índios, visando depois sua elevação a vila,
obter-se-íam vantagens recíprocas”.(11)
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O possível reabastecimento delas, por
meio da sua produção agrícola e ganadeira, facilitaria altamente a manutenção
das milícias paulistas. As povoações deveriam funcionar como “pontas de
lança” para o sertão, inclusive, com a possibilidade de seus habitantes se
interessarem por futuras incursões de conquista e povoamento. Assim, deveriam
as novas povoações superpor-se à rede urbana já existente, rede esta que há
muito tempo não era revitalizada; ou deveriam se constituir em novas
ramificações dessa mesma rede. Enquanto não se constituíssem em vila, com
pelourinho e câmara, as povoações seriam governadas por diretores.
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No início, inúmeras eram as
dificuldades para o crescimento das povoações, dentre elas a pobreza da gente
como pode ser observado para o caso de Sabaúna. Outras, todavia, prosperavam.
Em 1770, D. Luis Antonio escrevia a um Bispo do Rio de Janeiro solicitando
párocos para Guaratuba e agradecendo os já enviados para Lages. Ainda,
comentava que os de Paranaguá e São Francisco não podiam assistir à Guaratuba
em razão de seu redobrado serviço(12).
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Nos anos de 1770, as duas
povoações haviam alcançado relativo progresso, pois D. Luis Antonio,
observava que Guaratuba já se achava “com bastante cazas, Igreja e outros
edifícios públicos, em que se está actualmente trabalhando”(13). E para que
seu desenvolvimento fosse facilitado ordenava ao ouvidor da comarca de
Paranaguá que a erigisse em
vila. E a mesma ordem era dada com relação à Sabaúna.
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