No
tempo em que, vindo da Bahia, d. Francisco de Souza,
esteve pela primeira vez em S. Paulo, aí vivia Guilherme
Glymmer, flamengo, que tomou parte em uma expedição ao sertão e que
dela fez uma descrição, que encontrou abrigo na obra de P.
Marcgrave – História Botânica do Brasil – nos termos
seguintes:
"Julgo
a propósito inserir aqui
o roteiro que recebi de Wilhelm Glymmer, nosso
compatriota. Conta ele que, na época em que vivia na Capitania de S.
Vicente,
chegara àquelas paragens, vindo da Capitania da Bahia,
Francisco de Souza; pois recebera de um brasileiro um certo metal,
extraído, segundo dizia, dos montes Sabaroason, de cor
azul-escura ou celeste, salpicado de uns grânulos cor de ouro. Tendo
sido examinado pelos entendidos em mineração,
reconheceu-se que esse metal continha, em um quintal, trinta marcos de
prata
pura. Fascinado por essa amostra, o governador, julgando
conveniente explorar mais cuidadosamente esses montes e as minas que
eles encerravam, resolveu mandar para lá setenta ou
oitenta homens, entre portugueses e brasileiros. Fez parte dessa
expedição
o nosso Glimmer, que dela faz a seguinte descrição:
"Partindo
da cidade de S.
Paulo, na Capitania de S. Vicente, chegamos, primeiro à
povoação de S. Miguel (distante de S. Paulo cinco ou seis léguas para
o Nascente), à margem do rio Anhembi, e nesse lugar
achamos preparadas as provisões, que os selvagens tinham de carregar nos
ombros. Atravessamos, depois, aquele rio e, com uma marcha
de quatro ou cinco dias a pé, através de densas matas, seguimos
rumo de Norte, até um riacho que nasce nos montes
Guarimumis, ou Marumiminis, onde há minas de ouro. Aqui, aparelhadas
algumas
canoas de cascas de árvores, continuamos rio abaixo,
durante cinco ou seis dias, e fomos ter a um rio maior que corria da
região ocidental. Aquele primeiro riacho desliza por sobre
campos baixos e úmidos, notáveis por sua amenidade. Tendo descido
este rio maior, em dois dias, encontramos outro ainda
muito maior, que nasce no lado setentrional da Serra de Paranapiacaba
(assim como o Anhembi nasce no lado austral da mesma
Serra), e correndo, a princípio, para o Ocidente, na mesma direção dos
montes, depois, formando um cotovelo, se encaminha por
algum tempo para o Norte, e, afinal, como geralmente se crê, se lança
no Oceano entre o Cabo Frio e a Capitania de Espírito
Santo; chama Rio de Sorobis e é abundantíssimo em peixes, tanto grandes
como pequenos. Descendo também este rio, durante quinze ou
dezesseis dias, chegamos a uma catarata, onde o rio, apertado entre
montanhas alcantiladas, se despenha para o Nascente. Por
isso, abicamos neste ponto as nossas canoas e marchamos outra vez a
pé, ao longo de outro rio que desce do *lado ocidental e
não se presta a navegação. Com cinco ou seis dias de marcha, chegamos
à raiz de um monte altíssimo, e, transpondo-o descemos a
uns campos mui descortinados e aqui e acolá sombreados de bosques se
vêem lindíssimos pinheiros, que dão frutos do tamanho de
uma cabeça humana; as nozes desses frutos têm a grossura de um dedo
médio e são protegidas por uma casca como as castanhas, e
são mui agradáveis ao paladar e nutritivas (presumo que Glimmer se
refere aqui à árvore da Sapucaia). Por muitas milhas no
interior se encontram árvores desta espécie.
"Três
dias depois, chegamos a um rio, que deriva do Nascente, e,
atravessando-o, durante quatorze dias, tomamos a direção de
Noroeste, através de campos abertos e outeiros despidos de
árvores, até outro rio, que era navegável e corria da banda do
Norte. Atravessamo-lo em umas embarcações chamadas
jangadas, e, quatro ou cinco léguas mais adiante, topamos outro rio que
corria quase de Norte e era navegável. Creio, porém, que
estes três rios, afinal, confluem num só leito e vão desaguar no
Paraguai, em razão de que o curso deles é para o Sul, ou
para o *Ocidente. Em toda a viagem até aqui descrita nada vimos que
denotasse cultura, não encontramos homem algum, apenas
aqui e ali aldeias em ruínas, nada que servisse para alimentação, além
de ervas e algumas frutas silvestres; todavia,
observávamos às vezes fumaça, que se erguia no ar, pois por aquelas
solidões
vagueavam com suas mulheres e filhos alguns selvagens, que
não tinham domicílio certo e não curavam de semear a terra. Junto a
este último rio, encontramos, finalmente, numa aldeia de
indígenas, víveres em abundância, que vinham muito a propósito, visto
que já estavam consumidos os que conosco tínhamos trazido,
e já a fome nos obrigava a comer frutos silvestres e ervas do
campo.
"Tendo-nos demorado aqui quase um mês, abastecidos de
vitualhas, prosseguimos a nossa viagem em rumo de Noroeste e, decorrido
um mês, sem encontrar rio algum, chegamos a uma estrada
larga e trilhada e a dois rios de grandeza diversa, que, correndo do
Sul, entre as serras Sabaraasu, rompem para o Norte; e é
minha opinião que esses dois rios são as fontes ou cabeceiras do Rio
S. Francisco.
"Da
aldeia sobredita até estes rios não vimos pessoa alguma,
mas soubemos que além das montanhas vivia uma tribo de selvagens
assaz numerosa. Estes, informados (não sei como) da
presença de europeus naqueles sítios, despacharam um dos seus para nos
espreitar. Caindo este em nosso poder, demo-nos pressa em
arrepiar carreira, de medo desses bárbaros e por nos escassearem os
viveres, ficando por explorar o metal por cuja causa
havíamos sido mandados; e, quase mortos de fome, voltamos aquela aldeia
de selvagens.
"Mogomimin, depois, à cidade de S. Paulo".(1)
Bacia Platina (4)
Nota: É possível ter dúvida quanto ao caminho percorrido por André de Leão, dada a assertiva de Glymmer no sentido que os três rios a que se refere, confluem em um só leito segue seu curso o sentido *OCIDENTAL e vão desaguar no Paraguai? Antes porém por uma questão de lógica direcional, afirma "marchamos outra vez a
pé, ao longo de outro rio que desce do lado *ocidental e
não se presta a navegação" Ou seja, a partir de Lorena, seguindo o curso do ribeiro da limeira, que nasce no lado ocidental. Hoje que podemos dispor de GPS, resulta injustificável ter dúvidas, sendo certo que, todas referências do roteiro estão, rigorosamente baseadas na orientações por bússola. Quando então, chega-se a raiz de um monte altíssimo, sendo este transposto em seguida (Garganta do Meia-Lua), caminha-se por campos descortinados com muitos pinheiros. Indubitavelmente, por se tratar de fato notório e incontroverso temos as evidências geográfica no sentido que, da confluência do Rio Verde com o Rio Sapucai e outros, surge em seguida o rio Grande e seus afluentes, que por sua vez, pertence a bacia do rio Paraná, que sem mais delonga, torna absoluta a sentença quanto ao destino dos rios da região do Alto Sapucai, por onde transitava a expedição. O Paraguai. Essa é mais uma conclusão da Comissão do Exército de um homem Só, patrono São Miguel Arcanjo, Defensor da Fé.
Obs: Ocidente (Latim: occidens-pôr do sol,)(3)