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OS SERTÕES PROIBIDOS DA MANTIQUEIRA
Em Minas Gerais não havia somente um único sertão, mas vários9.
As principais descrições indicam ser a região povoada por
inúmeras nações indígenas e com fraca população branca. Na comarca do
rio das Mortes, os sertões eram para os moradores das vilas de São
José e São João del Rei os cerrados do alto São Francisco e as
picadas de Goiás, como então se nomeavam as terras localizadas no
caminho que levava para Vila Boa de Goiás. Para os que residiam na
Borda do Campo, podiam ser as escarpas da Mantiqueira. A região da
atual Zona da Mata era toda conhecida pelo nome de "sertões de
leste," e entre 1768 e 1814, os assentos de batismo da atual cidade
de rio Pomba, localizada naquela paragem, eram abertos com a seguinte
fórmula: Sertão do Rio da Pomba e Peixe dos Índios Cropós e Croatas.
Além destes, para os homens de Vila Rica, os seus sertões eram as
florestas cortadas pelo rio Doce e, para os moradores de Sabará, o
médio São Francisco10.
Para
a região da Mantiqueira, a visão de sertão associava-se aos diversos
grupos indígenas que lá residiam: os coroados, carapós e puris;
todos muito temidos e genericamente denominados botocudos, em virtude
de uma espécie de botoque que os nativos daquela região usavam na
boca e na orelha. Vencê-los, como às condições ambientais da mata
Atlântica e à fauna que por lá vivia, era esforço para poucos.
Percorrer os seus caminhos (ou como observavam as autoridades: os
seus descaminhos), por tropeiros e vaqueiros que desciam e subiam
suas rotas transportando gado e gêneros diversos, ou por "simples"
viajantes que se dirigiam para as partes mais remotas da América
portuguesa, era esforço sobre-humano. Um dado deve ser somado a essas
dificuldades: a ação de salteadores que pelos caminhos andavam
roubando e matando os viandantes11.
A
região da Mantiqueira era um ponto nevrálgico na capitania, por ser
área de fronteira "eriçada de morros elevadas e coberta de vegetação
espessa, foi vista desde cedo o início da exploração aurífera como
terreno propício ao descaminho e contrabando de ouro e pedras
preciosas." Assim, desde o instante em que se abriu o Caminho Novo
que ligava o Rio de Janeiro a Minas Gerais, no final do seiscentos,
instalaram-se registros na serra por onde devia transitar qualquer
comboio que saísse ou qualquer carregamento que entrasse em Minas.
Com exceção dos sesmeiros estabelecidos ao longo daquela estrada,
necessários ao abastecimento dos viajantes e à alimentação dos
animais em trânsito — devido às roças que plantavam e aos pastos que
mantinham —, nenhuma outra pessoa podia se fixar na região12.
Durante
muitos anos, os "matos gerais" da Mantiqueira ficaram esquecidos
pelas autoridades metropolitanas. Registra-se que em 1755, quando
algumas pessoas teriam aberto picadas que cruzavam aqueles sertões, o
governador interino José Antônio Freire de Andrada, 2º
conde de Bobadela (1752-1758), publicou o Bando de 20 de setembro
daquele ano, confirmando os sertões do "distrito da Mantiqueira" como
área proibida.
No ano
anterior, no mês de outubro, o então capitão Manuel Lopes de
Oliveira, morador da fazenda da Borda do Campo, contígua ao sertão da
Mantiqueira, representara ao mesmo governador notícias sobre a
construção de três picadas feitas por "várias pessoas da freguesia da
Borda do Campo", nos "matos gerais do Rio de Janeiro", com o
"pretexto de necessária serventia para as suas fazendas". Como a
abertura das picadas se avolumava naquelas paragens, o alferes João
Carvalho de Vasconcelos, que patrulhava o Caminho Novo, repreendeu
Manuel Lopes, que era o responsável por aquela área, para que "sem
demora mandasse notificar as pessoas (...) para que não continuassem
mais na abertura das ditas picadas"13.
A
preocupação com os desvios era tanta que o mesmo alferes também
notificou o capitão Sebastião Gonçalves Pinto a fim de que este
parasse de incentivar a abertura de rotas alternativas nos sertões da
Mantiqueira, da mesma forma que precedera contra Manuel Lopes de
Oliveira. Ambos foram advertidos "para que as [picadas] não
continuassem até ele governador [2º conde de Bobadela] tomar sobre elas o conhecimento necessário, [com] pena de serem presos"14.
Essa
medida paliativa por parte do alferes não adiantou nada, pois Manuel
Lopes de Oliveira empreendeu política de expansão de terras na
região, independentemente da proibição daqueles sertões.
A
Coroa portuguesa considerava crime de lesa-majestade a abertura de
vias de comunicação (que não fossem autorizadas pela metrópole), por
recear o extravio dos quintos. Muitas vezes grupos de moradores
tentaram abrir estradas à própria custa para facilitar o comércio e
evitar a passagem pelos registros da capitania, onde eram feitos o
controle de entrada e saída de pessoas e mercadorias e a cobrança dos
impostos.
Ações
individuais e coletivas permitiram a criação de desvios nos
intrincados sertões da Mantiqueira. Incorporá-los aos espaços
conhecidos e controlados da capitania correspondia a um processo de
maior envergadura, que compreendia a interiorização da colonização, a
conquista e a preservação dos territórios portugueses. Nesse
contexto, o sertão, entendido como algo movediço e em constante
alteração pela amplitude das explorações, se identificava com quatro
grandes impulsos: o nordestino, voltado para a exploração do litoral
açucareiro e que resultou na luta contra os holandeses; o nortista,
voltado para a exploração da Amazônia; o sulista, até o Prata, tendo
como pólo o Rio de Janeiro; e o paulista, de orientação centro-sul,
devassando o interior da América do Sul — embrenhando-se nas escarpas
da Mantiqueira, principalmente15.
O
governador dom Rodrigo José de Meneses (1780-1783), recebendo
informações sobre a ocupação descontrolada que ocorria naqueles
sertões, da diminuição da arrecadação aurífera e dos boatos
referentes aos extravios de ouro praticados nas infinitas picadas que
cortavam de alto a baixo aquele local, mandou que se averiguasse a
real situação daquela área vedada.
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Nota: Antes da criação da Comarca do Rio das Mortes, a região do Guaipacaré era designada a "Fronteira do Sertão", uma vez que, o limite da capitania de São Paulo no outro extremo era o Monte Caxambu, área sob a jurisdição da Comarca da Vila de Guaratinguetá. Nestas condições as Roças de Bento Rodrigues, era parafraseando, uma exceção concedida a sesmeiros que se estabeleciam ao logo do caminho, objetivando o abastecimento dos viajantes e à alimentação dos animais em trânsito, pelas roças que plantavam, pastos que mantinham. Esses pastos por sua vez, deram origem aos piquetes, sinônimo de cerca de pedra, potreiro, mangueiro, para contenção de animais junto as estalagens etc. Desta feita, o Núcleo Embrião de Piquete se constitui em trecho que já fora denominado, Sertão dos Índios Bravos, Caminho do Sertão, Área Proibida, Sertão da Mantiqueira, Camnho dos Tropeiros etc. Sim, estamos no caminho para Minas do Ouro, Fronteira Histórica! Portando, quando falamos no Sertão que veio a dar origem a comarca do rio das Mortes, vilas de São José e São João del Rei, a região do Alto São Francisco, as picadas de Goiás, caminho que levava para Vila Boa de Goias, estamos falando de um caminho cuja porta de entrada era o Núcleo Embrião de Piquete, com seus aldeamentos, roças e pouso.