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No período colonial, o rio Sapucaí teve grande importância para a sobrevivência de tribos indígenas da nação cataguás; foi local de descobertos de ouro e fixação dos núcleos de povoamento a eles associados; referência para a definição de sesmarias; linha de delimitação de territórios administrativos e eclesiásticos disputados entre São Paulo e Minas; marco para instalação de registros fiscais; espaço de sedições contra as autoridades metropolitanas, conflitos estes que se confundem com o dos quilombos do Sapucahy – tema sempre recorrente na historiografia sobre a escravidão.
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A descoberta do rio Sapucahy é atribuída a diversos bandeirantes paulistas, em expedições datadas desde a última década do século XVI até meados do século seguinte, e presume-se que tenha sido concomitante à descoberta do rio Verde. Teriam chegado ao vale do rio Sapucaí, as expedições de João Botafogo (1596), Martim Correa de Sá, Padre João Farias, Matias Cardoso de Almeida (1664), entre outros, havendo inclusive hipóteses sobre eventuais encontros entre algumas dessas bandeiras. Mas a conquista do vale do Sapucaí como território mineiro foi objeto de duras disputas entre autoridades metropolitanas e forasteiros e bandoleiros que já exploravam o ouro deste território anteriormente à ocupação oficial. Disputas essas acirradas pelo conflito entre as próprias autoridades metropolitanas, civis e eclesiásticas, notadamente entre paulistas e mineiros. A partir da Guerra dos Emboabas (1708/1709), os conflitos pela posse das minas desencadeiam uma séria de medidas administrativas visando assegurar a presença nos sertões das autoridades metropolitanas. Em 1714 foram criadas na região das Minas, comarcas, entre elas a Comarca do Rio das Mortes, tendo como sede a Vila de São João del Rey . Para contestar a delimitação dessa comarca ao sul, autoridades paulistas fixaram novo marco em Caxambu, que foi removido pelos mineiros em 1731, inaugurando uma série de conflitos violentos em que as ordens régias pouco valiam.
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O bando de aditamento ao Regimento de Minerar, de 1736, declarou os sertões como áreas proibidas e, portanto, fechadas à ocupação. Paradoxalmente, no ano seguinte o ouvidor de São João del Rey, Cypriano José Rocha, marca oficialmente a posse do rio Sapucahy para as autoridades da Capitania de Minas. Nas cartas em que narra a “descoberta” do rio Sapucahy, “só conhecido pela tradição dos paulistas”, o ouvidor descreve Campanha como um arraial já estruturado, o que sugere que o povoamento do baixo Sapucaí já vinha acontecendo apesar das vistas grossas das autoridades da Capitania de Minas – separada da Capitania de São Paulo desde 1721. A partir do reconhecimento oficial da região pelas autoridades mineiras, são efetivados os descobertos de ouro em São Gonçalo do Sapucaí (1739) e Santana do Sapucaí (1746). A posse canônica do segundo descoberto em 1750 teria ensejado conflitos entre o Bispado de Mariana, de Minas Gerais e o Bispado de Guaratinguetá, de São Paulo. Tais conflitos já vinham desde 1747, quando da “Questão das Cinco Igrejas”, em que os bispados disputavam a jurisdição eclesiástica sobre as igrejas de Aiuruoca, Baependi, Campanha, Carrancas e Pouso Alto. O rio “Sapucahy” era a linha divisória entre as duas dioceses. A cartografia da época sobre os limites entre as capitanias evidencia os conflitos entre ambas.
No mapa “Demonstração de P.te da Diviza desta Capitania com a de S. Paulo”, produzido por volta de 1800, encontra-se representada a divisa entre Minas Gerais e São Paulo, bem como a rede de caminhos entre essas duas capitanias, tendo os rios Paraíba, Baependi, Aiuruoca, Verde e Sapucahi [Sapucaí] e a Serra da Mantiqueira como referências. (COSTA. A., 2007, p. 158)
Este mapa apresenta uma curiosa inversão na representação cartográfica tradicional entre o Norte e o Sul, sendo a capitania de São Paulo desenhada na parte setentrional e a capitania de Minas, na porção meridional. Nesta porção figura parte do vale do rio Sapucahy. Foram assinalados a posteriori, seguindo as indicações da legenda do mapa, o registro de Itajubá (n. 7); a Vila de Campanha (n. 10), criada em 1798; o Arraial de São Gonçalo (n. 11) e o Morro do Lopo (n. 16).
O combate das autoridades mineiras aos conflitos “de Campanha”, do “rio Verde” e do “Sapucaí” – denominações dadas pela historiografia provavelmente ao mesmo episódio – se confunde com a questão do combate ao “quilombo do Sapucahy”. Segundo a historiadora Carla Anastasia (2005), a expressão quilombo aparece na documentação da época significando indistintamente tanto os agrupamentos de escravos fugidos quanto os motins.
Os códices do Arquivo Público Mineiro que tratam do combate ao quilombo do Sapucahy dão margem aos dois sentidos da expressão quilombo. O primeiro é a carta de 03 de dezembro de 1751 sobre o levante provocado pelo chefe do quilombo Sapucahy em que foram expulsos os donos das lavras. Este códice ainda inclui a petição para que sejam capturados os alevantados . Segundo a carta, o levante teria ocorrido “no districto de São Gonçalo do Rio Verde, junto ao Ryo Sapucahy”.
O segundo documento, datado de 14 de novembro de 1759, é a carta do Governador José Antonio Freire de Andrade sobre as providências tomadas quanto à destruição do quilombo do Campo Grande e às dificuldades para a destruição do quilombo do Sapucahy.
E o terceiro é a carta referente à destruição do quilombo do Sapucaí, datado de 26 de novembro de 1760.
A principal referência da cartografia histórica sobre os quilombos do Sul de Minas, o “Mapa do Capitão França”, provavelmente de 1765, seria posterior à destruição do quilombo do Sapucaí. Entre os inúmeros quilombos assinalados nos vales do rio Sapucaí e Verde, o mapa já não identifica nenhum quilombo com a designação de Sapucaí.
Mas o combate ao “quilombo do Sapucay” parece ter mobilizado grande volume de recursos tanto da Metrópole Portuguesa quanto das principais vilas da Capitania de Minas, o que sugere tratar-se mais de um motim do que de um quilombo de escravos. Mas a dúvida persiste, haja vista o verbete “quilombo do Sapucaí” do Dicionário Histórico Brasil Colônia e Império (2002).
O Dicionário informa, sem citar a data, que o combate ao quilombo do Sapucaí foi financiado pelos Senados da Câmara de Vila Rica, de Mariana, de São João del-Rei, de São José [Tiradentes], Sabará e Vila Nova da Rainha [Caeté]. Para esta expedição, as câmaras contribuíram com 2750 oitavas de ouro, ficando responsáveis pela manutenção dos integrantes, enquanto o rei de Portugal forneceu as armas, pólvoras e balas. Segundo a mesma fonte, estima-se em 600 negros o número de habitantes do Quilombo do Sapucaí, considerado o mais antigo da Capitania. (BOTELHO; REIS, 2002).
Os conflitos entre paulistas e mineiros prosseguem, sendo impossível a escolha de um marco topográfico de consenso entre os litigantes. Em 1765, atendendo a reclamações dos paulistas, o Vice-rei do Brasil, Conde da Cunha, D. Antonio Álvares da Cunha (1763-1767), teria cedido a eles a margem esquerda do Rio Sapucahy.
Mas ao que indicam as fontes, a determinação não foi cumprida, pois nesta mesma data a Capitania de Minas concedia sesmarias do lado esquerdo do rio Sapucaí.
......................................................................................................................................................Fonte: http://migre.me/7QW7G.