Um enorme litoral. E só. Durante mais de um século, os portugueses não
avançaram quase nada na demarcação de sua nova colônia na América. Para
aquele modelo de exploração inicial, bastava-lhes conhecer os contornos
da costa, os portos, as baías e terras próximas, onde os engenhos se
multiplicavam.
O interior brasileiro não existia nos mapas. Ou melhor, existia, mas
apenas como espaço simbólico: bandeiras, brasões, fortes, fortalezas e a
linha de Tordesilhas eram os elementos gráficos utilizados para
enfatizar direitos de domínio e titularidade sobre aquelas terras.
Só a partir de 1630 o espaço virtual começou a ganhar contornos reais. E
pelas mãos de inimigos: os holandeses. O estabelecimento da Companhia
das Índias Ocidentais no Nordeste deu impulso à cartografia terrestre e
ao mapeamento in loco dos sertões brasílicos. De parceiros fiéis dos
portugueses e súditos do Império espanhol, os invasores se converteram
nos seus mais vorazes concorrentes ao longo do século XVII. A
cartografia tinha um papel estratégico para eles: os mapas serviam como
propaganda das conquistas militares holandesas, que ampliavam suas rotas
comerciais e a produção de matéria-prima na Ásia, na África e na
América.
Alguns mapas holandeses influenciaram o imaginário geográfico do
período. Difundiram, por exemplo, a representação de uma grande lagoa no
interior do continente sul-americano — que corresponde atualmente à
região do Pantanal —, conectando a bacia do Amazonas ao estuário
platino, num sistema hídrico único e contíguo. Segundo Jaime Cortesão,
grande estudioso da cartografia luso-brasileira, essa convicção —
denominada “Ilha Brasil” — constituiu o mito fundador do Brasil como
Estado independente, uma vez que o mostrava como entidade geográfica
autônoma.
Apesar das contribuições holandesas, nas primeiras décadas do século
XVIII os mapas do Brasil ainda retratavam um espaço aparentemente
incógnito, povoado de topônimos indígenas, animais selvagens e
figurações alegóricas, sem maiores indicações de uma ocupação estável.
Foi o acirramento da concorrência expansionista entre impérios após o
Tratado de Paz de Utrecht (1713) que impeliu a Coroa portuguesa a
investir numa política mais sistemática de formação de quadros para o
mapeamento dos seus domínios, em particular o sul-americano. Na prática,
esse acordo tornava inválido o antigo Tratado de Tordesilhas, firmado
entre as coroas ibéricas em 1494.
Na década de 1720, Guillaume Delisle, geógrafo do rei da França,
apresentou uma dissertação na Academia das Ciências de Paris na qual
revia os cálculos de longitude dos portugueses, questionando sua
soberania na margem esquerda do Rio do Prata e nas terras do Cabo do
Norte (fronteira com a Guiana Francesa). O estudo teve repercussão
imediata na Academia Real de História Portuguesa, onde já se preparavam
novas cartas geográficas de todo o império, sob a coordenação do
engenheiro-mor do Reino, Manoel de Azevedo Fortes. A polêmica acelerou a
necessidade de produzir documentação que comprovasse a ocupação
portuguesa na América do Sul.
Com esse objetivo, em 1729 partiram para o Brasil os padres jesuítas e
matemáticos Domenico Capassi e Diogo Soares, a mando do rei D. João V.
Sua missão era elaborar um Atlas do Brasil com informações atualizadas
das longitudes. Embora o trabalho não tenha sido finalizado, os dois
jesuítas produziram uma série de mapas da costa e do interior do
continente, do Sul de Minas à Colônia do Sacramento (atual cidade de
Colônia, no Uruguai). Juntamente com outros mapas preparados por
missionários do Paraguai e por sertanistas, as obras dos padres
matemáticos foram utilizadas para a composição do Mapa das Cortes
(1749), encomendado por Alexandre de Gusmão (1695-1753), diplomata e
secretário particular do rei. O Mapa das Cortes serviu de base para as
negociações do Tratado de Madri (1750), que atualizava a linha divisória
entre as possessões portuguesas e espanholas na América.
Novo tratado, novas fronteiras, novas iniciativas cartográficas para a
demarcação territorial. A partir da segunda metade do século XVIII, mais
de uma centena de engenheiros militares, astrônomos, matemáticos e
desenhistas se envolveram no trabalho de redefinir os domínios
luso-espanhóis. A empreitada foi tão marcante que transformou o
povoamento das fronteiras mais longínquas, com a construção de
fortalezas e o estabelecimento de núcleos urbanos em regiões antes
habitadas por indígenas ou, eventualmente, missionários, quilombolas e
atravessadores de mercadorias.
A principal síntese cartográfica manuscrita dos domínios americanos
nesse período foi a Carta Geographica de Projeção Espherica da Nova
Lusitânia ou América Portuguesa e Estado do Brasil, composta sob a
direção do astrônomo mineiro Antonio Pires da Silva Pontes Leme
(1757-1805) a pedido do ministro D. Rodrigo de Souza Coutinho e
concluída em 1797. Pontes Leme compilou na Secretaria de Estado da
Marinha mais de oito dezenas de mapas em escala regional, executados
durante as demarcações do Tratado de Madri e do de Santo Ildefonso
(1777). Fonte: http://migre.me/9nqD2