A Coroa portuguesa preferia manter os mapas em cópias manuscritas, para
preservar informações relacionadas à defesa militar e controle das
rotas comerciais. Havia uma diferença importante entre mapas manuscritos
e os mapas impressos difundidos nos atlas e livros de viagens. Os mapas
impressos estavam sempre desatualizados em relação ao conhecimento
vigente. Somente homens ligados à administração pública — como
governadores de capitania, engenheiros militares e magistrados — tinham
acesso a mapas manuscritos, para orientar expedições de exploração do
território. O conhecimento adquirido nas expedições do século XVIII só
começou a ser de fato difundido com a criação, em 1798, da Sociedade
Real Marítima, Militar e Geográfica para o Desenho, Gravura e Impressão
das Cartas Hidrográficas, Geográficas e Militares. Por meio dela,
Portugal definia pela primeira vez uma política oficial de impressão e
comercialização de mapas dos seus domínios. O objetivo era corrigir
deformações e erros veiculados pela cartografia estrangeira, sobretudo
holandesa, francesa e inglesa. No alvará de criação da Sociedade Real, a
rainha Maria I menciona a escassez de mapas acurados: “e sendo-me
presente (...) a falta e penúria que sente a minha Marinha Real e
Mercante de boas Cartas hidrográficas, achando-se até a necessidade de
comprar as das nações estrangeiras, e de servir muitas vezes de algumas,
que pela sua incorreção expõem os navegantes a gravíssimos perigos”. A
Sociedade Real Marítima foi incumbida de examinar, corrigir e aprovar a
venda de todas as cartas impressas em Portugal ou no estrangeiro.
A vinda da Corte para o Brasil, em 1808, foi um novo marco para a
“descoberta” geográfica do território. Mais de mil cartas e planos da
Sociedade Real Marítima foram transportados para o Rio de Janeiro. Em
seguida, a Coroa solicitou a todos os governadores que enviassem os
mapas e as cartas geográficas e topográficas existentes em suas
capitanias para o recém-criado Arquivo Militar. De imediato, a Imprensa
Régia iniciou a publicação de mapas, o que evidencia uma mudança de
estratégia quanto à difusão dos conhecimentos cartográficos: agora eles
eram considerados instrumentos imprescindíveis para o desenvolvimento do
comércio, a construção de portos fluviais e a exploração das riquezas
naturais do Brasil. Não por acaso, a abertura dos portos marítimos
estimulou a liberalização da navegação fluvial para facilitar o
escoamento da produção agrícola.
Ainda assim, até a Independência foram escassas as imagens de conjunto
do Brasil produzidas pela cartografia impressa portuguesa. As
representações continuaram sendo difundidas principalmente pelos livros e
atlas estrangeiros, que, por sua vez, plagiavam mapas elaborados no
século XVII pela Companhia das Índias Ocidentais.
Com o estreitamento das relações diplomáticas e militares com a
Inglaterra, Londres tornou-se um centro de gravação e impressão de
mapas, elaborados a partir da cartografia manuscrita portuguesa. Os
franceses, por sua vez, se valiam de informações produzidas por
cartógrafos espanhóis para compor mapas da América meridional,
demarcando seus interesses geopolíticos na região das Guianas (Caiena).
Assim como os autores dos primeiros romances de folhetim brasileiros,
que se inspiravam em relatos de viajantes estrangeiros para compor seus
personagens e episódios, a percepção da territorialidade sul-americana
também era filtrada pelo olhar interessado das potências
marítimo-comerciais. Tanto nos mapas franceses como nos ingleses,
percebe-se um claro destaque das informações de natureza etnográfica,
hidrográfica e comercial. No conhecido mapa da América do Sul editado
pela casa de Arrowsmith em 1814, os nomes das etnias indígenas aparecem
grafados em tamanho maior do que os nomes das cidades ou vilas,
produzindo uma percepção fragmentada, indistinta e hipertrofiada da rede
urbana e administrativa portuguesa.
Muito mais fidedignos e úteis eram os mapas manuscritos difundidos
naquele início do século XIX. Eles auxiliaram as reformas necessárias à
nova capital do império, como o estabelecimento dos correios públicos e o
controle fiscal de caminhos, estradas e vias fluviais. No atlas Guia
dos Caminhantes (1816), preparado pelo ilustrador baiano Anastácio de
Sant’Anna (conhecido como “Pardo Velho”), são detalhadamente
apresentados os caminhos e as estradas existentes na época da elevação
do Brasil a Reino Unido de Portugal e Algarve. O autor comenta que
desejava eliminar “erros cartográficos” difundidos pelos mapas impressos
e roteiros preparados pelos “homens de ciência”, dispondo-se a
apresentar uma representação atualizada da rede de comunicações internas
e da ocupação territorial.
Sant’Anna dedica seu trabalho aos comerciantes, fazendeiros e feitores,
e faz uma série de recomendações aos jovens americanos, em tons
nitidamente patrióticos. Seus mapas registram a trama das estradas
reais, registros fiscais, rede de vilas, feiras, freguesias e pousos,
além de farta informação sobre a presença das populações indígenas e
africanas.
O crescente interesse em conhecer a geografia brasileira se refletia
até mesmo nas páginas dos jornais da época. Eles mantinham seções
especiais para a edição de roteiros de viagens e memórias estatísticas,
escritos por engenheiros militares, cartógrafos, naturalistas,
mineralogistas e magistrados. Raramente os relatos vinham acompanhados
de representações cartográficas, mas a divulgação desses textos, muitos
deles inéditos, foi um estímulo importante para a formação da
consciência territorial entre o público leitor.
O Brasil como entidade geopolítica estava sendo inventado naquele
momento. Descrever o território físico, as riquezas naturais e a
população passou a ser tarefa prioritária para uma geração de cientistas
e administradores públicos que apostaram no projeto de transformar o
Brasil em centro político do Império português.
Fonte: http://migre.me/9nqD2
Mapas de Santos, Carta corográfica - Capitania de S. Paulo, 1766 (http://migre.me/9nrEj)
Mapas de Santos, Carta corográfica - Capitania de S. Paulo, 1766 (http://migre.me/9nrEj)
Nota: Resta indubitável que, a expedição de André de Leão, em conformidade com os relatos de Grymmer, enviada ao sertão em 1601, cuja toponímias coincidem com as do presente mapa de Santos, elaborado em 1776, com particular atenção aos limites com Minas Gerais, (Alto da Serra), resultou de informações de alguém que estava ligado à administração pública, já naquela época, no caso D. Francisco de Souza 7º Governador Geral do Brasil. Ou seja, o não acesso as cartografias oficiais, guardadas como segredos de Estado, não justificam as divergências contidas nos primeiros estudos historiograficos dos roteiros? A prevalência do não menos importante, relatos de Andre João Antonil, em detrimento de outros roteiros somente mais tarde divulgados, não se deveu a esse segredo? Ou, o também governador, Martins Corrêa de Sá em 1597, partindo do Rio de Janeiro e chegado ao Rio Sapucai ou Verde, não teria se valido das mesmas informações privilegiadas, passando pelo Alto da Serra, desfiladeiro de Itajubá, Garganta do Sapucaí?