sexta-feira, 15 de junho de 2012

O amor eterno e o O retrato do rei - O amor eterno e o romance O retrato do rei - Marta Rezende

Entrevista de Ana Miranda a Marta Rezende
 
M - O retrato do rei logo fará 20 anos. Você publicou muito depois disso. Como vê hoje esse romance no seu processo de criação literária, ou seja, o que ele representa para você agora?

A - Sim, Marta, escrevi muitos livros desde então, e me sinto, esteticamente falando, literariamente falando, distante desse momento registrado pelo O retrato do rei. É um livro bastante respeitoso quanto às regras de construção de um romance clássico, com os diálogos, as descrições... Hoje escrevo de forma muito mais livre e pessoal. No entanto, creio que o meu amor pelo livro, pelos personagens, cresceu, e sou capaz de compreendê-lo de forma mais ampla. Ele tem qualidades maravilhosas, decorrentes do próprio tema, da época, dos lugares onde se passa. Ouro, uma guerra nativista... Tem um frescor, uma juventude... E, além disso, é o livro predileto de meu filho.


M- Em conversas sobre a guerra do emboabas, sempre indico O retrato do rei como referência importante. Não raro escuto a pergunta de historiadores: é ficção ou história? Remeto sempre à bibliografia que apresenta no final do livro, mesmo assim fica essa dúvida. Exemplo disso: as condições de saúde e alimentação à época da guerra que o livro relata de modo muito interessante e também a história do retrato do Dom João V com suposto poder de colocar fim ao conflito. Enfim, o que é ficção e o que é história nesse romance?


A - Durante muitos anos foi um dilema para mim essa questão dos limites entre história e ficção, muitas questões irrespondíveis me deixavam sem sono. Até que um dia percebi que a resposta é simples: num romance, tudo é ficção. O romance é um gênero realista, que tem compromisso com a verossimilhança, mas pode trabalhar com fontes as mais diversas, por exemplo, com as memórias pessoais, ou as memórias familiares de um autor. Da mesma forma, pode trabalhar com a memória literária, ou a memória histórica de um país. Mas, sempre, haverá uma presença da experiência pessoal do autor, sejam quais forem os elementos por ele escolhidos. Aliás, a escolha dos elementos, do tema, já é um subjetiva. Sempre o romance será ficção. De toda forma, gosto de deixar claro que, embora ciente de que estou escrevendo ficção, trabalho com elementos anotados de realidades, e respeito ao máximo as informações que encontro.


M - Você realizou trabalho de campo quando fazia a pesquisa, ou seja, visitou lugares que foram palco do conflito? Se sim, conte um pouco desse processo e o que isso ajudou na criação da sua história.


A - Conheço muito bem Minas Gerais. Desde adolescente eu ia a Ouro Preto, na década de 1960, subia e descia ladeiras, dormia em casa de moradores, entrava em repúblicas, fazia pequenas esculturas de pedra-sabão, conversava com gente das ruas... Conheço Mariana, Sabará, Tiradentes, São João d'El Rei... Fazendas, sítios... Caminhos... Isso, claro, ajudou-me a sentir alguns aspectos para enriquecer o livro, porque muito se pode encontrar nos livros e documentos, e pode ser arriscado olhar o presente em busca do passado, pois as cidades mudam, muito, até a natureza muda. Mas é maravilhoso saber, por exemplo, a sensação de estar cercado de montanhas.... ou a luminosidade, as cerrações, o modo do crepúsculo... A entonação das pessoas, o cheiro da comida... Isso é perceptível, quando visitamos o lugar. Mas, sempre pode haver um texto de algum autor, com esses registros sensoriais. Ou seja, a ida ao local não é imprescindível. Imprescindível é a capacidade de imaginação, de transporte pessoal, a percepção, e até algumas percepções extra-sensoriais, ou seja, além dos cinco sentidos... Muita coisa precisa ser adivinhada.


M - O retrato do rei trata da violência na corrida ao ouro em Minas Gerais no início do século XVIII e também do amor da sofrida personagem Mariana. Fale para nós um pouquinho sobre o que anda refletindo atualmente sobre violência e amor.


A - São aspectos das vidas, todas as vidas, em todas as épocas. O amor é um sentimento, e a violência, uma qualidade, a qualidade do violento. São antagônicos, o amor é carregado da ideia de paz, talvez pelos ensinamentos do Cristianismo, Paz & Amor é até um lugar-comum. Mesmo não sendo puramente assim, sabemos como as relações de amor contém momentos de agressividade, violência. E a violência, o contrangimento físico ou moral, a coação, é um elemento da guerra, da inquietação, da revolta, do desentendimento, da intolerância.... Filosoficamente, são antagônicos, em seus sentidos. Mas, como todos os opostos, acabam se unindo em algum ponto, quando às vezes a violência é cometida por amor, ou quando a violência acaba gerando um estado de paz..... ou, pelo outro lado, quando o amor pode gerar situações de violência. Quando a violência aproxima... Nada se disassocia, neste campo. Sei que, quanto mais sofremos violências, mais almejamos o amor.. E sei, também, que precisamos de amor, não de violência, para sermos melhores do que somos. A violência´nos é inerente, infelizmente, pois somos animais, ainda, em nossas partes mais profundas. Ainda matamos animais para comermos. Ainda matamos. Ainda maltratamos... A violência é carnal. O amor seria o espírito. Quanto mais amamos, mais temos capacidade de amar, mais somos desenvolvidos. A violência é primitiva. O amor é elevado. Infelizmente, nós, seres humanos, temos os dois elementos. A mensagem do Cristianismo, e de outras religiões, crenças, filosofias, é o amor, é o crescimento espiritual. Devemos amar.


M - Há uns anos atrás, fizemos um evento em Ouro Preto em comemoração aos 10 anos de O retrato do rei, nos dando o prazer da sua companhia. Você foi então presenteada com uma pintura do Afonso Penna com o seu retrato. Fico curiosa sobre isso porque à época essa pintura me pareceu interessante, mas hoje tenho dúvidas até mesmo se ela de fato existiu. Ela existe?


A - Sim, essa pintura existe, é linda, está comigo, há anos. Está afetada pela maresia, pois, quando me mudei para cá [Fortaleza] , meus pertences ficaram ancaixotados por alguns meses, enquanto eu terminava a reforma da casa, e a umidade, a maresia, estragaram muitas coisas preciosas para mim, cheguei a perder uma quantidade imensa de livros, alguns quadros, desenhos meus... Um acidente, acontecem... Mas,mesmo se não existisse essa pintura, fosse apenas um sonho, sempre eu iria me recordar de você, do pintor, o Afonso Penna, da homenagem, daquela contadora de histórias [Angela Xavier] , extraordinária, que girava o xale... e sabia o livro de cor...


M - É isso Ana, se quiser, escreva sobre outras coisas também.


A - Estou feliz de voltar a Ouro Preto. Espero encontrar a cidade ainda mais bonita.


Ana Miranda vai participar do Fórum das Letras 2009, no debate Ficção, lugar e história: (des) encontros entre literatura e vida, quinta-feira, 29 de outubro, às 16:30 h, no Cine Vila Rica, entrada gratuita.


Além de O retrato do rei, Ana Miranda é autora de Boca do Inferno, Desmundo, Amrik, Clarice, Dias e Dias, Yuxin, entre outros.
 
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TRECHO: "Já entramos no Sertão das Minas? , perguntou Mariana, ao atingirem o sopé de uma montanha. Sim, disse Valentim, abaixando-se e recolhendo um punhado de terra vermelha. Aqui começa o Embaú. Embaú quer dizer garganta, vale.  Estais vendo aqueles morros? Valentim apontou uma massa verdejante de matas. São a Mantiqueira , ele disse. Muros altos, para que nas Minas não cheguem os fracos"(Fonte: Miranda, Ana, 1951- O retrato do rei / Ana Miranda. — São Paulo : Companhia das Letras, 1991. pág. 109/117 http://migre.me/9uN79)

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Fotos tirada por  André de Lorena-SP

GUIA DA UNESCO - Una guía para la administración de sitios e itinerarios de memoria.

Ficha 22: Ruta de la libertad (A Rota da Liberdade), São Paulo, Brasil (A Rota da Liberdade), São Paulo, Brasil ■ ANTECEDENTES ■ ANTECED...