domingo, 17 de março de 2013

Os sertões proibidos da Mantiqueira: desbravamento, ocupação da terra e as observações do governador dom Rodrigo José de Meneses*


RESUMO
Os sertões da Mantiqueira eram considerados pela Coroa portuguesa área proibida ao povoamento e à exploração econômica. Entretanto, ao longo do século XVIII, essa região foi ocupada fortuitamente e à revelia da lei. Demonstrar os significados, à ocupação e o entendimento dos sertões como algo movediço e em constante alteração será o nosso objetivo inicial de análise. A seguir, analisaremos as maneiras utilizadas pelos moradores dos sertões para burlar as proibições de usufruto daquelas terras, destacando-se, sorrateiramente, as atividades empreendidas por José Aires Gomes. Por último, mostraremos as  observações que o governador dom Rodrigo José de Meneses legou-nos de sua viagem àquelas paragens, a fim de normalizar as ocupações das terras proibidas da Mantiqueira. Palavras-chave: Minas Gerais. Mantiqueira. Sertões. Ocupação da terra.

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A região da Mantiqueira era um ponto nevrálgico na capitania, por ser área de fronteira “eriçada de morros elevadas e coberta de  vegetação espessa, foi vista desde cedo o início da exploração aurífera como terreno propício ao descaminho e contrabando de ouro e pedras preciosas.” Assim, desde o instante em que se abriu o Caminho Novo que ligava o Rio de Janeiro a Minas Gerais, no final do seiscentos, instalaram-se registros na serra por onde devia transitar qualquer comboio que saísse ou qualquer carregamento que entrasse em Minas. Com exceção dos sesmeiros estabelecidos ao longo daquela estrada, necessários ao abastecimento dos viajantes e à alimentação dos animais em trânsito — devido às roças que plantavam e aos pastos que mantinham —, nenhuma outra pessoa podia se fixar na região12. Durante muitos anos, os “matos gerais” da Mantiqueira ficaram esquecidos pelas autoridades metropolitanas. Registra-se que em 1755, quando algumas pessoas teriam aberto picadas que cruzavam aqueles sertões, o governador interino José Antônio Freire de Andrada, 2º conde de Bobadela (1752-1758), publicou o Bando de 20 de setembro daquele ano, confirmando os sertões do “distrito da Mantiqueira” como área proibida. No ano anterior, no mês de outubro, o então capitão Manuel Lopes de Oliveira, morador da fazenda da Borda do Campo, contígua ao sertão da Mantiqueira, representara ao mesmo governador notícias sobre a construção de três picadas feitas por “várias pessoas da freguesia da Borda do Campo”, nos “matos gerais do Rio de Janeiro”, com o “pretexto de necessária serventia para as suas fazendas”. Como a abertura das picadas se avolumava naquelas paragens, o alferes João Carvalho de Vasconcelos, que patrulhava o Caminho Novo, repreendeu Manuel Lopes, que era o responsável por aquela área, para que “sem demora mandasse notificar as pessoas (...) para que não continuassem mais na abertura das ditas picadas”13. A preocupação com os desvios era tanta que o mesmo alferes também notificou o capitão Sebastião Gonçalves Pinto a fim de que este parasse de incentivar a abertura de rotas alternativas nos sertões da Mantiqueira, da mesma forma que precedera contra Manuel Lopes de Oliveira. Ambos foram advertidos “para que as [picadas] não continuassem até ele governador [2º conde de Bobadela] tomar sobre elas o conhecimento necessário, [com] pena de serem presos”14. Essa medida paliativa por parte do alferes não adiantou nada, pois Manuel Lopes de Oliveira empreendeu política de expansão de terras na região, independentemente da proibição daqueles sertões. A Coroa portuguesa considerava crime de lesa-majestade a abertura de vias de comunicação (que não fossem autorizadas pela metrópole), por recear o extravio dos quintos. Muitas vezes grupos de moradores tentaram abrir estradas à própria custa para facilitar o comércio e evitar a passagem pelos registros da capitania, onde eram feitos o controle de entrada e saída de pessoas e mercadorias e a cobrança dos impostos. Ações individuais e coletivas permitiram a criação de desvios nos intrincados sertões da Mantiqueira. Incorporá-los aos espaços conhecidos e controlados da capitania correspondia a um processo de maior envergadura, que compreendia a interiorização da colonização, a conquista e a preservação dos territórios portugueses. Nesse contexto, o sertão, entendido como algo movediço e em constante alteração pela amplitude das explorações, se identificava com quatro grandes impulsos: o nordestino, voltado para a exploração do litoral açucareiro e que resultou na luta contra os holandeses; o nortista, voltado para a exploração da Amazônia; o sulista, até o Prata, tendo como pólo o Rio de Janeiro; e o paulista, de orientação centro-sul, devassando o interior da América do Sul — embrenhando-se nas escarpas da Mantiqueira, principalmente15. O governador dom Rodrigo José de Meneses (1780-1783), recebendo informações sobre a ocupação descontrolada que ocorria naqueles sertões, da diminuição da arrecadação aurífera e dos boatos referentes aos extravios de ouro praticados nas infinitas picadas que cortavam de alto a baixo aquele local, mandou que se averiguasse a real situação daquela área vedada. Procurando constatar as razões que levaram a tão descontrolada povoação, dom Rodrigo percebeu que a mesma se iniciou à custa do tenente-coronel Manuel Lopes de Oliveira, que “alucinara” (subornara) o governador interino José Antônio Freire de Andrada para ser publicado o bando de fechamento daquelas terras, de modo a “ficar sendo o único possuidor de todo o terreno que quisesse apropriar-se”, para que pudesse “receber as utilidades e conhecer os intrincados caminhos”, apossando-se das suas riquezas minerais16. Essa mesma prática clandestina, apoiada nas atitudes de Manuel Lopes, que “soube pintar os danos que causaria abrir aquele sertão (...) fazendo todos os esforços enquanto viveu”, foi seguida pelo seu genro José Aires Gomes, que desde os tempos do governador José Luís de Meneses Abranches Castelo Branco e Noronha, 6º conde de Valadares (1768-1773), usufrui as mesmas “utilidades” e os “intrincados caminhos” que cortavam os sertões da Mantiqueira, procurando afastar “toda a idéia de que nele houvesse ouro”, a fim de impedir que as autoridades e os governadores devassassem a região em busca de novos regatos auríferos. Aires Gomes, quando soube de providências estatais para verificar a região, protestou junto ao governador conde de Valadares, convencendo-o a abandonar qualquer idéia desta natureza17
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