quinta-feira, 14 de abril de 2016

A PRESENÇA DO ELEMENTO SUDANÊS NAS MINAS GERAIS (Transcrição)

A partir dos primeiros anos do século XX desenvolveu-se controvérsia relativa à composição étnica e/ou lingüística dos escravos negros trazidos da África ao Brasil. Outro ponto de divergência referiu-se à distribuição do elemento africano no território brasileiro. Segundo R. Nina Rodrigues (Os Africanos no Brasil) e Arthur Ramos (As Culturas Negras no Novo Mundo) para aqui dirigiram-se tanto sudaneses como bantos. Os primeiros teriam ampla participação relativa na Bahia e, talvez em menor escala, em Pernambuco e Maranhão; os bantos, por sua vez, ocupariam área maior, do Maranhão ao centro e sul do País. Estes autores vieram pôr cobro a engano largamente difundido e que perdurou por longo período na historiografia brasileira. Referimo-nos, em particular, a Spix e Martius (Viagem pelo Brasil); segundo eles, somente os bantos teriam composto a população negra do Brasil. Lembre-se que a tese desses visitantes foi endossada por vários historiadores entre os quais encontramos Sílvio Romero e João Ribeiro. Afirmam, por seu lado -- ao fazerem reparos à tese de Nina Rodrigues e Arthur Ramos sobre a dispersão dos africanos no território nacional --, F. M. Salzano e N. Freire-Maia: "há evidência de que o esquema (...) de Nina Rodrigues e Arthur Ramos não correspondia totalmente à realidade dos fatos. Há, por exemplo evidência de caráter histórico e lingüístico da presença de largos contingentes de sudaneses em Minas Gerais" (Populações Brasileiras. Aspectos demográficos, genéticos e antropológicos). A corroborar a opinião destes últimos autores encontram-se os trabalhos de Iraci del Nero da Costa (Vila Rica: Mortalidade e Morbidade, 1799/1801) e de Lucinda C. M. Coelho (Mão-de-obra Escrava na Mineração e Tráfico Negreiro no Rio de Janeiro). Por outro lado, vem-se firmando o consenso de que os sudaneses foram levados para as Minas Gerias em razão de possuírem conhecimento técnico mais avançado e estarem familiarizados com os trabalhos de mineração em suas "nações" de origem. como anotou C. R. Boxer: "Os mineiros preferiam os 'minas' exportados principalmente de Ajuda, tanto por serem mais fortes e mais vigorosos do que os bantos como porque acreditavam terem eles poder quase mágico para descobrir outro (...) A procura dos 'minas' também se vê refletida nos registros dos impostos para escravos, fosse para pagamento dos quintos ou para o da capitação" (A Idade de Ouro do Brasil). As habilidades, as qualificações relativas, assim como a adaptabilidade dos bantos e sudaneses à lide mineratória foram, desde os primórdios do estabelecimento da economia mineira, avaliados distintamente. O confronto de textos coevos evidencia as mudanças verificadas na apreciação desses dois grupos. Em Carta Régia de 1711 lê-se: "Me pareceu resolver que os negros que entrarem neste Estado [Brasil], vindos da Angola, e forem enviados por negócio para as Minas paguem de saída a seis mil réis, (...) e os que forem da Costa da Mina, e se remeterem também para as Minas, paguem três mil réis por cabeça, (...) por serem inferiores, e de menos serviços que os de Angola."
Em carta do marquês de Angeja, vice-rei do Brasil, escrita em 1714, revela-se opinião divergente: "Pela cópia do edital que com esta remeto será presente a Vossa Majestade ter-se dado cumprimento ao que foi servido ordenar por esta Provisão e como nela se determina que os negros que viessem de Angola para esta praça e dela fossem por negócio para as Minas pagassem à saída seis mil réis por cabeça, sendo peças da Índia e os da Costa da Mina a três mil réis por serem inferiores e de menos serviços que os de Angola, o que é tanto pelo contrario, que os que vêm da Mina se vendem por preço mais subido por ter mostrado a experiência dos mineiros serem estes mais fortes e capazes para aturar o trabalho a que os aplicam; o que me obrigou a consultar esta matéria com os Ministros, e pessoas de mais inteligência e resolvi que vista a equivocação que houve no valor de uns e outros negros pagassem todos igualmente quatro mil e quinhentos por cabeça..."
Em 1725, o Governador da Capitania do Rio de Janeiro voltava ao tema e reafirmava a "superioridade" do elemento sudanês: "As Minas é certo, que se não podem cultivar senão com negros (...) os negros minas são os de maior reputação para aquele trabalho, dizendo os Mineiros que são os mais fortes, e vigorosos, mas eu entendo que adquiriram aquela reputação por serem tidos por feiticeiros, e têm introduzido o diabo, que só eles descobrem, e pela mesma causa não há Mineiro que se possa viver sem nem uma negra mina, dizendo que só com elas tem fortuna." Tais documentos patenteiam que, apesar do erro inicial de avaliação por parte da Coroa, logo evidenciou-se a preferência dos mineiros pelos negros "Mina". Certamente seu propalado poder diabólico para encontrar ouro nada mais era do que o resultado de conhecimentos minerais adquiridos na África. Neste artigo apresentamos contribuição ao estudo do tema em tela. Para avaliarmos a presença e o peso relativo de Bantos e Sudaneses servimo-nos de fontes primárias de variada espécie, abarcando largo espaço temporal e alguns dos principais núcleos mineratórios das Minas Gerais. Com respeito a Vila Rica utilizamos os registros de óbitos da freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Antônio Dias, uma das duas existentes, no período colonial, em Outro Preto. Consideramos, ademais, os dados empíricos revelados por Herculano Gomes Mathias (Um recenseamento na Capitania de Minas Gerais - Vila Rica 1804), relativos ao levantamento populacional efetuado em Minas no ano de 1804. Relativamente aos demais centros mineratórios operamos com listas nominativas para efeitos fiscais referentes a Pitangui, Itatiaia e São João d'El Rei. Com respeito aos registros de óbitos de Antônio Dias consideramos o período 1719-1818. Só a partir da segunda década do século XVIII podemos contar com registros contínuos e em bom estado de conservação. Este fato determinou o limite cronológico inferior do período selecionado para estudo. O limite superior -- final do primeiro quinto do séculodezenove -- escolheu-se porque, a esse tempo, apresentava-se definitivamente superada a exploração aurífera nas Minas Gerais e escoara-se o período que se nos apresenta como de transição da atividade exploratória para a agrícola. Assim, o período analisado abarca o surto mineratório, seu auge e decadência, captando as repercussões sócio-econômicas do reflorescimento agrícola na Colônia, cujas raízes assentaram-se no último quartel do século dezoito. Baseados nos assentos referidos, distribuímos os elementos africanos em grandes grupos correspondentes a Bantos e Sudaneses. Evidentemente, computamos apenas os indivíduos para os quais constou explicitamente a "nação" de origem. Embora possam ter ocorrido omissões por parte dos clérigos responsáveis pelos assentos de óbitos, apresentam-se estes como ótimo repositório de dados relativos à composição da massa de negros deslocada para a área mineratória. Os resultados observados não deixam dúvidas quanto à presença marcante dos Sudaneses; no século estudado (1719-1818) registrou-se a predominância, por pequena margem, do elemento Sudanês (52,1%) sobre o Banto (47,9%). A fim de captar possíveis mudanças no curso do tempo subdividimos o espaço temporal analisado em quatro sub-períodos de vinte e cinco anos. O confronto dos percentuais indica alterações significativas no correr do tempo. Assim, nos três primeiros sub-períodos mostrou-se majoritário o elementos Sudanês; já no último quartel (1794-1818) predominaram os Bantos (Cf. Tabela 1).
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