A chamada História
Cultural é uma nova linha de pesquisa que se difere da História dedicada
a estudar as artes, a literatura, a filosofia, deve ser encarada como a
Nova História Cultural, que não descarta as expressões culturais das
classes sociais elevadas, mais prioriza a construção histórica a partir
das manifestações das massas anônimas, por aquilo que é considerado
popular. Existe na Nova História Cultural (NHC) a preocupação em
retratar os conflitos e as estratificações existentes nas classes
sociais, através de uma história plural que apresenta caminhos
alternativos para a investigação do problema. Burke (1937), ao escrever sobre a História Cultural afirma que é
difícil escolher o tema de trabalho, pois em determinado estudo sobre
um grupo social, a NHC trabalha com termos referentes à cultura popular
representada pelo povo, então surgem questionamentos sobre quem é
realmente o povo? O que é considerado popular? Por isso, procura-se
trabalhar com a pluralidade, utilizando-se de conceitos como rural e
urbano, masculino e feminino, e assim por diante. Trabalhar com o termo cultura, para Burke, é ainda uma tarefa
mais difícil do que definir o "popular", pois este termo já foi
utilizado para se referir às artes e às ciências, posteriormente
empregado na descrição de manifestações populares, e por último, para
designar artefatos e práticas sociais. Na Antropologia encontra-se o
expressivo conceito tyloriano onde cultura é o "todo complexo que inclui
conhecimento, crença, arte, moral, lei, costumes e outras aptidões e
hábitos adquiridos pelo homem como membro da sociedade". É certo que conceitos para o termo cultura são múltiplos, porém
um em especial assume um papel relevante no fazer-se historiográfico: "Acreditando, como Max Weber, que o homem é um animal amarrado a
teias de significados que ele mesmo teceu, assumo a cultura como sendo
essas teias e a sua análise; portanto, não como uma ciência experimental
em busca de leis, mas como uma ciência interpretativa, à procura dos
significados. Um padrão historicamente transmitido, de significados
incorporados em símbolos, um sistema de concepções herdadas, expressas
em formas simbólicas, por meio das quais os homens se comunicam,
perpetuam e desenvolvem seu conhecimento e suas atitudes acerca da
vida." (GEERTZ, 1989)
Assim, Geertz traduz aquilo que os historiadores culturais
pretendem fazer, colocar a cultura como fonte científica de
interpretação do cotidiano, ou seja, construir o conhecimento através
das relações entre os homens e compreender, interpretar, os atos de
significados sociais que os envolvem. Como afirma Geertz, diante de
tantas definições de cultura, é preciso escolher uma para a realização
do trabalho científico. A obra de Geertz (1989) A Interpretação das Culturas, terá um
impacto grande entre os teóricos da História Cultural, pois ao realizar
estudos sobre a briga de galo em Bali, o autor promove aquilo que ele
chama de "descrição densa", chegando a interpretar os mais particulares
atos de significação. O filósofo Ryle relata o caso de dois meninos que
piscam rapidamente o olho direito, e Geertz, utilizando-se desta fala de
Ryle, aproveita para, a partir do fato, explicar a descrição densa,
interpretando a significação das piscadelas, que num dos meninos é um
tique involuntário e no outro é uma questão de conspiração, um pacto
entre amigos. Isto nos leva a entender que para o pesquisador atento,
preocupado com a interpretação cultural dos homens e agrupamentos
humanos, as diferenças das piscadelas indicam exatamente comportamentos
sócio-culturais, possibilitando assim, uma leitura mais profunda da
significação das coisas do cotidiano.A citação abaixo, sobre o caso das
piscadelas, reforça a percepção dos diferentes sinais de cultura: No entanto, embora não retratável, a diferença entre um tique
nervoso e uma piscadela é grande [...]. O piscador está se comunicando
e, de fato, se comunicando de uma forma precisa e especial,
deliberadamente, a alguém em particular, transmitindo uma mensagem
específica, de acordo com um código socialmente estabelecido e sem o
conhecimento dos demais companheiros. Conforme salienta Ryle, o piscador
executou duas ações – contrair a pálpebra e piscar – enquanto o que tem
um tique nervoso apenas executou uma – contraiu a pálpebra. Contrair as
pálpebras de propósito, quando existe um código público no qual agir
assim significa um sinal conspiratório, é piscar. É tudo que há a
respeito: uma partícula de comportamento, um sinal de cultura e – voilà! – um gesto." (GEERTZ, 1989) A preocupação com a hermenêutica, através dos atos de
significação, dará a este autor destaque entre os teóricos alemães da
História Cultural. No Brasil, nos últimas décadas, a obra de Geertz vem
sendo expressivamente lida e interpretada, como aliada das novas
construções historiográficas. Burke em seu livro "O que é História Cultural", ressalta que
essa linha de pesquisas não é algo recente, pois há mais de 200 anos na
Alemanha ela já era praticada, havia histórias sobre determinados grupos
humanos, regiões e nações. O termo cultura era cada vez mais empregado
na Europa, principalmente nas questões conflituosas entre a Igreja e o
Estado, como acontece na Alemanha em 1870 num conflito conhecido como "a
luta pela cultura" ou "guerra cultural". O que acontece é a divisão da história cultural em quatro
momentos, onde o primeiro seria a fase clássica, retratando temas
renascentistas, preocupados em estudar as conexões entre as diferentes
artes, ao interpretar pinturas, poemas, entre outros, buscava-se
evidências da cultura e do período em que foram produzidos, chegando-se
assim ao estudo da cultura de um povo. Em seguida mudou-se o foco para a história social da arte, onde
muitas contribuições históricas vieram de sociólogos como Max Weber,
quesegundo Burke, trabalha com a questão das raízes culturais do sistema
econômico dominante na Europa Ocidental e na América, obra intitulada
de "A Ética Protestante e o Espírito Capitalista", que tinha como eixo
principal apresentar uma explicação cultural para as mudanças
econômicas. O terceiro momento da história cultural é visto como aquele em
que ocorre a descoberta do povo, assim como a produção artística e
cultural que este realizava. Certamente que a cultura popular já era
estudada desde o século XVIII, porém este tema estava destinado mais aos
antropólogos e folcloristas do que propriamente aos historiadores.
Somente a partir 1960 que estes historiadores se interessam por esse
campo de pesquisa. Burke afirma que o mais influente estudo realizado
nesse momento foi "A Formação da classe operária inglesa", onde Edward
Thompson não só analisa as mudanças econômicas e políticas ocorridas na
classe trabalhadora e assalariada, como também o lugar da cultura
popular nesse processo, retratando rituais de iniciação de artesãos,
questões sobre alimentação, religião, sentimentos, enfim a cultura do
povo. Thompson influenciará muitos trabalhos produzidos durante o
período, da Alemanha até a Índia, que caracterizam pela preocupação de
produzir um conhecimento que envolva as pessoas comuns e que não se
restrinja às questões econômicas e políticas, mas englobe diversos
segmentos sociais. A discussão sobre estes temas culturais na Alemanha e
Inglaterra, irão convergir com o interesse dos historiadores franceses
da Escola dos Annales, o que resultará na chamada Nova História
Cultural. Burke ainda acrescenta que é difícil responder a pergunta "O
que é História Cultural", pois ela é multidisciplinar e também
interdisciplinar, utiliza-se principalmente da antropologia e da
sociologia, assim como da história da arte e literária para a realização
das pesquisas, para a elaboração do conhecimento histórico. Sendo
assim, embora não se espere que os historiadores culturais sejam vistos
como heróis a resolverem os problemas cotidianos contemporâneos, afirma
que o estudo da história cultural deve permitir às pessoas pensarem com
mais lucidez em relação aos problemas e questionamentos da vida, e cita
ainda Gilberto Freyre: "o estudo da história social e cultural aproxima
as pessoas, abre vias de compreensão e comunicação entre elas". O estudo das culturas abandona os temas generalizantes e
superficiais, para se concentrar em questões de grupos particulares em
momentos específicos, o que possibilita ao pesquisador, ou seja, ao
historiador, uma melhor compreensão e interpretação das relações que
envolvem esses indivíduos, permitindo assim o conhecimento daquilo que é
a essência da vida para essas comunidades.