quinta-feira, 27 de outubro de 2016

GUARDIÕES DO ÉDEN: NARRATIVAS DE ENCONTROS COM CRIATURAS MARAVILHOSAS NA AMÉRICA PORTUGUESA – SÉCULO XVI. por Guilherme Jacinto Schneider (Transcrição)

CAPÍTULO 2: VIAGEM ÀS CERCANIAS DO ÉDEN: A busca pelo paraíso a partir das maravilhas.
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2.2 O viajante
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Outro viajante que assim como Staden passou um bom tempo em poder de tribos canibais brasileiras foi Anthony Knivet, provável filho ilegítimo de um nobre inglês, que por não ter direito à herança seguiu a carreira militar. Pela promessa de fazer fortuna saqueando navios inimigos, Knivet embarcou na frota do corsário Thomas Cavendish (1560-1592), terceiro a circunavegar o globo e que havia sido armado cavaleiro após retornar desta viagem (1587) com um rico butim espanhol. Assim, em 26 de agosto de 1591 Knivet deixou a Inglaterra a bordo do galeão Leicester, comandado pelo capitão Cavendish que capitaneava uma armada de cinco navios e pretendia circunavegar novamente a terra. Entretanto, ao chegar aos Estreitos de Magalhães , a viagem começou a dar errado, muito tripulantes morreram devido ao mal tempo e ao frio dessa região, e após perder homens e navios, Cavendish tentou retornar à Inglaterra, mas acabou morrendo no Atlântico em 1592. Entretanto, antes de morrer o corsário acabou abandonando em terra muitos dos seus homens que estavam doentes, em diversas regiões da costa americana, um destes homens foi Anthony Knivet, deixado em 1591 no litoral de São Paulo, quase morto, com os pés gangrenados e já sem alguns Inglaterra carregado com um riquíssimo butim espanhol, e chamado de “my pirate” pela rainha Elisabete I (1558-1603), filha de Henrique VIII com Ana Bolena. Knivet retornou à Inglaterra em 1601, tendo seu relato de viagem publicado em inglês no ano de 1625 no quarto volume de uma coletânea de viagens organizada e publicada por Samuel Purchas, que pode ter modificado o texto, já que não temos acesso ao manuscrito original. A narrativa de Knivet é muito significativa, pois descreve os portugueses muitas vezes como mais cruéis e selvagens do que os nativos canibais, visto que o viajante foi tratado como prisioneiro e escravo da família de Correia de Sá, então governadores do Rio de Janeiro, descendentes de Mem de Sá (terceiro governador geral do Brasil em 1558) e Estácio de Sá, e denuncia em seu relato todos os maus tratos, prisões, espancamentos, fome, doenças, trabalhos forçados e condenações à morte a que foi submetido pelos portugueses, chegando a afirmar que “mais uma vez, decidi colocar-me antes nas mãos da piedade bárbara dos selvagens devoradores de homens do que da crueldade sanguinária dos portugueses cristãos” . Vivendo como escravo em engenhos de açúcar ou em viagens sertão adentro em  busca de ouro, escravos indígenas e pedras preciosas, Knivet viveu prisioneiro no Brasil, pois seu conhecimento sobre o território e fortificações da costa, bem como o fato de ter aprendido diversas línguas nativas era muito valioso para que caísse nas mãos dos inimigos ingleses. Além disso, o viajante viveu muitos meses em diversas tribos indígenas, sendo quase devorado em muitas ocasiões. Diferente de Hans Staden, que atribui sua sobrevivência no Brasil à sua fé e confiança na Divina Providência, o relato de Knivet demonstra que sua sobrevivência em meio a tribos canibais e colonos que o tratavam como um inimigo deveu-se aos seus próprios meios, principalmente a muitas mentiras contadas em diferentes ocasiões, como quando se fez passar por francês perante tribos inimigas dos portugueses, o que salvou sua vida enquanto via seus companheiros serem devorados um a um, ou quando esconde sua origem nobre e protestante dos portugueses que o capturam, conseguindo escapar da pena de morte, visto que era um pirata e tinha participado de saques a vilas costeiras do Brasil, e também à sua capacidade de aprender as línguas dos povos que conheceu, tanto o português quanto algumas línguas indígenas, tornando-o um valioso intérprete e salvando-lhe da morte diversas vezes. Além disso, sua resistência física às duras jornadas de trabalho nos engenhos e às viagens feitas sertão adentro, bem como o fato de não ter comido frutos e raízes desconhecidos, o que levou artelhos, perdidos no frio dos Estreitos, e sem conseguir andar. Knivet recuperou-se e permaneceu no Brasil por quase dez anos, ora vivendo como prisioneiro dos “selvagens” colonos portugueses, ora vivendo com os “índios canibais”, segundo suas palavras. É importante observar que, apesar de Portugal (e a colônia brasileira) e Inglaterra serem parceiros comerciais desde o início do século XVI, essa relação mudou radicalmente nas últimas décadas do mesmo século, graças à União Ibérica em 1580, quando Portugal foi anexado à Espanha por Felipe II, que se tornou senhor da península Ibérica, da América, das possessões portuguesas nas Índias e na África e também da região dos Países Baixos espanhóis, que no ano seguinte tornou-se independente, formando a Holanda, inimiga da Espanha e aliada da Inglaterra, que ajudou nesse processo de independência. Assim, de um lado tínhamos o Império Espanhol, católico, e do outro seu inimigo, a Inglaterra protestante, e esse ambiente de rivalidade levou essas potências a constantes conflitos marítimos, como a derrota da Invencível Armada espanhola em 1588, quando 130 navios espanhóis foram derrotados pela marinha inglesa, e a prática da pirataria que se tornou constante, graças ao respaldo da coroa inglesa ao saque de navios espanhóis e portugueses, transformando os flibusteiros em corsários e até mesmo em homens de grande importância, como Francis Drake, segundo navegador a dar a volta ao mundo, armado cavaleiro após retornar à morte muitos de seus companheiros, fez com que Knivet sobrevivesse e votasse à Inglaterra, onde conseguiu um cargo público na casa da moeda e morreu, provavelmente em 1649. Seu relato é muito singular, pois apresenta Knivet quase como um herói de cavalaria, que enfrentou os perigos da selva – o que inclui encontro e combate com criaturas monstruosas – em meio a povos inimigos (portugueses) e selvagens canibais, encarando a morte diversas vezes e por fim conseguindo retornar à sua terra, conforme veremos detalhadamente no capítulo 3, ao tratar dos encontros com monstro e perigos da viagem. Por fim, o autor fez um roteiro descrevendo a geografia, os principais portos e fortalezas e os povos indígenas que conheceu, bem como as rotas marítimas e caminhos para o ouro e outras mercadorias valiosas da colônia, como açúcar e pau-brasil, para que servisse àqueles que pretendessem viajar e/ou saquear as terras brasileiras. 
Fonte: Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História, na Linha de pesquisa “Narrativas, Imagens e Sociabilidades” como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em História - Orientadora: Dra. Denise da Silva Menezes do Nascimento pág 71-73 link http://migre.me/vlPq2

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