sábado, 15 de outubro de 2016

Milho, alimento de uma civilização em movimento - Cultura alimentar paulista é tema de dissertação de mestrado defendida no IFCH (Transcrição)


O grão no âmbito da questão cultural
Ao mesmo tempo em que ia localizando o milho nas regiões de minas descobertas pelos paulistas, a historiadora Rafaela Basso observou que na Vila de São Paulo se comia muito pão de farinha de trigo, vinho, azeite e aguardente, num padrão de consumo semelhante ao de outras regiões da América portuguesa. “Isso me levou a problematizar se a alimentação dos paulistas era tão específica como diziam os autores do período colonial. Nos inventários – documentação que utilizei para pesquisar a alimentação dentro das residências da Vila –, o milho quase não aparecia.”
A explicação encontrada pela pesquisadora  é que, quando pessoas morriam, nos inventários eram arrolados somente alimentos de importância comercial: havia muitos registros de roças de trigo e botijas de azeite e de vinho, todos com alto valor atribuído. “O milho, quando arrolado, estava em sítios onde se colhia alimentos para os plantéis de escravos indígenas. Da mesma forma, os inventários não trazem utensílios como o pilão, em contraposição aos moinhos construídos pelos mais abastados. A ausência de utensílios de origem europeia significava que o grosso dos moradores consumia o milho da mesma forma que os índios: pilado na canjica ou assado.”
Também havia, segundo Rafaela, uma questão cultural: a necessidade dos portugueses que chegavam ao novo mundo de se distinguir em todo momento dos nativos e depois dos africanos. “A comida também servia como fator de diferenciação e, quando eles podiam, evitavam consumir milho, feijão ou mandioca. É possível perceber esta faceta também nas atas da Câmara, em que moradores protestam contra o preço do trigo, que os impede de consumir o pão branco, restando no mercado apenas o pão de rala (de trigo misturado a cereais inferiores como mandioca e milho).”
A historiadora informa que em várias ocasiões, sem a opção do trigo e de outros alimentos europeus, a elite tinha que comer o mesmo que os nativos, mas ainda assim de forma diferenciada, como uma canjica mais fina, adossada, salgada ou temperada. “Os inventários sugerem que a mandioca era preferida frente ao milho, por conta do beneficiamento mais elaborado e por ser mais alva. Se tinham que escolher, eles desprezavam o milho, amarelado e pilado. Isso significa que a ideia da aclimação – de que os europeus se adaptaram aos alimentos nativos – não foi devidamente problematizada por Gilberto Freyre. Não foi bem assim, havia um conflito, uma resistência.”
Um dos poucos documentos registrando a vida em residências da São Paulo colonial, de acordo com Rafaela Basso, é de autoria do padre memorialista Manuel Fonseca, que descreve o dia-a-dia de outro padre, enaltecendo sua bondade e santidade, além da abstinência: “Era o seu comer parco e vil, usando muitas vezes o feijão e a canjica, guisado especial de São Paulo e muito pobre de nutrientes”, lê em voz alta a pesquisadora. O projeto de doutorado de Rafaela Basso deve versar sobre a comida dos paulistas no século 19, com a chegada da Corte portuguesa, dos viajantes estrangeiros e dos livros de culinária.
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Fonte: Professora Rafaela Basso - Jornal da Unicamp - Campinas, 01 de outubro de 2012 a 07 de outubro de 2012 – ANO 2012 – Nº 540 http://migre.me/vfDNl

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