quinta-feira, 17 de novembro de 2016

No Regimento de Tomé de Souza, assinado em Almeirim 17 de dezembro de 1548, primeira "constituição" com que se regeu o nosso país, declarava Dom João III: (Transcrição)

"A principal causa que me moveu a mandar povoar as ditas terras do Brasil, foi para que a gente dela se convertesse à nossa fé católica" (1) . 
Era exatamente aquêle "melhor fruto" que, na embevecida carta de Pero Vaz de Caminha, se deveria plantar na nova terra, descoberta pela frota cabralina, no roteiro das índias Orientais. Uma série de disposições visam, nesse Regimento, à consecução de tão elevado objetivo. Uma delas assim reza:
"Porque parece que será grande inconveniente os Gentios, que se tornaram cristãos, morarem na povoação dos outros e andarem misturados com êles, e que será muito serviço de Deus e meu apartarem-se de sua conversação, vos encomendo e mando que trabalheis muito por dar ordem como os que forem cristãos morem juntos, perto das povoações das ditas Capitanias, para que conversem com os cristãos e não com os gentios e possam ser doutrinados e ensinados nas coisas de nossa santa fé" (2)
Estava aí claramente delineado o sistema dos aldeiamentos de índios cristãos e catecúmenos que, por toda a parte, procuraram organizar os jesuítas, para a catequese dos aborígenes, já que com esse escopo primordial haviam sido, com Tomé de Souza, enviados ao Brasil . Nóbrega e seus companheiros iam ser, na estruturação da nova sociedade euro-americana, que formou o substratum do povo brasileiro, os instrumentos providenciais, de que se valeu o Estado português, no. desempenho de seus compromissos com a Igreja Católica (3). A ideia do superior da missão jesuítica no Brasil, de fundar uma cidade cem léguas para o interior, entre os índios carijós, não se enquadrava nas cláusulas dêsse Regimento. Projeto, diríamos hoje, "anti-constitucional"! Vetou-o, por isso mesmo, o primeiro governador geral. Para a fundação de São Paulo, a proximidade de Santo André da Borda do Campo foi assim uma condição indispensável. Na aldeia de Piratininga, entretanto, haviam fundado os jesuítas, por Nóbrega para aqui mandados, alguma coisa mais que a aldeia cristã de São Paulo. O que se fundou aqui, a 25 de janeiro de 1554, foi o primeiro Colégio da Companhia no Brasil, tendo por mestre durante um decênio ao jovem José de Anchieta. Tal circunstância permitiu que o precário aldeiamento formado pelos tupis do Campo em 1553, sujeito à inconstância do nomadismo indígena, evoluisse para a condição de uma nova povoação portuguesa, que em 1560 absorveu a Vila de Santo André. Material e espiritualmente falando, aliás, bem escassas eram, no mesquinho arraial da Borda do Campo, os sintomas de sobrevivência. Os índios de Tibiriçá, de Caiubí, de Tamandiba, ou outro morubixaba que fosse, concentrados a conselho dos Padres na colina de Inhapuambuçú, e ali visitados por Nóbrega, em fins de agosto de 1553, eram apenas os que se dispunham a abraçar o cristianismo, a isso impelidos desde 1550 pelas exortações..... Leonardo Nunes. Muitos outros haviam permanecido arranchados em suas tabas nativas, doze ao todo, no dizer de Anchieta, naqueles primeiros anos, a uma, duas e três léguas d. Piratininga, por água e por terra (4) . pág 28
 ..................................................................................................
A ausência de Anchieta, na Capitania de São Vicente, durou essa primeira vez pouco mais de dois anos. Anos em que, no estudo da teologia e no exercício da vida ascética, intensificou na Bahia sua preparação para o sacerdócio . Em princípio de 1567, presta serviços na conquista definitiva da Guanabara e assiste à morte de Estácio de Sá, o jovem herói, cujo melhor elogio brotou de sua pena de historiador e literato. E ei-lo de volta ao "teatro de suas maravilhas" . Durante novo decênio,. de 1567 a 1577, vai ser aqui o superior dos jesuítas da Capitania. Nada se realizaria aqui, nesse período, se não por sua iniciativa, ou, quando menos, com sua anuência e parecer. Reside desta vez em São Vicente, mas sobe muitas vezes por ano a íngreme vereda da serra de Paranapiacaba, caminho que se chamou do Padre José, por tê-lo aberto êle mesmo, em 1560, em companhia de Afonso Sardinha e bom número de colonos e índios de São Paulo, por determinação de Luís da Grã e com o apôio de Mem de Sá (31) . Ao Planalto o chamam pregações freqüentes, o govêrno de seus súditos, o interêsse pelos amigos, que são todos os habitantes de São Paulo. Um dia para batizar Clemente Álvares, como prometera aos pais, outro para restabelecer a paz entre dois poderosos, Jorge Moreira e Afonso Sardinha. Mais uma vez, em 1570, para reconduzir ao seio da Igreja e da vida civilizada dois elementos rebeldes, homiziados entre os indômitos selvagens de, Anhembí, Domingos Luís, o Grou e Francisco Correia. A assistência às aldeias, Pinheiros e São Miguel, êle as torna então regular.  
"Quanto aos gentios, escreve a 22 de abril de 1568 em São Paulo o Padre Baltasar Fernandes, — dos Nossos que estão em Piratininga dois... se ocupam em visitar as aldeias, que estão umas duas léguas da povoação, onde os Nossos vão num dia e vem no outro...; ensinam-lhes a doutrina e um Diálogo, que há na língua, ao pé da cruz que está dentro na aldeia, tangendo-se para isso a campainha primeiro" (32).
Ésse Diálogo, sabemos já quem o compusera... Ir num dia e voltar no outro supõe dizer que já então existia, em Pinheiros e São Miguel um abrigo, onde pudessem passar a noite os missionários. Como tempo se transformará esse abrigo na "residência", cuja criação, referindo-se exatamente a Pinheiros, atribui o Padre Manuel da Fonseca ao "Venerável Padre José de Anchieta". Igreja é o que ainda não existe, pois do contrário nela, e não junto ao cruzeiro no meio da praça, se ministrariam as lições de catecismo. Em 1580, todavia, estão já construídas as igrejas, como se vai ver. O Catálogo jesuítico de 1574 nos fornece o nome dos catequistas nesse ano: Adão Gonçalves, antigo colono de São Vicente e soldado na expedição de 1560 contra a fortaleza de Coligny. E' o superior da casa, submetida à alta direção do Superior de toda a Capitania, o Padre José de Anchieta. Bom missionário. Outro melhor ainda, inteiramente identificado com o meio e dos melhores "línguas" da terra, é o Padre Manuel de Chaves. Futuro imitador de Anchieta, acompanha-os na visita às aldeias, descalço, ora a um, ora a outro, o estudante jesuíta Agostinho de Matos, aprendiz da língua geral.  
                                                                      * * * * *
No mesmo ano de 1574, se iniciava no litoral, em circunstâncias providenciais, a catequese dos maromomís. Em janeiro de 1555, ausentes Anchieta e Nóbrega a despachar correspondência em São Vicente, capturaram em guerra os tupis de São Paulo um prisioneiro tapuia da tribo dos maromomís. Um guaianá, como na própria língua o denominavam os tupis. Um papaná, como o apelida Nóbrega e transcreve Polanco em Roma nu seu Chronicon . Maromimís, guarumimins, guarulhos são designações várias, aplicadas a essa mesma nação. Esses, os autênticos "guaianases" do século XVI, na Capitania de São Vicente. Festivamente empenachado se preparava Tibiriçá para, em plena aldeia de São Paulo, sacrificá-lo em terreiro, quando corajosamente intervieram os Padres Manuel de Paiva e Vicente Rodrigues e lho arrebataram das mãos. Desafogou o altivo chefe tupi frenèticamente a sua ira, mas 'acabou por sujeitar-se, alguns dias depois, ao jugo dos mandamentos de Cristo . Quanto ao prisioneiro guaianá, após um tempo passado nc. colégio dos jesuítas, evadiu-se para junto de seus parentes da serra de Jaguamimbaba. Baixando agora, com a sua tribo, para o mar, fôra ter à residência dos jesuítas de São Vicente, onde era superior Anchieta. Reconheceram-se. Não sofreu o zêlo do superior pela conversão dos brasís perder tão boa oportunidade. Acompanhado pelo Capitão-mor, e levando em sua companhia ao antigo discípulo de Piratininga, agora Padre Manuel Viegas, dirigiu-se o Padre José, com o pequeno grupo de autóctones de língua travada, à fortaleza de Bertioga, a fim de localizar ali, junto à praia a uma légua para o Norte, o novo aldeiamento indígena. Interveio neste ponto, com a sua autoridade, o grande amigo de Anchieta, o capitão-mor Jerônimo Leitão (33) .
"Também não me esquece, expõe Frei Gaspar, em suas Memórias para a história da Capitania de São Vicente, que, no Arquivo do Convento de Nossa Senhora do Carmo da Vila de Santos, se conserva um auto de medição de terras e dêle consta que, ao Norte da relatada Fortaleza, em distância de uma légua, há um lugar a que chegaram os portuguêses, e teve princípio muitos anos depois da nossa povoação, sendo reitor do Colégio de São Vicente o Taumaturgo do Brasil: compunha-se de maramomís, que voluntàriamente buscaram a companhia dos portuguêses, e o Capitão-mor situou naquela paragem" (34) .
Convinha ter em vista o precedente, para a boa interpretação do que, poucos anos depois sucederá em favor dos índios da Aldeia de Pinheiros e de São Miguel. Antes, porém, recordemos de relance a memorável despedida, que em 1577 lhe reservou, ao Apóstolo de São Vicente, Jerônimo Leitão e o povo das duas vilas do mar, quando daí o tirou o provincial Inácio Tolosa. Cena tão comovedora de amor a um sacerdote da Companhia de Jesus, não creio se encontre em toda a sua história.  
Luís da Fonseca, que a descreve, apela para outra despedida célebre, a de São Paulo em Mileto (35) . 
De São Vicente seguira para o Rio, para onde fora nomeado reitor do colégio . Ali não ficando, entretanto, seguiu com o provincial para a Bahia. Cogitando então . Inácio Tolosa fazê-lo reitor ali, eis que de Roma chega sua nomeação para novo provincial do Brasil. Anchieta ocupou esse cargo pouco mais de dez anos, desde 1577 até 1588. Desde esse momento se faz novamente sentir sua autoridade na Capitania de São Vicente, para onde se dirige logo em 1578. Aqui estará novamente em visita no ano de 1579 e entre 1580 e 1581, por alguns meses no Sul . Durante a movimentada passagem da esquadra de Diogo Valdés pelas nossas plagas, permaneceu o provincial no Rio, desde março de 1582 até o segundo semestre de 1583. Sua presença concorreu para que tudo se passasse sem maiores inconvenientes. A São Paulo veio então mais de uma vez, logrando persuadir aos paulistas que, de sua já notável abundância agrícola e pastoril, consentissem em ceder os fornecimentos indispensáveis para a malaventurada expedição ao Estreito. Aqui estará êle de novo, com o visitador Cristóvão de Gouveia, nos primeiros meses de 1585. Como provincial, suas últimas visitas se dão no ano de 1587. Escoa-se então um lustro sem que Anchieta retorne à sua amada Capitania de São Vicente, consagrado agora ao cultivo espiritual da Capitania do Espírito Santo, onde é superior. Constituído, todavia, em fins de 1592, pelo provincial Beliarte, visitador das casas do Sul, fixa-se no Colégio do Rio de Janeiro, donde, em 1593 e. 1594, estende as suas visitas até São Paulo. Da fundação da Cidade, em que tomara parte saliente, até 1594, vão precisamente quarenta anos, em que a sua ação benfazeja ganhou para sempre o coração de seus habitantes. Anchieta é nosso: — São Paulo não o renegará! Dessa atuação não se furtaram, evidentemente os aldeamentos cristãos, assistidos pelo ministério sacerdotal dos jesuítas.
Fonte: Revistas USP ARTIGOS ANCHIETA E O IV CENTENÁRIO DE PINHEIROS .Pe. HÉLIO ABRANCHES VIOTTI, S.J. http://migre.me/vwuK5 pág 36/39
Nota: Em conformidade com a descrição do Pe Hélio Abranches Viotti, ao tratar dos propósitos, de implantação do Regimento assinado por Tomé de Souza, objetivando a catequese dos Tupis. Por sua vez, faz referência a um fato ocorrido em janeiro de 1555, no Planalto de Piratininga, envolvendo o indígena Martim de Sá, quando da ausência do Pe José de Anchieta e Pe Manoel da Nóbrega. Fato esse, envolvendo um confronto com os Maromimis, guarumimins, guarulhos, que são  designações várias, aplicadas a nação dos autênticos "guaianases" do século XVI, na Capitania de São Vicente. Cujo nativo após,  o entrevero evadiu-se para junto de seus parentes da serra de Jaguamimbaba. Possibilita afirmar que a toponímia referida era conhecida, dos Jesuítas, vindo a se constituir no Caminho dos Paulistas, Caminho Geral do Sertão, em demanda da Serra de Jaguamimbaba, como era designado o lado paulista da Serra da Mantiqueira. Caminho percorrido em 1560 por Brás Cuba, resultando com que justificavelmente, se estabelecesse, com sua fazenda na localidade de Mogi das Cruzes, como posto avançado em demanda do Sertão das Gerais. Caminho percorrido por André de Leão, João Pereira Botafogo, Nicolau Barreto, Fernão Dias Paes Leme. Em especial, Afonso Sardinha, desbravador que ajudou na definição do traçado do caminho do Pe Anchieta e que, veio a descobrir ouro na referida Serra de Jaguamimbaba no ano de 1597, restando lhe reservada a exclusividade de acesso a localidade.  
 .......................................................................................................

GUIA DA UNESCO - Una guía para la administración de sitios e itinerarios de memoria.

Ficha 22: Ruta de la libertad (A Rota da Liberdade), São Paulo, Brasil (A Rota da Liberdade), São Paulo, Brasil ■ ANTECEDENTES ■ ANTECED...