Quanto à prata encontrada em maior quantidade nos inventários
do Planalto, 200.263,180 gramas (200 quilos em contas
redondas) em 470 inventários, de onde teria vindo? Pois
dela não temos referências quanto à mineração aqui no Brasil.
Colocamo-nos em face da 3.a hipótese que formulamos há
pouco, quanto à vinda de metais preciosos das possessões espanholas
da América do Sul.
O ponto de mineração da prata na América do Sul mais
fácilmente atingido pelos planaltinos, teria sido Potosi, através
do Pilcomaio, maior afluente do Paraguai. Infelizmente a
documenação paraguaia que poderia provar a passagem de
bandeirantes por essa via fluvial, não foi dirigida à Faculdade
de Filosofia, Ciências e Letras de São Paulo e sim ao Departamento
Municipal de Cultura, onde até hoje está arquivada,
sem ainda ter vindo à luz.
Potosi, o que foi Potosi?
Foi um grande centro de mineração da prata, situado no
Perú. Sua atividade iniciou-se a partir de 1545, fornecendo
grandes rendimentos à corôa espanhola.
Humboldt (12) calcula o total da produção em mais de 25
mil toneladas de prata, no período que vai de 1545 a 1803,
portanto, 226.000.000 de Libras, valor superior ao ouro brasileiro.
A época de maior produção de Potosi, verificou-se entre
1585 e 1605, havendo, no século XVII, 1620, aproximadamente,
um arrefecimento na produção, causando uma crise monetária
na Espanha e a quebra do padrão monetário da prata, por
algum tempo.
Entretanto, nesse mesmo século, a situação normalizouse
e a produção voltou ao ritmo comum.
Com o decorrer do tempo, a quantidade de prata no Planalto
se elevou (13), demonstrando um certo crescimento. De
onde viria?
A hipótese referente a Potosi é tentadora; teriam os bandeirantes
mercadejado a mão de obra indígena capturada nas
reduções, para o serviço nas minas espanholas? Teriam sido
pagos em prata?
São simples suposições que não se pode resolver, por falta
de documentação.
Muitos moradores do Planalto chegaram a Potosi, entre
cs quais, Aleixo Garcia e Antônio Castanho da Silva, que
lá faleceu em 1622 (14), e é possível, que a bandeira de Nicolau
Barreto (1602-1604), lá tenha chegado, pois permaneceu
no sertão durante um prazo exageradamente longo de dois
anos.
"O caminho para essas ricas minas castelhanas, nos Andes,
era precisamente o que, segundo os documentos, havia
sido seguido por Nicolau Barreto, isto é, via Guairá e Paraguai.
Eis, pois, como é muito possível e provável mesmo, que
Dom Francisco de Souza, já tendo visto fracassar várias tentativas
de descobertas na região do alto São Francisco, orientasse
Nicolau Barreto para as proximidades de onde os espanhóis
se empanturravam de prata. Eis como se poderia interpretar
aquelas palavras da Carta que a Câmara Municipal
paulista dirigiu a Lobo de Souza na qual se diz que a bandeira
de Barreto chegara ao Perú por terra" (15) .
Basta a citação dêste trecho de Alfredo Ellis Júnior, para
que se possa pensar numa rota entre o Planalto e Potosi, pois
a quantidade de prata em Piratininga crescia com o decorrer
dos anos.
Certamente os paulistas não abandonaram o caminho seguido
por Nicolau Barreto, aventurando-se constantemente nas
possessões argentíferas espanholas. E com que dinheiro comprariam
a prata tôda que desde 1578 a 1700 atingiu 200 quilos
e 263,180 gramas sómente em poucos inventários? Que mercadoria
seria trocada pela prata? Não poderia ser o escravo indígena
brasileiro? Sabe-se que o negro foi muitas vêzes levado
a Potosi pelos portuguêses e que quando se deu uma diminuição
no ritmo produtivo nas minas de prata, os holandeses
controlavam a navegação do Atlântico.
A crise que em Potosi acarretou a quebra do padrão prata
para a Espanha, poderia ter sido provocada por falta de
mão negra fornecida pelos portuguêses, ou também pelo fato
de não haver transporte para Espanha, devido aos holandeses
que se alastravam pelo Atlântico.
"O problema não foi ainda suficientemente estudado de
maneira a se conhecer suas causas; é possível que haja alguma
relação entre êsse fenômeno e o rompimento das linhas de
comunicação com os centros africanos produtores de escravos
e que a crise da prata peruana esteja ligada de certa maneira
à crise da mão de obra" (16) .
O mercado de prata entre Potosi e o Planalto, seria, entT
etanto, de baixas proporções, pois a quantidade dêsse metal
averiguada, já nos dá uma idéia de suas limitadas quantidades
não trazendo riqueza ou melhoria de vida para Piratininga.
Enrique de Gandia (17), escritor argentino, faz a seguinte
referência quanto às relações planaltinas com Potosi: "Además,
los portugueses se iban avecinando en aquellas regiones que,
por estar relativamente cerca de Potosi, eran causa de que por
ellas se extravie mucha plata para el Brasil".
No "Caminho do Perú", capítulo do livro "Histôria da Civilização
Brasileira", Pedro Calmon concorda com a tese de
Alfredo Ellis Júnior — "A comunicação por terra com o Perú
constituiu, em algum tempo, um objetivo dos bandeirantes
paulistas .
Haviam de ser clandestinas aquelas viagens, temidas dos
espanhóis e que, entretanto, enriqueciam no século XVII, certas
casas fidalgas de São Paulo, como a de Antônio Castanho
da 'Silva, segundo Pedro Taques" . (Ésse "enriqueciam" deveria
vir entre aspas, pois riqueza, na extensão da palavra, não
existiu no Planalto, basta se observar os "Inventários e Testamentos")
.
Alcântara Machado, em sua obra "Vida e Morte do Bandeirante",
notou, em contraste com a pobreza paulista, uma
relativa abundância de prata em vários inventários e testamentos,
como por exemplo os de André Fernandes, Salvador Jorge
Velho, Bartolomeu Bueno Cacunda, etc.
Citamos o texto de Taques (18), ao qual se referiu Calmon
em sua obra: "Tendo Antônio Castanho passado ao Prú,
como então faziam os antigos paulistas, penetrando o sertão
do Paraguai, sem dependência de buscarem o passo da cordilheira
por Mendonça (Mendoza), e por inumeráveis nações de
gentios bárbaros, chegavam ao Perú, donde traziam a prata,
de que foi muito abundante a cidade de São Paulo e nela houveram
casas com copa importante de pêso, mais de 40 arrô-
bas. Nas minas de Tatasi, província de Chichas, no reino do
Perú, faleceu com testamento, Antônio Castanho da Silva, a
9 de fevereiro de 1622"...
Outras referências a êste assunto são também feitas por A.
P. Canabrava (19): "outra via de acesso existiu ligando as colônias
portuguêsas do Atlântico às regiões do vice-reinado do
Perú, a via terrestre do Guairá. As comunicações entre São
Vicente e os núcleos espanhóis do Paraguai, por intermédio
de Guairá, eram bem mais antigas do que as que se efetuaram
por via do estuário... ...desde 1526, há referência à presença
de portuguêses no Guairá" .
"...A região do Guairá-Paraguai não perdeu, contudo, sua
função tradicional de zona de passagem para os territórios do
Alto Perú, para os sertanistas procedentes do Planalto paulista..."
.
"Sertanistas continuaram a rumar para Sudoeste, pois em
1613, D. Diogo Corral, fiscal do Conselho das índias declarava
que Guairá, Vila-Rica e Jerez serviam de ponto de passagem
para os paulistas atingirem as minas do Perú" (20) .
Entretanto, houve uma penetração no Perú, também
pelo Amazonas, o que constituiu o "ciclo nordestino", ao
qual se filiaram várias pessoas de destaque na Bahia e Pernambuco,
após denunciadas pelo Santo Ofício (1591-1594),
quando Portugal foi anexado à corôa espanhola (1580-1640).
Êste "ciclo nordestino" nada tem a ver com a penetração
por Mendoza que foi relacionada com o "ciclo sulista", ou paulistano.
Enfim, supõe-se que os paulistas estiveram em Potosi, pelo
afluxo de prata para o Planalto, pois, desde que as bandeiras
atingiram as reduções próximas dos locais em que se
situavam as minas, por que não chegariam até lá, desde que
houvessem possibilidades? (Sabemos que havia) .
Não possuímos referências a minas de prata em território brasileiro; de Portugal também parece não ser possível ter
vindo êsse metal, pois o Planalto, abandonado pela Metrópole,
não oferecia nenhum mercado que atraisse os portuguêses e
achava-se ainda mais isolado pela Serra do Mar, obstáculo
que dificultava a ascensão à Piratininga, tanto de pessoas,
como de mercadorias.
Seria mais lógico atribuir a prata encontrada nos inventários
e testamentos, às colônias espanholas mineradoras (21);
e por que não a Potosi, local acessível e próximo do qual os
paulistas iam prear índios em terras castelhanas, para si e
para o nordeste açucareiro?
"Don Juan de Lizarazu, em 1628, dirigiu a Don Diego Paredes,
"capitan de guerra" e tenente de governador na fronteira
de Santa Cruz de la Sierra, uma denúncia contra os
paulistas, de que havia uma bandeira em Itatim, província
de Orejones, a 30 léguas da cidade de São Lourenço a velha
(Sul de Mato Groso, Bolívia?) que era "el camino de Potosi
aun no alrá sesenta leguas" (22) .
"De sus intentos de conquistar el Perú, consta papeles autenticos
y cartas de la aundiencia de Charcas; y de otras per-.
sonas zelosas del servido de V. M., por las cuales consta haberen
llegado al paso de Santa Cruz de la Sierra, tierra ya
vecina a Potosi" (23) .
Quanto à última hipótese que formulamos, seria a de que
a prata encontrada tivesse provindo do Nordeste, sob a forma
de moedas, em pagamento dos escravos índios enviados
pelo Planalto.
Nesse caso, como explicaríamos uma relativa escassez de moedas de prata aqui no Planalto? Teriam sido fundidas e reduzidas a objetos, por não serem de grande necessidade, em virtude do regime de trocas, tão comum naquela época? Tem-se a impressão, no entanto, de que a mão de obra enviada ao Nordeste, além de ser paga com dinheiro sonante, também poderia ser paga com certa quantidade e variedade de gêneros e é possível, também, que tenha havido um regime de crédito. A possibilidade da prata ter vindo de Potosi é bem mais interessante, pois seria muito mais compreensível que os paulistas empregassem a prata saída das minas, transformada em barras, pronta para ser trabalhada, do que fundissem um grande número de moedas, para transformá-las em tamboladeiras, colheres, garfos, pratos, etc., sôbre os quais rezam os inventários. "Em Potosi, no "mercado mais caro do mundo", onde os preços atingiam somas extraordinárias, os mercadores recebiam em pgamento, no século XVI, barras de metal (avaliadas em 250 castelhanos), pela dificuldade de se cunhar moeda, por causa da deficiência de combusítveis apropriados" (24). Apesar disso, entretanto, o fato de existirem nos Inventá- rios e Testamentos referências a "pesos" e "reales", demonstra que alguma moeda espanhola deveria ter existido no Planalto. Teria também existido uma relação comercial entre a região platina e o pôrto de São Vicente e a cidade de São Paulo, isto é, o Planalto, é o que afirma o testamento de Afonso Sardinha, ao referir-se a operações comerciais realizadas com o Rio da Prata, por intermédio de um tal Francisco de Barros, morador em Buenos Aires (25) . Seria, no entanto, um comércio pouco acentuado, em virtude da pobreza reinante na Capitania, principalmente no Planalto, onde eram escassas as moedas espanholas, o que não se deu na Bahia, em virtude da riqueza proporcionada pelo açúcar. Salvador foi o principal centro de comércio com o Prata, cujo próprio governador se admirou da quantidade de moedas espanholas no Brasil.
Nesse caso, como explicaríamos uma relativa escassez de moedas de prata aqui no Planalto? Teriam sido fundidas e reduzidas a objetos, por não serem de grande necessidade, em virtude do regime de trocas, tão comum naquela época? Tem-se a impressão, no entanto, de que a mão de obra enviada ao Nordeste, além de ser paga com dinheiro sonante, também poderia ser paga com certa quantidade e variedade de gêneros e é possível, também, que tenha havido um regime de crédito. A possibilidade da prata ter vindo de Potosi é bem mais interessante, pois seria muito mais compreensível que os paulistas empregassem a prata saída das minas, transformada em barras, pronta para ser trabalhada, do que fundissem um grande número de moedas, para transformá-las em tamboladeiras, colheres, garfos, pratos, etc., sôbre os quais rezam os inventários. "Em Potosi, no "mercado mais caro do mundo", onde os preços atingiam somas extraordinárias, os mercadores recebiam em pgamento, no século XVI, barras de metal (avaliadas em 250 castelhanos), pela dificuldade de se cunhar moeda, por causa da deficiência de combusítveis apropriados" (24). Apesar disso, entretanto, o fato de existirem nos Inventá- rios e Testamentos referências a "pesos" e "reales", demonstra que alguma moeda espanhola deveria ter existido no Planalto. Teria também existido uma relação comercial entre a região platina e o pôrto de São Vicente e a cidade de São Paulo, isto é, o Planalto, é o que afirma o testamento de Afonso Sardinha, ao referir-se a operações comerciais realizadas com o Rio da Prata, por intermédio de um tal Francisco de Barros, morador em Buenos Aires (25) . Seria, no entanto, um comércio pouco acentuado, em virtude da pobreza reinante na Capitania, principalmente no Planalto, onde eram escassas as moedas espanholas, o que não se deu na Bahia, em virtude da riqueza proporcionada pelo açúcar. Salvador foi o principal centro de comércio com o Prata, cujo próprio governador se admirou da quantidade de moedas espanholas no Brasil.
......................................................................................................................................
Fonte:PESQUISAS SOBRE A EXISTÊNCIA DO OURO
E DA PRATA NO PLANALTO PAULISTA
NOS SÉCULOS XVI E XVII. file:///D:/Afonso%20Sardinha,.pdf