sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

Ouro de tolo - Em um século, o Brasil enviou a Portugal – imagine! – cerca de 800 toneladas de ouro. ANGELO CARRARA (Transcrição)

Mais do que um recurso natural. Mais do que um artigo de exportação. O que se descobriu em Minas, depois de dois séculos de colonização, foi fortuna em estado puro. Ao contrário do que ocorria com a produção de cana-de-açúcar no Nordeste, o metal extraído dos leitos dos rios mineiros não dependia da demanda internacional e suas oscilações de cotação: já vinha em forma de dinheiro, pronto para ser posto em circulação ali mesmo. O ouro em pó transformou-se imediatamente na principal moeda das Minas Gerais naquele final do século XVII. E era tão abundante que, embora quase sempre tivesse Portugal como destino, causou enorme impacto econômico e social também deste lado do Atlântico. Uma verdadeira corrida pelo ouro tomou de assalto a capitania até então pouco habitada. Levas de gente chegavam de toda parte atrás do sonho da riqueza imediata, disputando as margens dos rios para montar seus arraiais, muitas vezes com violência. A ganância movia a todos, e era preciso aproveitar antes que o Estado decidisse impor regras e restrições de acesso àquela fortuna natural. Quase todo o ouro se encontrava em terrenos de aluvião – nas margens ou na foz dos rios, onde a erosão deposita cascalho, areia e argila. O sistema de extração era simples: ficava-se dentro dos ribeiros, com água até a cintura. Com uma bateia, lavavam-se as areias auríferas, até que os materiais mais leves ficassem na parte superior, de onde eram retirados. No fundo ficava o ouro, misturado a outros minerais. A época mais adequada para a atividade era o inverno, quando o nível da água dos rios estava mais baixo, o que permitia trabalhar melhor os leitos. O ouro assim extraído já vinha em pó ou em pepitas – não requeria, para se dissolver das rochas, o uso de mercúrio para formar amálgamas. Recémretirado das bateias, podia ser usado como moeda. Dois grupos de trabalhadores se dedicavam à mineração: os escravos dos grandes proprietários e os trabalhadores livres, chamados de garimpeiros ou “faiscadores”. E se nos primeiros tempos da corrida do ouro a riqueza ficava com quem chegasse primeiro e defendesse melhor o seu quinhão, com o tempo a exploração gerou forte concentração de renda: o grosso ficava com os grandes proprietários, que se contavam nos dedos, enquanto os muitos “faiscadores” dividiam o resto. Em 1710, por exemplo, apenas cinco pessoas foram responsáveis por 47,65% de todo o ouro produzido na Intendência do Rio das Mortes. Um século depois, quando o volume extraído já minguava, a desigualdade ainda era regra: os cinco maiores produtores conseguiram quase 82 quilos de ouro – uma média de 16 quilos para cada um –, enquanto os 568 menores ficaram com menos de 184 quilos – média de 347 gramas para cada um. O minucioso censo feito em 1814 mostra ainda que havia 5.747 garimpeiros atuando na região. Juntos, eles produziram cerca de 413 quilos, o que rendeu a cada um, em média, 71 gramas. Embora importante para a economia colonial, era pequena a quantidade de pessoas envolvidas na mineração. A maior parte da população da capitania morava nos campos e vivia dos trabalhos agrícolas e pastoris. Enquanto isso, a extração de ouro, setor que gerava os mais valiosos rendimentos fiscais para a Coroa, mobilizava, no máximo, 5% dos moradores de Minas Gerais. E nem todos de modo exclusivo: muitos se dedicavam também à agricultura. Mesmo assim, a disponibilidade de uma enorme quantidade de moeda, distribuída por um número de pessoas bem maior do que até então se vira, explica o impacto que a mineração tinha sobre a economia local. Sem exagero, pode-se afirmar que o ouro estimulou a produção de gêneros de muitos setores da economia brasileira daquele século, especialmente a agricultura e a pecuária voltadas para o abastecimento interno. Em Minas, na contabilidade das lojas e vendas, ao lado dos réis (plural de real), aparecia a unidade monetária fundamental: a “oitava” de ouro – o equivalente a 3,586 gramas. A oitava, por sua vez, dividia-se em 32 frações: eram os “vinténs” de ouro. Cinco vinténs davam um “tostão”, e vinte vinténs completavam um “cruzado de ouro”. Quem acumulasse um quilo de ouro podia ter acesso a bens consideráveis. Este valor era suficiente para comprar 75 cabeças de gado ou 2.250 sacos de milho com cerca de trinta quilos cada um. Ou, ainda, para adquirir uma mercadoria muito valorizada na economia da época: um saudável escravo africano. O maior desafio do governo era a cobrança do “quinto” – 20% de qualquer quantidade de metal ou pedra preciosa extraída na Colônia que deveria ser paga à Coroa. Após várias tentativas de se encontrar o sistema mais eficaz de cobrança, chegou-se finalmente ao método adotado a partir de 1751: foram instaladas quatro casas de fundição nas sedes das quatro comarcas de Minas: Vila Rica, Rio das Mortes, Serro Frio e Sabará. Ficou, então, proibida a circulação do ouro em pó: nas casas de fundição, o metal ganhava a forma de barras e o carimbo real, com o devido desconto do quinto. A nova ordem também tabelou o preço do ouro. Ao entrar, em pó, nas casas de fundição, ele valia 1.200 réis a oitava (até então, costumava ser negociado por 1.500 réis). Ao sair, já “quintado”, seu valor era de 1.500 réis a oitava. Essa diferença gerava uma situação curiosa, detectada pelo Barão Wilhelm Ludwig von Eschwege (1777-1855): a revolta contra o pagamento do quinto era atenuada. Eschwege veio ao Brasil em 1810, a convite do príncipe regente D. João VI, para compreender as causas do declínio da produção de ouro. Sabia-se que a cobrança do quinto gerava insatisfação entre os mineradores, que o qualificavam de “exorbitante”. Para surpresa do Barão, no entanto, os produtores tinham a impressão de que seu prejuízo não era tão grande, justamente por causa da cotação mais alta da oitava quintada. A lógica era a seguinte: cinco oitavas de ouro em pó valiam seis mil réis (1.200 x 5). Depois de fundidas, o proprietário recebia uma barra com apenas quatro oitavas, já que a quinta parte era deixada como pagamento do direito régio. Mas ele possuía os mesmos seis mil réis, pois cada oitava em barra valia 1.500 réis (1.500 x 4 = 6 mil). Claro que melhor seria não pagar imposto algum, mas ao quinto “não podia resistir nenhum homem honesto”, argumentavam, segundo Eschwege. A queda da produção devia mesmo preocupar a Coroa. Afinal, no século do ouro, pela primeira vez a metrópole vira a Colônia operar em crescente superávit fiscal. Os ventos de bonança eram facilmente constatados nos portos, sobretudo no do Rio de Janeiro, de onde embarcava a maior parte do ouro enviado a Portugal e onde desembarcavam as mercadorias importadas do Reino. Entre 1700 e 1710, a arrecadação do imposto de importação (a “dízima da Alfândega”) no Rio saltou de 1,5 conto de réis (o equivalente a 1,5 milhão de réis) para quase cinquenta contos de réis. E não parou mais de crescer, acompanhando o aumento da produção de ouro. Como consequência deste fluxo de metal precioso, em 25 anos a cidade e capitania do Rio de Janeiro, até então deficitária do ponto de vista fiscal, passou a disputar com Salvador a segunda maior receita do Brasil, atrás apenas de Minas. Mas, afinal, será possível estimar a quantidade de ouro enviada para Portugal desde a descoberta do metal até o encerramento das extrações? Graças aos estudos das últimas décadas, é possível, sim. Com base em relatórios de cônsules franceses em Lisboa, nos anos 1970 o historiador Virgílio Noya Pinto calculou a quantidade de ouro desembarcado em Lisboa somente de navios vindos do Brasil: foram mais de 529 toneladas entre 1697 e 1760. Já o pesquisador francês Michel Morineau, a partir de informações de gazetas holandesas, chegou a um total não muito diferente: cerca de 566 toneladas. Recentemente, as estatísticas sobre a produção de ouro no Brasil ganharam uma nova fonte: os “manifestos do 1% do ouro” na Casa da Moeda de Lisboa, cujos dados foram arduamente levantados pela historiadora portuguesa Rita de Sousa Martins, da Universidade Técnica de Lisboa. Os manifestos registram, para o período entre 1753 e 1801, um total de 279.838,29 quilos de ouro na Casa da Moeda de Lisboa. Aproximadamente 94% dessas quase 280 toneladas vinham de Minas Gerais (o restante, de Goiás, Mato Grosso e Bahia). No século XIX, a produção já minguava: entre 1801 e 1807, não passou de 14,5 toneladas, e dali em diante só fez decair. Arredondando essas diferentes contas, pode-se afirmar que em todo o século XVIII o Brasil mandou para Portugal cerca de oitocentas toneladas de ouro. Imagine uma manada de cem elefantes de ouro maciço. Foi isso. Sem contar o que circulou de forma ilegal e o que ficou na Colônia, ornando suntuosas igrejas. O amarelo da bandeira faz jus à nossa História.
Fonte ibdem pág 104/106 http://migre.me/vDwVG

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