Mais do que um recurso natural. Mais do que um artigo de exportação. O que se descobriu
em Minas, depois de dois séculos de colonização, foi fortuna em estado puro.
Ao contrário do que ocorria com a produção de cana-de-açúcar no Nordeste, o metal
extraído dos leitos dos rios mineiros não dependia da demanda internacional e suas
oscilações de cotação: já vinha em forma de dinheiro, pronto para ser posto em circulação
ali mesmo. O ouro em pó transformou-se imediatamente na principal moeda das Minas
Gerais naquele final do século XVII. E era tão abundante que, embora quase sempre tivesse
Portugal como destino, causou enorme impacto econômico e social também deste lado do
Atlântico.
Uma verdadeira corrida pelo ouro tomou de assalto a capitania até então pouco habitada.
Levas de gente chegavam de toda parte atrás do sonho da riqueza imediata, disputando as
margens dos rios para montar seus arraiais, muitas vezes com violência. A ganância movia
a todos, e era preciso aproveitar antes que o Estado decidisse impor regras e restrições de
acesso àquela fortuna natural.
Quase todo o ouro se encontrava em terrenos de aluvião – nas margens ou na foz dos rios,
onde a erosão deposita cascalho, areia e argila. O sistema de extração era simples: ficava-se
dentro dos ribeiros, com água até a cintura. Com uma bateia, lavavam-se as areias
auríferas, até que os materiais mais leves ficassem na parte superior, de onde eram
retirados. No fundo ficava o ouro, misturado a outros minerais. A época mais adequada para
a atividade era o inverno, quando o nível da água dos rios estava mais baixo, o que permitia
trabalhar melhor os leitos. O ouro assim extraído já vinha em pó ou em pepitas – não
requeria, para se dissolver das rochas, o uso de mercúrio para formar amálgamas. Recémretirado
das bateias, podia ser usado como moeda.
Dois grupos de trabalhadores se dedicavam à mineração: os escravos dos grandes
proprietários e os trabalhadores livres, chamados de garimpeiros ou “faiscadores”. E se nos
primeiros tempos da corrida do ouro a riqueza ficava com quem chegasse primeiro e
defendesse melhor o seu quinhão, com o tempo a exploração gerou forte concentração de
renda: o grosso ficava com os grandes proprietários, que se contavam nos dedos, enquanto
os muitos “faiscadores” dividiam o resto.
Em 1710, por exemplo, apenas cinco pessoas foram responsáveis por 47,65% de todo o
ouro produzido na Intendência do Rio das Mortes. Um século depois, quando o volume
extraído já minguava, a desigualdade ainda era regra: os cinco maiores produtores
conseguiram quase 82 quilos de ouro – uma média de 16 quilos para cada um –, enquanto os
568 menores ficaram com menos de 184 quilos – média de 347 gramas para cada um. O
minucioso censo feito em 1814 mostra ainda que havia 5.747 garimpeiros atuando na região.
Juntos, eles produziram cerca de 413 quilos, o que rendeu a cada um, em média, 71 gramas.
Embora importante para a economia colonial, era pequena a quantidade de pessoas
envolvidas na mineração. A maior parte da população da capitania morava nos campos e
vivia dos trabalhos agrícolas e pastoris. Enquanto isso, a extração de ouro, setor que gerava
os mais valiosos rendimentos fiscais para a Coroa, mobilizava, no máximo, 5% dos
moradores de Minas Gerais. E nem todos de modo exclusivo: muitos se dedicavam também
à agricultura.
Mesmo assim, a disponibilidade de uma enorme quantidade de moeda, distribuída por um
número de pessoas bem maior do que até então se vira, explica o impacto que a mineração
tinha sobre a economia local. Sem exagero, pode-se afirmar que o ouro estimulou a
produção de gêneros de muitos setores da economia brasileira daquele século,
especialmente a agricultura e a pecuária voltadas para o abastecimento interno.
Em Minas, na contabilidade das lojas e vendas, ao lado dos réis (plural de real), aparecia
a unidade monetária fundamental: a “oitava” de ouro – o equivalente a 3,586 gramas. A
oitava, por sua vez, dividia-se em 32 frações: eram os “vinténs” de ouro. Cinco vinténs
davam um “tostão”, e vinte vinténs completavam um “cruzado de ouro”. Quem acumulasse
um quilo de ouro podia ter acesso a bens consideráveis. Este valor era suficiente para
comprar 75 cabeças de gado ou 2.250 sacos de milho com cerca de trinta quilos cada um.
Ou, ainda, para adquirir uma mercadoria muito valorizada na economia da época: um
saudável escravo africano.
O maior desafio do governo era a cobrança do “quinto” – 20% de qualquer quantidade de
metal ou pedra preciosa extraída na Colônia que deveria ser paga à Coroa. Após várias
tentativas de se encontrar o sistema mais eficaz de cobrança, chegou-se finalmente ao
método adotado a partir de 1751: foram instaladas quatro casas de fundição nas sedes das
quatro comarcas de Minas: Vila Rica, Rio das Mortes, Serro Frio e Sabará. Ficou, então,
proibida a circulação do ouro em pó: nas casas de fundição, o metal ganhava a forma de
barras e o carimbo real, com o devido desconto do quinto. A nova ordem também tabelou o
preço do ouro. Ao entrar, em pó, nas casas de fundição, ele valia 1.200 réis a oitava (até
então, costumava ser negociado por 1.500 réis). Ao sair, já “quintado”, seu valor era de
1.500 réis a oitava.
Essa diferença gerava uma situação curiosa, detectada pelo Barão Wilhelm Ludwig von
Eschwege (1777-1855): a revolta contra o pagamento do quinto era atenuada. Eschwege
veio ao Brasil em 1810, a convite do príncipe regente D. João VI, para compreender as
causas do declínio da produção de ouro. Sabia-se que a cobrança do quinto gerava
insatisfação entre os mineradores, que o qualificavam de “exorbitante”. Para surpresa do
Barão, no entanto, os produtores tinham a impressão de que seu prejuízo não era tão grande,
justamente por causa da cotação mais alta da oitava quintada. A lógica era a seguinte: cinco
oitavas de ouro em pó valiam seis mil réis (1.200 x 5). Depois de fundidas, o proprietário
recebia uma barra com apenas quatro oitavas, já que a quinta parte era deixada como
pagamento do direito régio. Mas ele possuía os mesmos seis mil réis, pois cada oitava em
barra valia 1.500 réis (1.500 x 4 = 6 mil). Claro que melhor seria não pagar imposto algum,
mas ao quinto “não podia resistir nenhum homem honesto”, argumentavam, segundo
Eschwege.
A queda da produção devia mesmo preocupar a Coroa. Afinal, no século do ouro, pela
primeira vez a metrópole vira a Colônia operar em crescente superávit fiscal. Os ventos de
bonança eram facilmente constatados nos portos, sobretudo no do Rio de Janeiro, de onde
embarcava a maior parte do ouro enviado a Portugal e onde desembarcavam as
mercadorias importadas do Reino. Entre 1700 e 1710, a arrecadação do imposto de
importação (a “dízima da Alfândega”) no Rio saltou de 1,5 conto de réis (o equivalente a 1,5
milhão de réis) para quase cinquenta contos de réis. E não parou mais de crescer,
acompanhando o aumento da produção de ouro. Como consequência deste fluxo de metal
precioso, em 25 anos a cidade e capitania do Rio de Janeiro, até então deficitária do ponto de
vista fiscal, passou a disputar com Salvador a segunda maior receita do Brasil, atrás apenas
de Minas.
Mas, afinal, será possível estimar a quantidade de ouro enviada para Portugal desde a
descoberta do metal até o encerramento das extrações? Graças aos estudos das últimas
décadas, é possível, sim. Com base em relatórios de cônsules franceses em Lisboa, nos anos
1970 o historiador Virgílio Noya Pinto calculou a quantidade de ouro desembarcado em
Lisboa somente de navios vindos do Brasil: foram mais de 529 toneladas entre 1697 e 1760.
Já o pesquisador francês Michel Morineau, a partir de informações de gazetas holandesas,
chegou a um total não muito diferente: cerca de 566 toneladas.
Recentemente, as estatísticas sobre a produção de ouro no Brasil ganharam uma nova
fonte: os “manifestos do 1% do ouro” na Casa da Moeda de Lisboa, cujos dados foram
arduamente levantados pela historiadora portuguesa Rita de Sousa Martins, da Universidade
Técnica de Lisboa. Os manifestos registram, para o período entre 1753 e 1801, um total de
279.838,29 quilos de ouro na Casa da Moeda de Lisboa. Aproximadamente 94% dessas
quase 280 toneladas vinham de Minas Gerais (o restante, de Goiás, Mato Grosso e Bahia).
No século XIX, a produção já minguava: entre 1801 e 1807, não passou de 14,5 toneladas, e
dali em diante só fez decair.
Arredondando essas diferentes contas, pode-se afirmar que em todo o século XVIII o
Brasil mandou para Portugal cerca de oitocentas toneladas de ouro. Imagine uma manada
de cem elefantes de ouro maciço. Foi isso. Sem contar o que circulou de forma ilegal e o
que ficou na Colônia, ornando suntuosas igrejas.
O amarelo da bandeira faz jus à nossa História.
Fonte ibdem pág 104/106 http://migre.me/vDwVG