(Transcrição) As fontes mostram que, uma vez instalados nas Minas, os paulistas reeditaram o velho costume de cultivar roças destinadas à subsistência, mantendo plantações e criações junto às lavras e datas. Um pouco diferente, contudo, era a situação daqueles que, provenientes da Europa e mesmo da América Portuguesa, não estavam suficientemente familiarizados com as técnicas de sobrevivência nos matos. As dificuldades começavam pelo caminho: sem poder contar com os recursos naturais, ficavam à mercê das provisões que levavam e dos mantimentos vendidos à beira das estradas - segundo Ambroise Jauffret, os que partiam do Rio de Janeiro, por exemplo, seguiam até Taubaté, onde compravam milho, abóbora e feijão para serem consumidos ao longo de uma jornada de vinte dias, ao fim da qual chegavam ao Rio das Mortes, onde novamente se abasteciam para alcançar as minas do Ribeirão do Carmo.15 Assim que chegavam as Minas, todos tratavam primeiro de plantar suas roças nas imediações das datas minerais, instalando-se depois nos arraiais e povoados, para esperar até que os mantimentos pudessem ser colhidos.16 Só então é que tinham início os trabalhos de mineração. Por sorte, os ritmos da agricultura ajustavam-se perfeitamente aos ritmos da mineração: na estação das águas, entre novembro e fevereiro, era praticamente impossível lavrar os rios e ribeirões, em razão do grande volume de água; mas era a época propícia para o plantio do milho, mandioca e feijão. Nos relatos, percebese a existência de um padrão bem definido: em novembro, antes de partir, procedia-se à semeadura; regressava-se em fevereiro, quando se iniciavam a colheita e os trabalhos de mineração. Entre o plantio do milho e a colheita, eram necessários mais ou menos noventa dias. No caso do feijão, o ciclo girava em torno de sessenta dias. Mais longo, o ciclo da mandioca tinha doze meses. Apropriadamente, Sérgio Buarque de Holanda dá o nome de “civilização do milho” à cultura dos paulistas, chamando a atenção para o papel decisivo que o cereal desempenhou nas formas de subsistência da gente do Planalto.17 Nos sertões mineiros, o milho consumido prescindia da moagem, que era uma técnica desconhecida pelos índios, que preferiam o milho verde cozido ou a pipoca. Aliás, aos paulistas é atribuída uma preferência especial pela pipoca, conhecida à época como “milho escolhido da brasa.” Nada se comparava, porém, ao consumo maciço do milho amadurecido, empregado para a fabricação da farinha – o verdadeiro pão da terra, nas palavras de Holanda - , e a canjica grossa, descrita pelo biográfo de Belchior de Pontes como um “guisado especial de São Paulo.” Talvez a principal razão pela preferência dada ao milho esteja na facilidade com que podia ser transportado por longas distâncias, sob a forma de grão, para ser depois semeado, ajustando-se, por isso mesmo, às exigências de mobilidade característica dos sertanistas.18 A dieta mameluca dos paulistas, herdeira de quase dois séculos de convivência com o universo cultural dos índios, deve ter chocado os contemporâneos, sobretudo os europeus, pouco familiarizados com os recursos naturais da paisagem americana. De acordo com o estudos de Donald Ramos, grande parte dos portugueses que se deslocaram para Minas Gerais, nas primeiras décadas do século XVII, provinha do Norte de Portugal, premidos pela falta de terras, agravada com altas taxas de fecundidade.19 Familiarizados com a agricultura do milho, cuja introdução fora responsável pela explosão demográfica do século anterior, os portugueses do Norte dominavam suas técnicas de plantio, mas certamente desconheciam as técnicas de sobrevivência nos matos. A caça - essencial à sobrevivência nestes primeiros tempos – certamente pertencia ao repertório cultural dos camponeses pobres, mas a realidade geográfica e ecológica em que a praticavam era, em tudo, diversa da que se confrontavam nas Minas. Infelizmente, as fontes não permitem avançar a análise em direção aos complexos processos de circulação e mestiçagem cultural impostos pelo novo meio, e nos quais as experiências radicalmente diferentes de povos africanos, europeus e indígenas confluíram para a constituição de um aprendizado de sobrevivência adaptado à ambiente do sertão. No caso dos paulistas, por exemplo, o exercício da caça havia assimilado por completo o arsenal bélico dos índios, e o arco e a flecha figuram, às centenas, nos inventários e testamentos estudados por Alcântara Machado.20 Além das roças de subsistência, os mineradores contavam com os frutos silvestres e os animais caçados nos matos, sem falar das variadas mercadorias que abasteciam o mercado local, trazidas pelos pequenos e grandes comerciantes que infestavam a região. Da dieta dos mineradores, a carne bovina ocupava um lugar central: tida por gênero de primeira necessidade, equivalendo ao pão das populações camponesas da Europa moderna, o seu comércio cresceu num ritmo vertiginoso, conectando os sertões mineiros aos currais do São Francisco, Bahia, Pernambuco e Curitiba. Em 1707, o alto preço da carne desencadearia um levante armado contra os responsáveis pelo contrato dos açougues, que foram obrigados a abandonar o lucrativo negócio. Entretanto, em fins do século XVII, as redes comerciais mal davam para abastecer a população da zona mineradora, que dependia quase que exclusivamente da agricultura de subsistência.
Fonte: http://migre.me/7FcA4Piquete-SP, Lugar de Memória: "Inventário dos Lugares de Memória do Tráfico Atlântico de Escravos e da História dos Africanos Escravizados no Brasil elaborado pelo Comitê Científico Internacional do Projeto da UNESCO “Rota do Escravo: Resistência, Herança e Liberdade”. Relativamente ao Núcleo Embrião de Piquete-SP, foram contemplados; "Caminho do Ouro", "Jongo" e "Irmandades", estes dois últimos, na condição de patrimônio imaterial.
GUIA DA UNESCO - Una guía para la administración de sitios e itinerarios de memoria.
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