O inglês Anthony Knivet era membro da expedição de Thomas Cavendish (ou Candish), em sua segunda viagem de circunavegação para o Mar do Sul, no ano de 1591. Ao passar pelo Brasil, adoeceu e, por ser considerado desenganado, foi abandonado na praia de São Sebastião, onde, por milagre, sobreviveu e acabou sendo capturado e feito escravo por Matim Correia de Sá, com quem veio a participar de diversas expedições. Numa delas, passou por Paraty e subiu pela trilha dos goianas, futuro Caminho do Ouro. Em 1625, seu relato foi publicado na Inglaterra por Samuel Purchas sendo este o primeiro texto conhecido em que Paraty (que ele chama de Paratec) é mencionado. Cita também o lugar como sendo habitado pelos goianas e bom para se comprar peles de diversos animais selvagens e âmbar.
Capa da edição holandesa de 1706 do Livro de Anthony Knivet
"... foram os guaianases provocados pela tribo dos tamoios. Aqueles mantinham tráfico e amizade com os portugueses, sendo justamente os mais encarniçados inimigos que os lusos tinham em toda a América estes tamoios. Os guaianases tendo perdido grande número de homens numa batalha, e incapazes por si só de enfrentar o inimigo de novo, pediram mais uma vez socorro aos portugueses. O meu amo, governador da cidade, despachou seu filho Martim de Sá com setecentos portugueses e dois mil índios. Os guaianases haviam assegurado que o máximo que se levaria para chegar aos tamoios seria um mês.
Assim, no dia 14 de outubro de 1597, partimos por mar com seis canoas, da distância de umas trinta milhas do Rio de Janeiro para um porto chamado Parati. No primeiro dia de viagem desabou uma grande tempestade, e julgamos parecer todos afogados, mas quis Deus salvar-nos a vida, embora com perda total de tudo que tínhamos. As canoas viraram de borco com o temporal; agarrando-nos ao fundo delas fomos arrastados à praia com grande risco da própria existência. Do lugar onde fomos lançados à costa, ao Rio de Janeiro em busca de canoas; ao terceiro dia fomos a um sítio da Ilha Grande chamado Ipuá, onde moravam dois ou três portugueses. Aí havia grande quantidade de batatas e bananas para se comer. Nesse sítio permanecemos cinco dias à espera de quinhentos índios que deviam vir de uma ilha chamada Jaquarapipo. Quando estes nativos chegaram, partimos em canoas para o deserto porto de Parati. Prosseguindo viagem durante a noite atravessamos uma grande baia, onde uma baleia revirou uma das canoas; não obstante, apanhamos os homens que haviam caído ao mar e continuamos para o mencionado porto. No dia seguinte o capitão ordenou que todas as canoas fosses retiradas da água, recobertas por completo com galhos, resolvendo que se partisse imediatamente por terra.
Na noite em que chegamos a Parati. veio-nos um selvagem de nome Aleixo, de uma aldeia chamada Juqueriqueré; tal aldeia fica à beira-mar, bem em frente à ilha de São Sebastião. Este índio trouxera oitenta arqueiros consigo. oferecendo-se com toda a sua gente para acompanhar o nosso capitão. No dia seguinte continuamos a viagem, através de serras: à noite o capitão vendo Aleixo. o bugre, deitado no chão. tirou a rede que eu tinha para deitar-me e deu-a ao canibal. tendo eu sido forçado a deitar-me na terra. Queixei-me a alguns portugueses da maldade que me fizera o capitão; responderam-me que seu pai me mandara nesta viagem unicamente no intuito de fazer-me desaparecer: respondi que seria feita a vontade de Deus. Depois de termos viajado durante três dias, arribamos ao sopé de enorme montanha, chamada pelos índios Paranapiacaba, que quer dizer em nossa língua "Mar à vista"; Esta montanha é tão alta que levamos três dias de escalada e três de descida. Dois dias depois da descida encontramos um belo campo. semelhante a um prado de relva crecido com grande quantidade de pinheiros: aí acampamos durante a noite num vale, onde matamos cerca de seiscentas cobras. Foi providencia divina que somente um índio chamado Jerónimo fosse picado. e ninguém mais: este índio inchou todo. o sangue jorroulhe dos olhos e das unhas e assim morreu. Depois disto voltamos a percorrer serras durante cerca de quarenta dias, chegando afinal a um grande rio chamado Paraibuna. que se atravessou numa peça feita de bambus ligados com cipós. peça que os portugueses chamam jangada. Levamos quatro dias a passar sobre este rio. tão grande era e tão rápida a sua corrente."
Fonte do Relato: KNIVET, Anthony. Varia Fortuna e Estranhos Fados de Anthony Knivet. São Paulo, Editora Brasiliense, 1947, pp. 61 a 65 (Fonte: http://migre.me/8o1sv)