Através de registros iconográficos conhecidos, podemos identificar na
porção leste da Capitania, em uma região mais próxima a Serra da
Mantiqueira, o traçado de uma estrada – a Estrada dos Goiases ou do
Anhanguera – a avançar pelos sertões com o apoio de paragens e povoados
como Mogi Guaçu, Casa Branca, Batatais, Franca.
Aberta a partir do descobrimento das “minas dos goiases” em 1722, a
Estrada do Anhanguera merecera, a partir de 1726, a concessão de alguns
lotes de sesmarias (doados, inicialmente, aos descobridores das minas de
Goiás), seguindo-se, entre os anos de 1728/1735, novas concessões
voltadas a fixar “criações de gados e cavalgaduras em terras que se
acham devolutas”, além de fornecer gêneros, promover a sustentação da
estrada e permitir o “augmento na real renda dos dízimos, e taxação aos
minérios”. Em 1730, já definida como estrada real, o caminho passaria a
contar com “registros nos rios, sesmarias ao longo da rota e a
instalação de funcionários reais” no controle e cobranças (BRIOSCHI,
1991, p12).
O “Caminho do Anhanguera” ou “Estrada dos Goyases”, como se tornou
conhecida, partia de São Paulo rumo a Jundiaí, passava pelo bairro rural
de Mato Grosso (Campinas), margeava a Serra da Mantiqueira e na altura
do “sertão da farinha podre” (triângulo mineiro) tomava a direção oeste
rumo as minas de Goiás e Mato Grosso.
Esta estrada, no curso do século XVIII, acabou por fixar pousos,
fazendas de gado e de cavalgaduras (que também forneciam gêneros para a
sustentação da estrada), além de promover a instalação de povoados
(instalações geralmente precedidas/acompanhadas pela obtenção de
sesmarias) tornando-se “razão de existência e (..) sobrevivência” dos
“primeiros assentamentos populacionais” (BRIOSCHI 1991) que dariam
origem as cidades de Mogi Mirim (1769), Mogi Guaçu (1877), Casa Branca
(1841), Batatais (1839), Franca (1821), entre outras.
A “Estrada do Anhanguera”, na altura do “sertão da farinha podre”
também dava acesso ao caminho para a comarca do rio das mortes (São João
Del Rei) – a “Picada de Goiás” (aberta em fins da década de 1740) –
prestando-se a interligar o sul de Minas Gerais ao território goiano.
Este caminho possibilitaria aos mineiros disputar com os paulistas o
fornecimento de gêneros e criações para os arraiais e vilas goianas e
mato-grossenses, auxiliando-nos a compreender o porque do
enfraquecimento vivido pela “Estrada dos Goiases” entre as décadas
1740/1800, período no qual praticamente cessaram as distribuições de
sesmarias em seu trajeto.
Na verdade, mais do que uma “via de comunicação e circulação de
riqueza”, o “caminho do Anhanguera” cumpria com o papel de dar “razão de
existência e (..) sobrevivência” aos “primeiros assentamentos
populacionais” (BRIOSCHI, 1991, p13), fixando moradores para, a partir
deles, promover a ocupação de uma região desconhecida - característica
que permitiu à estrada e a vários de seus pousos sobreviver “mesmo após o
surgimento dos primeiros núcleos urbanos da região” (BRIOSCHI, 1991,
p18).
Além desta rota, surgiriam outras estradas destinadas a interligar as
vilas paulistas com os mercados em desenvolvimento, entre elas: a
“Estrada para a Vila da Constituição” - que interligava as vilas de São
Paulo a Araritaguaba/Porto Feliz (1797), passando por Itu e
Constituição/Piracicaba; a “Estrada para a divisa de Minas Gerais” – que
seguia por Juqueri, Atibaia (1769) e Bragança (1797); a “Estrada do
Norte de São Paulo”- que interligava São Paulo a Bananal, no Vale do
Paraíba, através das atuais Mogi das Cruzes (1611), Jacareí (1653), São
José dos Campos (1767), Taubaté (1645), Pindamonhangaba
(1705), Guaratinguetá (1651), Lorena (1788), Areias (1816) e Bananal
(1832); a “estrada para Ubatuba” (1637), que passava por Santos, São
Sebastião e Caraguatatuba (1857); e ainda, o caminho para o Paraná
“através de Cotia, São Roque, Sorocaba, Itapetininga e Faxina
(atualmente Itapeva)” (MATOS, 2001).
Em direção oeste também começavam a ser abertos caminhos por terra,
entre eles, o “Picadão de Cuiabá”, que rumava para os ainda pouco
conhecidos “campos do Araraquara” localizado entre os rios Tietê,
Jacaré-Guaçu e Moji-Guaçú.
Ainda no século XVIII, outros caminhos desempenharam papel
fundamental no desvendamento e ocupação dos sertões, a começar pela rota
fluvial que, a partir do rio Tietê alcançava as minas de Cuiabá,
desempenhando um papel central no abastecimento de parte da região
centro-oeste. Ou ainda, um terceiro caminho aberto por ordem
governamental em meados do século XVIII, o “Picadão de Cuiabá”, que pela
margem direita do Rio Tietê procuraria alcançar os chamados “campos do
Araraquara”, localizados entre os rios Tietê, Jacaré-Guaçu e Moji-Guaçú,
em grande medida desconhecidos.
A expansão dos negócios de abastecimento mineiros, por sua vez, viria
ocupar um lugar importante na constituição “moderna” do Estado de São
Paulo, em especial, na proporção em que suas atividades agro-pastoris
começaram a adentrar o território paulista e alterar sua dinâmica
interna “de negócios”. Na verdade, o crescimento destas atividades e a
penetração de um forte e contínuo contingente de mineiros pelos sertões
paulistas da década de 1740 em diante, acabou por promover mudanças
profundas no sistema de ocupação e produção original, imprimindo-lhes um
sistema e dinâmica de posses, pastagens e criações diretamente
associados às relações mercantis.
Com base, então, em uma outra econômia de subsistência, a colonização
dos sertões paulistas começou a ganhar nova configuração,
enfraquecendo-se pouco a pouco sua agricultura itinerante tradicional
(verdadeira barreira ao fortalecimento das relações de mercado) para dar
lugar a um regime de posses, uso da terra e técnicas, organização
específica de trabalho e produção voltada para o mercado interno sob
moldes mineiros.
De forma concomitante, a dinâmica migratória revelou-se intensa: em
pouco tempo passou-se a registrar a presença, ao longo da Estrada dos
Goiases, de uma sucessão de posses e/ou sesmarias associadas a pousos
que, segundo a obra Entrantes do Sertão do Rio Pardo, assemelhavam-se
mais a fazendas especializadas “em atender aos viandantes e às tropas
que seguiam pelo caminho”; verdadeiras unidades produtivas que mantinham
seus roçados (mandioca, cana, feijões, bananas, algodão, milho, entre
outros) associados, muitas vezes, a campos de pastagem e criação de gado
vacum, cavalar e suínos, oferecendo não apenas sustentação para a
estrada mas o próprio desenvolvimento econômico à Capitania. Em lugar,
portanto, da maneira tradicional “paulista” de habitar os
sertões (fundada na agricultura itinerante e no convívio - mais ou menos
violento - com etnias indígenas), o que começava a se interiorizar eram
relações de mercado no próprio trato da terra, das criações e
atendimento aos viajantes.
As atividades de abastecimento das paragens passaram, pouco a pouco, a
estabelecer relações com outras paragens e a promover uma dinamização
comercial entre suas atividades e localidades, transformando-se antigas
“bocas de sertão” em “paragens de viajantes”, e em alguns casos, em
povoados promotores do desenvolvimento de “novas fronteiras”;
localidades estruturadas em “pequenas e médias unidades produtoras
dedicadas a diversas atividades voltadas para o auto-abastecimento, para
o mercado interno e, mais tarde, para o mercado externo” (MESSIAS,
p20/21).
Através da “Estrada dos Goiases” e dos demais caminhos (terrestres e
fluviais) pelos sertões paulistas, as atividades agrícolas e criatórias
associadas ao mercado interno ganharam mais uma especialidade no início
do século XIX: lavouras extensivas de cana de açúcar e café voltadas
para o mercado externo. Estas lavouras começaram a surgir nas últimas
décadas do século XVIII na porção sul da Capitania, no chamado
“quadrilátero do açúcar” (formado entre as regiões
de Constituição/Piracicaba, Mogi Guaçu, São Carlos/Campinas e Itu), em
resposta a um conjunto diverso de fatores econômicos e políticos, entre
eles, uma nova política governamental que se voltava a promover a
ocupação, produção e povoamento do território através da concessão de
sesmarias em regiões consideradas estratégicas, da adoção de medidas
para a reestruturação do porto de Santos, da melhoria das vias de
comunicação entre o planalto e o litoral, ou ainda, da definição de
novas diretrizes de comercialização com a Metrópole. (continua)
Fonte: http://hzoom.com.br/en/artigo/146
Parafraseando: É certo que a “Estrada do Anhanguera”, na altura do “sertão da farinha podre”
também dava acesso ao caminho para a comarca do rio das mortes (São João
Del Rei) – a “Picada de Goiás”. Todavia, a referida "Picada de Goías", também denominada Estrada Real de Pitangui, tem sua origem muito antes, ou seja, nãp foi aberta em fins da década de 1740. Trata-se de caminho originariamente percorrido pelos paulistas que após a guerra dos Emboabas em 1709, deixaram a região de Sabara. Assim sendo, seguiram em direção a Mato Grosso. Fazendo-se necessário lembrar que, a descoberta de ouro em Mato Grosso, antecedeu a descoberta do ouro em Goiás. Portanto, a primeira itinerário rumo a sertão do Oeste, foi pelo caminho Geral do Sertão, Caminho dos Paulistas, Estrada Real do Sertão, via Vale do Paraíba, interligando o sul e região central de Minas, ao território goiano, de Mato Grosso.
Aberta a partir do descobrimento das “minas dos goiases” em 1722,
Aberta a partir do descobrimento das “minas dos goiases” em 1722,