sábado, 23 de abril de 2016

Sertão (Transcrição)

  Resumo:
A interiorização da colonização portuguesa no Brasil apenas ocorreu no final século  XVII, quando ricos reservatórios de ouro foram descobertos nas futuras Minas Gerais. A penetração se iniciou pelo eixo do Caminho Velho, que ligava o porto de Paraty aos arredores  dos Pico do Itacolomi. O movimento de expansão colonial luso-brasileiro do século XVIII representou uma grande ruptura sócio-ambiental na região em função da introdução nesses
‘sertões’ de novos costumes, imaginários, técnicas e bioorganismos. Ainda que a limitação das técnicas tenha minimizado a escala de impactos, as raízes para a destruição massiva dos  ecossistemas nativos da região foram plantadas nesse período, especialmente porque as lógicas locais passaram a ser suplantadas pela lógica metropolitana de acumulação de riquezas materiai
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Sertão:
A idéia de sertão no período colonial está relacionada, mais do que a atributos físicos, a uma  percepção sócio-cultural do espaço; os sertões seriam as terras interiores ‘não-civilizadas’, zonas de  litígio e conflito, habitadas por selvagens (RIBEIRO, 2008). Nesse sentido, o ambiente do sertão  seria caracterizado não necessariamente pelo clima seco e a vegetação rala, mas por uma natureza  não-domesticada, hostil. Na visão européia, as florestas densas e exuberantes se enquadravam  nessa classificação, não havia animais e plantas familiares aos naturais do Velho Mundo, tudo  era novo. Desvinculado do domínio europeu, os sertões seriam os espaços desconhecidos,  indomados, habitados por feras e homens ferozes, ‘mundos sem forma’ (WEGNER, 2000).
Mas, assim como a população nativa, vista a partir de uma perspectiva dúbia – fonte de  mão-de-obra e conflitos – o sertão embutia também promessas de riqueza: correndo “para o  ocidente por um largo espaço [...] sabia-se [...] consistir de terras férteis, nas quais se poderiam  instalar lavouras e criação de gados e fundar vilas e cidades. Podia ainda abrigar minas de  metais, salitre e pedras preciosas” (SANTOS, 2010, p. 34-35). Cabia à metrópole a incorporação  desse sertão ambíguo e movediço que recuava e avançava segundo o movimento da fronteira  de colonização luso-brasileira (RODRIGUES, 2003). Os pioneiros paulistas aderiram à vida  errante em busca de escravos e terras num primeiro momento, e posteriormente, em busca  de ouro. Necessitavam assim se adaptar às condições impostas por uma natureza ‘selvagem’ e  dependiam, para isso, de um conhecimento de que apenas os ameríndios dispunham. A cultura  ameríndia fornecia as bases técnicas e materiais para que colonos lusos pudessem efetuar  suas explorações espaciais: os indivíduos indígenas serviam como guias, decifravam trilhas  e apresentavam recursos de sobrevivência no ambiente selvagem; além disso, trabalhavam  compulsoriamente nos empreendimentos paulistas ou eram vendidos aos engenhos do nordeste. No início, portanto, os intercursos entre portugueses e nativos, especialmente em  termos materiais, foram íntimos e positivos, permitindo o estabelecimento de fortes vínculos  entre conquistadores e terra conquistada – ou a conquistar (WEGNER, 2000). O equipamento  técnico do Velho Mundo, contudo, não funcionava nesses sertões do ‘Novo Mundo’, implicando  em uma reavaliação de hábitos e concepções europeus. A adoção do milho na dieta alimentar,  dos pés descalços nas trilhas e do arco e flecha na caça reflete a adaptação dos portugueses  às asperezas do meio nesse primeiro momento em que a fronteira exige um constrangimento  das heranças externas às tradições indígenas acomodadas previamente àquele ambiente. A penetração do sertão somente foi possível mediante essa nativização/indianização do  português bandeirante (DEAN, 1996; WEGNER, 2000) ocorrida além das vilas. Nessas, porém,  embora houvesse elementos nativos como a língua e o milho, a relação de dominação do europeu  sobre o índio e o mameluco era bastante enfatizada, particularmente através de signos de status como  sapatos de couro e velas. Gradualmente em conformidade com a difusão das instituições e estruturas  européias que acompanhavam o avanço da fronteira, os mamelucos foram perdendo prestígio, assim  como os legados indígenas, não mais necessários após a retomada das tradições do ‘Velho Mundo’. A transposição da cultura européia, então, não acontece de modo pleno, mas de acordo  com as demandas cotidianas de um novo ambiente, resultando em uma nova dinâmica entre meio-cultura-sociedade. Os portugueses incorporam práticas da cultura indígena atribuindo-lhe novas  lógicas e significados. Os portugueses e seus descendentes culturais luso-brasileiros, na tentativa  de reproduzir no Brasil não apenas suas instituições sociais, mas um espaço físico familiar ao  ‘Velho Mundo’, impõem sua cultura e ‘natureza’ a um espaço vasto e heterogêneo, importando  matérias e imatérias, costumes, animais, plantas, crenças. No decorrer de um século, forças  políticas e econômicas concorreram para alterar inteiramente o perfil cultural e ecológico dos  sertões de minas: enquanto o sertão dos Cataguases contava no século XVI com uma população  escassa (provavelmente em função das viroses trazidas com os navios europeus) e dispersa,  predominantemente indígena e mameluca; ao longo setecentos, a região transformou-se numa  área populosa com alta concentração demográfica em determinados centros, e com elevado índice  de populações africanas, afrodescendentes e brancas – quase inexistentes no século anterior. Há, portanto, uma grande ruptura na dinâmica espacial do interior brasileiro no século  XVIII: como esclarece Santos (2008), antes da conquista européia, as relações sócio-ambientais  ameríndias eram regidas basicamente por lógicas locais, sendo imprescindível certa continuidade  ambiental para manter intactos os ethos indígenas. A chegada dos portugueses, que atuam a partir  de imperativos ultraoceânicos, impõe uma nova lógica que se sobrepõe aos interesses locais; para  os adventícios, não há necessidade de manter equilíbrio ambiental, pois não há correspondência  direta entre os ambientes nativos e os meios de vida coloniais. A metrópole e os colonos visavam  apenas explorar as riquezas das minas de maneira rápida sem atentar para questões ecológicas que,  direta ou indiretamente, constavam no imaginário ameríndio. Além disso, nem a cultura negra  nem a branca haviam sido forjadas na interação com aqueles meios específicos, não há identidade. Apesar da soberania portuguesa, as influências ameríndias impactaram permanentemente  as relações entre luso-brasileiros e natureza: nas primeiras décadas de ocupação não-indígena das  Minas Gerais, a técnica majoritariamente adotada pelos colonos para cultivo de espécies vegetais  originara-se da coivara adaptada, porém a uma lavoura mais intensiva. Mesmo quando em meados  do século XVIII, a Coroa tenta incutir métodos sedentários para facilitar a cobrança de impostos,  os horticultores relutam em adotar o arado; se por um lado isso revela a importância das raízes  indígenas na formação da cultura mineira; por outro, a necessidade de suprir a população nos  padrões de base européia, a partir de uma técnica nativa, teria custado, segundo Dean (1996) cerca  de seiscentos quilômetros quadrados de floresta secundária anuais ao longo do século XVIII.

    A Colonização Ecológica do caminho do Ouro: mineração e
devastação no século XVIII.

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