segunda-feira, 2 de maio de 2016

De “Paradoro de estalage” no caminho para as Minas do Pitangui à Cidade do Pará (1877) - Artigo de Maria da Graça Menezes Mourão Especialista em História e Cultura de Minas pela PUC-Minas (Transcrição)


1-Os caminhos, células geradoras de arraiais, na Cartografia Setecentista

Os caminhos sempre foram relevantes para determinar a importância e influência de uma cidade em uma região. Usados como ponto de fixação do comércio e dos habitantes, eles foram responsáveis pelas formas urbanas mineiras: longitudinais onde [...] ligando os arraiais se transformavam em ruas e estes por sua vez, também se ligando, transformavam-se em vilas e cidades.[9] Analisando essa questão, o cartógrafo Antônio Gilberto Costa esclareceu que os arraiais mineiros que se enfileiravam ao longo do Rio das Velhas, depressa estavam interligados por uma rede de trilhas e passagens inclusive com os remotos postos avançados e estabelecidos no inabordável Serro do Frio, parte do Sítio do Jequitinhonha.[10]

O conhecimento dos caminhos que se formavam no período inicial das Minas se deu com a viagem do Conde de Assumar em 1717. Ele, do Rio de Janeiro vai a São Paulo tomar posse de suas novas funções e dirige-se às Minas chegando à Parada do Tripuí – pouco antes de onde surgiria Vila Rica – no início de dezembro daquele ano. Foi através dessa viagem que se elaborou o Mapa das Minas do Ouro e São Paulo do Mar que lhe pertence, detalhando-se as cadeias de serras e rios no caminho para a região aurífera. Nele, Pitangui está representada com o símbolo de vila, cuja marca é um forte com o sinal da realeza, uma torre encimada por uma coroa. Quanto à conformação da hidrografia ali representada, os cartógrafos da época, comparavam-na ao Gênesis – rios do paraíso – cujos principais se bifurcavam em braços que protegiam as riquezas minerais em ouro, diamantes, pedras preciosas. Tais comparações foram feitas pelo místico Pedro de Rates Henequim: Minas era o Paraíso Terreal em que Adão foi criado.[11] Sobre esse assunto, Manoel Francisco dos Santos Soledade quando visitou os sertões do Brasil preparou um manuscrito secreto denominado Roteiro ilustrado de Terras Minerais do Brasil onde escreveu:

[...] as serras monstruosas que em parte se dificultam ao trato com muita dificuldade se rodeiam [...]; os rios caudalosos se apartam da costa Sul do Brasil onde se acharam em círculo inteiro as mais novas e grandes minas até o Rio da Prata; um verdadeiro “saco do ouro do Sul”. [...] os rios caudalosos que apartam da costa do sul ao entrar no de São Francisco esta margem do das Velhas até esta lapa [ponto central dessas terras, a Lapa de Bom Jesus na Bahia] são: o Gyticahy [primitivo nome do Rio Grande] o Pacahy, o Tucambira e de arranchamentos abaixo é o Paramirim, [o Rio Pará] e outro Verde [na divisa de Minas com Bahia no XVIII, bem perto de Pitangui], ambos minerais. Nos campos e matos, entre o arco do Rio das Velhas é o Paraypeba que com vertentes das Minas do Pitangui se formam o de São Francisco. [...] Campos e matos com serranias entraentraem entre o Rio São Francisco ao SE , Pitangui a SO, Cuiabá a NO, Paracatu a NE. Neste Paracatu de Santo Antônio se acharam em círculo inteiro as mais novas e grandiosas minas até o Rio da Prata. [...] As Minas Gerais entre Paraypeba e Pitangui, até o Ribeiram [do Carmo] e Rio das Mortes seguem pelo Caminho do Rio de Janeiro por Paraybuna.[12]

Na Cartografia da conquista do território das Minas encontram-se exemplos de cartas sertanistas ou de engenheiros militares que pertencem à fase anterior a dos padres matemáticos a mando de D. João V. A primeira delas já foi citada, Mapa das Minas do Ouro e São Paulo do Mar que lhe pertence, e a outra trata da Região das Minas Gerais com uma parte do Caminho.[13] Nela, descreveu-se a rota do Sabará para as Minas do Pitangui que desde o final do século XVII começaram a ser povoadas por paulistas. A respeito delas em carta ao rei, o Conde de Assumar escreveu que eram de tanto ouro que não se vira coisa igual. Eram tão fabulosas que ele, em 1720, as protegeu estabelecendo as divisas das capitanias de Minas Gerais e da Bahia no curso do Rio Verde, além de Pitangui, contrariando o governo geral e o bispado baiano. Por isso, ali se erigiu a primeira Vila do Centro-Oeste Mineiro, a de Nossa Senhora da Piedade do Pitangui, cuja freguesia chamava-se Freguesia de Nossa Senhora do Pilar, em abril de 1715. Nas proximidades, Domingos Dias da Silva confirmou suas três sesmarias em 26.03.1716 e tornou-se o povoador de Onça do Pitangui.[14]

O caminho para essas minas acabou se tornando o palco onde a maioria das cidades do Centro-Oeste Mineiro teve a sua origem e deu os primeiros passos na história vivendo seu papel. È fácil identificar o surgimento dos núcleos na anotação na margem esquerda do mapa Região das Minas Gerais com uma parte do Caminho, provavelmente de um bandeirante:

Passava a Curral del Rey 2 léguas, de Curral del Rey as Abobras 4 leguas, das Abobras as incruzilhadas que passava a Cata Altas 3 leguas, desta incruzilhada ao Riacho das Guardas são tão bem 5 leguas, dahi a primeira povoação de Pitangui sobre o Rio de São João são duas leguas e daly abaixo Rio de São João com o Ribeiro da Onça que faz barra sobre o Rio de São João. Dahi a vila de Pitangui são de leguas três. O Morro do batatal fica inrriba da Vila formando o dito morro da posse do norte e avizinha em distância oito léguas no Rio são João perto da donde o dito Rio de São João faz barra no dito do de Pitangui (Pará) e otros e [...] grande o Para (Rio São Francisco). [15]

Também, na Cartografia da conquista do território das Minas, encontra-se a descrição do Caminho do Pitangui. Fazendo a sua leitura, observa-se leitura que antes de chegar a São João segue o Rio Pará onde se vê um asterisco e a palavra São Francisco; ao lado se encontra Rio de Pitangui que na verdade é o Rio Pará onde se deságua o Rio São João, bem próximo à cidade de Pitangui. Escreveu-se aí a seguinte anotação: do Rio das Mortes vai ao Pitangui ao Rio de São João, cabeceiras do Rio de São João, onde se marcou Itatiaiasu.[16] Seguindo o Rio da Paraipeba, o Sítio da Mata ao Sítio do Borba, Caminho do Curral, Abrobas, Diogo, Porteira, Curato do Matheus (Mateus Leme)[...].[17] Este trecho, como citado, refere-se, portanto, à picada que do Sabará se fez para Pitangui que era nome que se dava ao Rio Pará até 1720. Nessa ação é veemente o papel do tenente-general Manuel de Borba Gato, patente que recebe do Gov. Artur Sá de Menezes quando foi empossado no cargo de Superintendente das Minas, imbuído de poderes para distribuir terras, datas e águas minerais. Depois de certo período com o governador em Sabará, ele, Bartolomeu Bueno (II) e Antônio Pompeu Taques rumaram para as bandas do Pitangui, após justificaram-se perante os céus, pois, mandaram cada um construir uma capela aos santos de suas devoções, segundo Viana Passos.

Mandou o Coronel [Borba Gato] aparelhar os elementos de que carecia e, convidando alguns amigos, partiu com seus genros, [Antônio Tavares e Francisco Arruda ([18]), para o sertão, repisando as passagens de sua antiga expedição e vindo para o Sumidouro, de onde subiria ao velho descoberto.[19]
Iniciava-se, pois, a saga povoadora no Sítio do Borba em direção ao Centro-Oeste Mineiro onde ele, Borba Gato, distribuindo sesmarias e concessões para minerar, tornou-se o grande e primeiro povoador do Caminho do Sabará, também denominado de Caminho do Pitangui o destino de quem vinha pelo Caminho dos “Corrais”[20], no seguimento do Caminho Geral do Sertão. [21]
O Caminho do Pitangui chegou a ser conhecido também como o Caminho do Borba ou Caminho do Velho Borba[22] expressão que surgiu após a sua morte, em 1734[23]. Com o passar do tempo foi recebendo outros nomes, à medida que outros núcleos surgiam: Caminho da Capela Nova do Betim, Caminho do Mateus Leme...
Porém, aproveitando a produção deste texto, temos que ressaltar a oficialização do Caminho do Pitangui como Estrada Real, denominação que se dava a toda picada aberta ou reconhecida pelo governo português. Tal se deu quando do Inficionado, em 22.06.1718, o Conde de Assumar despachou uma ordem ao sargento-mor João Ferreira dos Santos e ao Capitão Francisco Duarte Meireles:
[Solicitando aos dois] para seguirem pelo caminho que vai para os currais começando da encruzilhada que vai para o engenho do Coronel Correia de Miranda até o Montro. (Monteiro), fazendo pontes, atalhando as voltas, como for possível, sendo que de Jequitibá para baixo (onde o Rio Paraopeba dá uma grande volta[24]) se concederá a cada um deles, o sítio ou sítios como for o justo, conforme o trabalho que tiverem.[25]
A respeito deste atalho que o Conde de Assumar mandou fazer, encurtando as distâncias entre Vila Rica e Pitangui, a partir do engenho do Coronel Correia Miranda, hoje Fazenda da Cachoeira em Pará de Minas, o historiador da cidade de Esmeraldas, Avelar Rodrigues, deu sua importante colaboração.
Quem partia de Pitangui, pelo Caminho Garcia Rodrigues até a Guanabara, passava pelos vales do São João, Guardas, Paciência, por este sítio que é hoje Pará de Minas e daqui a Mata do Cego, seguindo daí, em dois rumos, para Mateus Leme e Betim, ou pela antiga “Fazenda de Santa Quitéria”, hoje Esmeraldas.[26]
As duas possibilidades que o caminho oferecia estão bem claras na sua explicação. Viandava-se por Santa Quitéria, hoje Esmeraldas, ou pela Mata do Cego[27] onde existia um paradoro de estalage[28], um dos núcleos formadores do Arraial do Patafufo.
Com o tempo, entre as Minas de Sabará e as Minas do Pitangui, o solo pontilhou de fazendas. Logo, ali se encontrava o Morro do Mateus Leme; depois, a Mata do Cego dos Penteados; o arranchadouro do Manuel Gomes Baptista, o Patafufo; o Sítio Seara de Miguel da Costa Leite; o Sítio dos Guardas, proveniente da sesmaria de Diogo da Costa Fonseca; o Sítio do Paiol Velho, formado pelas três fazendas da sesmaria do povoador Domingos Dias da Silva, hoje Onça do Pitangui; o Sítio da Aparição Velha, ou seja, a Aparição de Baixo e Aparição de Cima, localizado na serra do mesmo nome, domínio dos “Ferreira”[29]; o Sítio do Rio de São João (Ribeirão das Lages, Ponte Alta), onde se estabelecera Bartolomeu Bueno de Siqueira (II), dando origem a São José da Varginha; o Sítio do Pitangui, de Domingos Rodrigues do Prado.
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Fonte: http://migre.me/tFInz

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