O encontro com os habitantes da terra.
Na mentalidade então vigente, os portugueses só concebiam a possibilidade de um único mundo, o mundo cristão, representando a única realidade possível e a qual, portanto, todos os povos deviam reconhecer. Por isto, as cruzadas. Por isto, a preocupação exacerbada com a conversão dos infiéis e, no caso, dos gentios . Esta mentalidade já se põe presente no primeiro documento do achado da terra:
... não duvido que eles, segundo a santa tenção de Vossa Alteza, se farão cristãos e hão de crer na nossa santa fé, à qual praza a Nosso Senhor que os traga, porque certamente esta gente é boa e de bela simplicidade. E imprimir-se-á facilmente neles qual quer cunho que lhe quiserem dar, uma vez que Nosso
Senhor lhes deu bons corpos e bons rostos, como a homens bons. E o Ele nos para aqui trazer creio que não foi sem causa. E portanto Vossa Alteza, pois tanto deseja acrescentar a santa fé católica, deve cuidar da salvação deles. (CAMINHA, 1963: 60)
Senhor lhes deu bons corpos e bons rostos, como a homens bons. E o Ele nos para aqui trazer creio que não foi sem causa. E portanto Vossa Alteza, pois tanto deseja acrescentar a santa fé católica, deve cuidar da salvação deles. (CAMINHA, 1963: 60)
A vida portuguesa se realizava sob a ótica da fé cristã que, mais que a nacionalidade, algo que mal se esboçava na Europa, significa união e comunhão. A concepção cristã de mundo, de ordem social, não conferia direitos iguais para todos, senão
um a função para cada parte do corpo social, função que devia ser executada, com pondo o todo da sociedade. Insisto neste aspecto para que o leitor se represente vivida mente as relações sociais, os agires sociais, sem a preocupação de harmonizá-los, mas atento à
diversidade de interesses imediatos e, portanto, à existência de conflitos, uns e outros pendendo sem pre do entendimento religioso/sagrado fundante da concepção de mundo portuguesa. Os diversos fazeres da vida social, com o governar, fazer guerra, comerciar, pregar a doutrina, etc., tudo isto se explicitava segundo o entendimento do mundo radicalmente cristão. Não há por que se espantar da dominação imposta aos povos que não aceitavam a sua fé, nem das guerras, nem do uso de mão-de-obra, nem da imposição dos costumes cristãos, nem dos castigos, etc.: tudo refletia a visão unívoca do universo. Os portugueses, encontrando aquigentios, com eles praticaram o seu entendimento de mundo. O rei manda, sim, os padres da Companhia de Jesus especialmente para sua doutrinação. Tarefa específica. A conversão, porém, interessava a todos e todos deveriam realizá-la. Por mais distantes que capitães, mercadores, senhores de engenho, exploradores do sertão e demais funções parecessem (para nós) estar do processo de conversão, todos eles, na hora de prestar conta do que faziam, reconheciam que tinham procedido exatamente para atender a este objetivo fundamental decorrente da visão de mundo que lhes era própria e que eles diziam fé . Mais do que qualquer outro testemunho, os autos da Inquisição o com provam. A conversão se chamaria, hoje, incorporação, num desenho evidentemente religioso: um povo estranho, fazendo-se cristão (português), estaria assemelhado a todos os demais cristãos. As diferenças, que ocorreriam , seriam de posição social, segundo a imagem do corpo. Fundamentalmente, todos, igualmente, com poriam o corpo social, segundo suas competências, disso resultando o bem com um. A doutrina feita aos índios deve continuar a ser analisada de acordo com os conflitos de interesse imediato – jesuítas, ordens religiosas, clero secular, senhores de engenho, mercadores, capitães, etc. – mas, se iluminada pela visão corporativa de sociedade, recompõem-se distorções de interpretação e torna-se possível um a maior sensibilidade para entender o modo com o os portugueses quinhentistas sentiam sua própria situação. Em outras palavras, a compreensão da realidade pela lente do sagrado unifica o olhar, a interpretação e os atos de todos os portugueses, sem contudo estabelecer uniformidades ou harmonia. As diferenças se fazem possíveis porque sustentadas por um a referência com um vivenciada por cada um, a seu modo portanto. A assim ilação dos gentios via conversão os fazia cristãos, iguais aos demais cristãos. Por outro lado, a vida portuguesa continuava, segundo toda a tradição: primeiramente, a crença no modelo absoluto de afirmação da realidade; daí resultando o respeito às posições sociais e aos direitos delas derivados; os quefazeres sociais e as profissões decorrentes; o entendimento da prática mercantil em nível global, obrigando à produção; e, acima de tudo, os fundamentos religiosos da viver social. Havia, pois, que se descobrir a competência dos índios, pela qual contribuiriam para o bem da república. Nenhum estrato social português – nem o clero, pois; nem a Companhia de Jesus – teve dificuldade em o assinalar: eles serviriam para o trabalho braçal, onde fosse necessário, e para a defesa. A forma de serem produzia, no entanto, ambiguidades nas relações – os índios feitos realmente cristãos
mas se com portando destoantemente – delas tirando os portugueses argumento para procederem com mais determinação em função dos seus próprios interesses e conveniência. 3
diversidade de interesses imediatos e, portanto, à existência de conflitos, uns e outros pendendo sem pre do entendimento religioso/sagrado fundante da concepção de mundo portuguesa. Os diversos fazeres da vida social, com o governar, fazer guerra, comerciar, pregar a doutrina, etc., tudo isto se explicitava segundo o entendimento do mundo radicalmente cristão. Não há por que se espantar da dominação imposta aos povos que não aceitavam a sua fé, nem das guerras, nem do uso de mão-de-obra, nem da imposição dos costumes cristãos, nem dos castigos, etc.: tudo refletia a visão unívoca do universo. Os portugueses, encontrando aquigentios, com eles praticaram o seu entendimento de mundo. O rei manda, sim, os padres da Companhia de Jesus especialmente para sua doutrinação. Tarefa específica. A conversão, porém, interessava a todos e todos deveriam realizá-la. Por mais distantes que capitães, mercadores, senhores de engenho, exploradores do sertão e demais funções parecessem (para nós) estar do processo de conversão, todos eles, na hora de prestar conta do que faziam, reconheciam que tinham procedido exatamente para atender a este objetivo fundamental decorrente da visão de mundo que lhes era própria e que eles diziam fé . Mais do que qualquer outro testemunho, os autos da Inquisição o com provam. A conversão se chamaria, hoje, incorporação, num desenho evidentemente religioso: um povo estranho, fazendo-se cristão (português), estaria assemelhado a todos os demais cristãos. As diferenças, que ocorreriam , seriam de posição social, segundo a imagem do corpo. Fundamentalmente, todos, igualmente, com poriam o corpo social, segundo suas competências, disso resultando o bem com um. A doutrina feita aos índios deve continuar a ser analisada de acordo com os conflitos de interesse imediato – jesuítas, ordens religiosas, clero secular, senhores de engenho, mercadores, capitães, etc. – mas, se iluminada pela visão corporativa de sociedade, recompõem-se distorções de interpretação e torna-se possível um a maior sensibilidade para entender o modo com o os portugueses quinhentistas sentiam sua própria situação. Em outras palavras, a compreensão da realidade pela lente do sagrado unifica o olhar, a interpretação e os atos de todos os portugueses, sem contudo estabelecer uniformidades ou harmonia. As diferenças se fazem possíveis porque sustentadas por um a referência com um vivenciada por cada um, a seu modo portanto. A assim ilação dos gentios via conversão os fazia cristãos, iguais aos demais cristãos. Por outro lado, a vida portuguesa continuava, segundo toda a tradição: primeiramente, a crença no modelo absoluto de afirmação da realidade; daí resultando o respeito às posições sociais e aos direitos delas derivados; os quefazeres sociais e as profissões decorrentes; o entendimento da prática mercantil em nível global, obrigando à produção; e, acima de tudo, os fundamentos religiosos da viver social. Havia, pois, que se descobrir a competência dos índios, pela qual contribuiriam para o bem da república. Nenhum estrato social português – nem o clero, pois; nem a Companhia de Jesus – teve dificuldade em o assinalar: eles serviriam para o trabalho braçal, onde fosse necessário, e para a defesa. A forma de serem produzia, no entanto, ambiguidades nas relações – os índios feitos realmente cristãos
mas se com portando destoantemente – delas tirando os portugueses argumento para procederem com mais determinação em função dos seus próprios interesses e conveniência. 3
A doutrina, que se lhes fazia, tem que ser percebida com o exigência cultural dos portugueses; nos termos, pois, em que a eles se punha. Era condição a prioridade incorporação. Mas, doutrina, os próprios portugueses a viviam
diversamente; e, segundo o grau de exigência pessoal ou grupal, exigiam-na dos gentios. Os jesuítas os queriam com prometidos com a prática ritual (batismo, assistência à missa e à pregação, práticas devocionais, conformação com os bons costumes, etc.). Muitos senhores de engenho não se sentiam envolvidos com esse tipo de prática proposto pelos jesuítas e, consequentemente, não viam necessidade dela para os índios. Nem por isto não os queriam cristãos. Simplesmente, seu entendimento do que fosse ser cristão estava condicionado pela própria vivência. A vivência se tornava a medida da conversão e, enquanto tal, de confrontos. É interessante observar o entusiasmo jesuítico dos primeiros anos, batizando largamente2, com o se apenas o dizerem querer ser cristãos já satisfizesse a assimilação da fé. Os capitães, por certo, os senhores de engenho, os mercadores, se satisfariam com o batismo: tratariam, doravante, com cristãos , i.e. com gente de sua sociedade, nos termos dispostos por sua sociedade. Os jesuítas perceberam que só o batismo não garantia os bons costumes e começaram a ser mais rigorosos. Os de mais não se incomodavam muito com os bons costumes, inclusive porque eles próprios eram mais largos nessa matéria. Nesta prática de efeito social inventava-se um modo próprio de ser cristão, tanto no que tocava ao índio quanto no que dizia respeito aos próprios portugueses. Desta forma, pensam os focar a doutrina aos índios no contexto do entendimento cultural português quinhentista. Só em segundo plano distinguirem os interesses imediatos de um ou outro grupo social (senhores de engenho, exploradores do sertão e jesuítas sobretudo). Na prática, são estes interesses que ditam os rum os das ações. Na análise, porém , há que se enfatizar a trama cultural que circunstancias os significados, inclusive desses mesmos interesses. O quadro, em que se realiza o encontro portugueses/índios, não se põe no abstrato, em termos de hipóteses, mas deve se r compreendido na sua historicidade. Há que se observar a razão do estabelecimento dos por tugueses nestas terras e as circunstâncias que constituíram o contexto desse estabelecimento. Destaco o caráter de conquista, subentendendo pois o poderio militar dos portugueses, o índio acontecendo como um dado a ser conformado em função dos objetivos definidos. Neste texto, quero destacar dois aspectos desse encontro: o entendimento cultural que os portugueses tiveram do índio e, segundo, o próprio português sob o impacto da novidade que lhe acontecia.
Fonte: IX Simpósio Internacional - Processo Civilizatório http://migre.me/vgbzsdiversamente; e, segundo o grau de exigência pessoal ou grupal, exigiam-na dos gentios. Os jesuítas os queriam com prometidos com a prática ritual (batismo, assistência à missa e à pregação, práticas devocionais, conformação com os bons costumes, etc.). Muitos senhores de engenho não se sentiam envolvidos com esse tipo de prática proposto pelos jesuítas e, consequentemente, não viam necessidade dela para os índios. Nem por isto não os queriam cristãos. Simplesmente, seu entendimento do que fosse ser cristão estava condicionado pela própria vivência. A vivência se tornava a medida da conversão e, enquanto tal, de confrontos. É interessante observar o entusiasmo jesuítico dos primeiros anos, batizando largamente2, com o se apenas o dizerem querer ser cristãos já satisfizesse a assimilação da fé. Os capitães, por certo, os senhores de engenho, os mercadores, se satisfariam com o batismo: tratariam, doravante, com cristãos , i.e. com gente de sua sociedade, nos termos dispostos por sua sociedade. Os jesuítas perceberam que só o batismo não garantia os bons costumes e começaram a ser mais rigorosos. Os de mais não se incomodavam muito com os bons costumes, inclusive porque eles próprios eram mais largos nessa matéria. Nesta prática de efeito social inventava-se um modo próprio de ser cristão, tanto no que tocava ao índio quanto no que dizia respeito aos próprios portugueses. Desta forma, pensam os focar a doutrina aos índios no contexto do entendimento cultural português quinhentista. Só em segundo plano distinguirem os interesses imediatos de um ou outro grupo social (senhores de engenho, exploradores do sertão e jesuítas sobretudo). Na prática, são estes interesses que ditam os rum os das ações. Na análise, porém , há que se enfatizar a trama cultural que circunstancias os significados, inclusive desses mesmos interesses. O quadro, em que se realiza o encontro portugueses/índios, não se põe no abstrato, em termos de hipóteses, mas deve se r compreendido na sua historicidade. Há que se observar a razão do estabelecimento dos por tugueses nestas terras e as circunstâncias que constituíram o contexto desse estabelecimento. Destaco o caráter de conquista, subentendendo pois o poderio militar dos portugueses, o índio acontecendo como um dado a ser conformado em função dos objetivos definidos. Neste texto, quero destacar dois aspectos desse encontro: o entendimento cultural que os portugueses tiveram do índio e, segundo, o próprio português sob o impacto da novidade que lhe acontecia.