Os espanhóis foram muito rápidos em penetrar o interior bravio da parte do território sulamericano
que lhes coubera pelo Tratado de Tordesilhas e, nessa empreitada, tiveram os
indígenas locais como guias.
Partindo de Santa Catarina, os espanhóis seguiram o caminho indígena para chegar ao
Paraguai e fundar Assunção (1537) e, logo depois, estabelecerem a estancía (similar ás capitanias
hereditárias do Brasil) do Paraguai, que incluía o território catarinense, nomeando seu primeiro
governador, Juan de Sanabria. O mesmo se deu com missionários jesuítas e franciscanos
espanhóis. Ainda em meados do século XVI instalaram-se missões jesuíticas no Paraguai.
Dos relatos mais antigos, consta a epopéia do português Diogo Aleixo, náufrago nas
costas da Ilha de Santa Catarina (atual Florianópolis) que, acolhido pelos índios carijós do local,
foi por estes conduzido em expedição que, em 1525, atingiu o Peru (Cuzco, a então capital do
Império Inca, anos antes que o espanhol Pizarro o fizesse navegando pelo Oceano pacífico). O
relato de Aleixo sobre a façanha e, principalmente, sobre a abundância de metais preciosos (ouro
e prata) que encontrou naquelas terras, logo chegou à corte portuguesa (e, certamente, à de
Espanha também).
Esse fato deve ter se somado a outros que incomodavam Portugal em relação às suas
terras da América. Depois da expedição de Pedro Álvares Cabral, em 1500, a Ilha de Vera Cruz
(logo a seguir mudada para Terra de Santa Cruz) esteve, praticamente, abandonada pelo reino
português. Não havia recursos humanos e materiais para dar conta das novas possessões em três
continentes além mar, e as Índias ainda representavam o foco prioritário de onde provinham
valiosas cargas de especiarias.
Até a chegada de Martim Afonso de Souza, registraram-se apenas duas expedições
portuguesas ao Brasil. A primeira, de 1501 a 1502, foi comandada por Gonçalo Coelho e André
Gonçalves, participantes da armada de Cabral, e veio a mando do rei D. Manuel para
reconhecimento da nova terra. Dessa expedição fez parte o florentino Américo Vespuccio,
companheiro da viagem de Cristóvão Colombo à América. Exímio cartógrafo, coube a Vespuccio
dar nomes (de santos venerados no calendário católico do dia do reconhecimento) aos acidentes
geográficos da costa nordeste e sudeste, desde o Cabo de São Roque até às ilhas de São Vicente e
Santo Amaro (em tributo às cartas geográficas elaboradas por Vespuccio, ou talvez por engano,
em 1507 o cosmógrafo alemão Martin Waldseemüller atribuiu o nome América ao novo
continente). A segunda expedição, de 1516, comandada por Cristóvão Jaques, visava o
policiamento da costa e combate aos piratas franceses que contrabandeavam o pau-brasil. A ação
predatória dos franceses irritava o reino português que arrendara a exploração do pau-brasil a
uma companhia inglesa, e desse acordo arrecadava vultosas comissões.
Quando, então, D. João III decidiu enviar para cá seu amigo de confiança e reconhecida
competência, Martim Afonso de Souza, entre as intenções de iniciar uma efetiva colonização e
afastar os invasores – empreendimentos que o intrépido capitão logo pôs em ação – incluía-se
uma disposição secreta, de avançar por aquelas trilhas indígenas e explorar as riquezas minerais
nas terras interiores sob domínio espanhol. Pois até essa disposição real o capitão procurou
executar, sem sucesso porém. Chegando em Cananéia em 1531, antes de aportar em São Vicente,
enviou uma tropa de 80 homens armados em busca de ouro, subindo a Serra do Cadeado na
região do Alto Rio Ribeira de Iguape, mas em combate com os ferozes Carijós toda a expedição
foi dizimada.
Seriam, então, os Carijós os guardiões de todo o Peabiru, aqui e nas terras do Paraná,
Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Do mesmo ramo dos Tupiniquins do litoral vicentino e do
planalto paulista, a estes teriam ensinado apenas parte da trilha. Esta poderia chegar a Cananéia,
no litoral sul, como continuação daquela que chegava em São Vicente, ou poderia estender-se até
lá como um ramal da trilha que de Sorocaba alcançava Botucatu e depois seguia para o Paraná.
A Trilha dos Tupiniquins, tenha havido ou não a ordem governamental de interdição,
acabou esquecida e abandonada. Talvez o receio de Tomé de Souza fosse seu possível uso pelos
espanhóis, penetrando as terras em disputa, mas é evidente que a ordem não se aplicaria a eles.
Independentemente das trilhas indígenas, mais tarde os bandeirantes paulistas se incumbiram de
encontrar as tão decantadas riquezas minerais, desbravar o interior das terras do Brasil de
Portugal e até fazer recuar mais para Oeste o marco divisório de Tordesilhas.
Além do mais, a ligação litoral-planalto, pelos dois caminhos, havia cumprido seu papel e
perdeu importância. A determinante geográfica foi decisiva para que o desenvolvimento paulista
se desse no planalto, em sua região central, ao contrário de todas as províncias litorâneas (à
exceção do Paraná que até 1853 pertenceu à província paulista). O litoral não tinha riquezas
minerais. A exígua faixa de terra entre o mar e a serra, a baixa produtividade do solo e a umidade
determinaram a falência da cultura canavieira na orla vicentina. O porto de São Vicente foi
assoreado por invasão do mar e, em 1624, a sede da capitania passou para Itanhaém que, por sua
vez a perdeu para São Paulo em 1681. Apenas quando findou o ciclo do ouro, já no século XVIII,
e o açúcar do planalto requeria melhor acesso ao porto de Santos, o caminho do mar passou a
receber sucessivas melhorias, iniciando-se então o movimento inverso do tráfego e do
desenvolvimento, agora do planalto para o litoral.
Fonte: O autor é professor e pesquisador universitário, estudioso da colonização, povoamento e desenvolvimento posterior do Estado de São Paulo. http://migre.me/vvo5C
Fonte: O autor é professor e pesquisador universitário, estudioso da colonização, povoamento e desenvolvimento posterior do Estado de São Paulo. http://migre.me/vvo5C