A reprodução da força de trabalho na América colonial, quando não se
estava conectado ao circuito do tráfico negreiro do Atlântico Sul, sempre
permanecia como alternativa, a exploração da mão-de-obra indígena, atitude esta
com forma variável e inconstante, possuindo características distintas como fusão
interétnica, subordinação do indígena ou colono, coação ou aliança, dependendo
quase diretamente das características do sistema econômico que se desenvolvia.
São Paulo tinha em suas proximidades numerosas aldeias tupis-guaranis,
permitindo o estabelecimento de colonizadores com estabilidade. Os indígenas
eram imprescindíveis, e são eles que num primeiro momento irão indicar as
possibilidades de fixação dos povoamentos.
Para o desenvolvimento econômico da colônia, as regiões deveriam se
articular de alguma forma com o comércio intracolonial ou interatlântico. Mesmo
precariamente, excentricamente, São Paulo conseguiu manter alguma articulação,
que irá balizar as direções tomadas por seu sistema econômico durante o século
XVII.
As respostas para os estímulos provenientes do comércio e da expansão
rural só puderam progressivamente ser formuladas com a existência de uma
região fornecedora de mão-de-obra capaz de manter não apenas a estabilidade
do sistema, mas a sua expansão. Esta região foi o Guairá
A presença de portugueses no Guairá começou logo cedo, chegando parte
da expedição enviada por Martim Afonso de Souza, como já visto, no rio Iguaçu,
em 1532. Em 1553, já se achariam portugueses atravessando o Guairá em
direção à Assunção, onde negociavam alguns escravos.
Os campos de Piratininga foram um local que permitiu um seguro
desenvolvimento de São Paulo, e em geral teve-se preferência pela morada no
planalto. A possibilidade de extensa agricultura e pecuária sem precisar derrubar florestas, a garantia de posições estratégias adequadas para os núcleos
populacionais diante gentios indomados, e principalmente a proximidade de
terreno de tais características do litoral, serão parte de um privilegiado local que
determinará o pnncípio da colonização do planalto, tornando-se desde logo, o
centro das atenções e irradiações para o interior da colônia. 150
Em 1570, foi editada a proibição do escravo indígena, salvo os
aprisionados em guerra justa, afinal, a escravidão se fazia necessária.
Obviamente, passaria desapercebida pela maioria dos colonos, sendo relevante
apenas na esfera jurídica da sociedade.
Foi no final do século XVI que se teve o início do que se convencionou
denominar como ciclo das bandeiras de apresamento. O controle dos ataques
indígenas, a maior estabilidade da população do planalto bem como a crescente
escassez dos índios próximos, levam às primeiras bandeiras, como a de 1585, de
Jerônimo Leitão, dirigindo-se ao Guairá, a fim de capturar índios carijós, atitude
legitimada pela "guerra justa". Os cativos foram distribuídos na Capitania, para
São Paulo, Santos e São Vicente151 . Quatro anos antes, em 1581, Jerônimo
Leitão encontrava-se em bandeira almejando os tememinós.
Pouco a pouco, as bandeiras substituíam os aldeamentos e a captura de
índios das localidades, então em queda demográfica vertiginosa, como resposta à
falta de "braços" para os núcleos de povoamento da Capitania.
No período de 1590-5 tem-se a pacificação do planalto de Piratininga, com
o controle das parcialidades indígenas, marcando o início definitivo do processo
de expansão agrícola paulista, marcado posteriormente pela triticultura. O trigo
parece ter importância desde 1579, quando Juan Bautista Gesio, em descrição
geográfica do Brasil, cita sua existência em São Vicente152 Porém desapareceria
até sua reintrodução por Francisco de Souza já no século XVII.
Francisco de Souza também dará o impulso definitivo para as bandeiras.
Governador da capitania, ao incentivar a busca por metais preciosos,
desenvolveu indiretamente as bandeiras de apresamento. Com o fracasso das
expedições mineradoras, os bandeirantes obtinham, aos olhos da época, a única
riqueza existente nos sertões, os tupis. A busca de minerais preciosos só será
utilizada como "desculpa" para a organização das bandeiras de apresamento.
Eram justificadas também pela alegação de recaptura de índios fugitivos.
Como resultado, temos a bandeira capitaneada por Nicolau Barreto em
1602-03, cativando índios tememinós. Em 1606 ou 1607 teremos Manuel Preto
cativando tememinós e tupanaés, e um ano depois, será a vez da bandeira de
Belchior O. Carneiro. Em 1610, bandeiras ligadas às minas de ferro de Sorocaba
capturam tememinós e guaranis no Guairá.153
Em agosto de 1611, O. Luis de Souza, governador de São Paulo, permitiu
que caciques fossem ao sertão do Guairá buscar seus parentes para que
trabalhassem nas minas, atitude na qual consentiam os padres da Companhia de
Jesus, de São Paulo., gerando invasões em 1611 e 1612.154 Sem dúvida tal
atitude fora um legado da tradição política de incentivos às bandeiras promovida
por O. Francisco de Souza, pai de O. Luís.
Em 1611, Pedro Vaz de Barros capturou guaranis, e quatro anos depois,
nas bandeiras de 1615 autorizadas por Oiogo de Quadros, capturaram-se mais de
600 carijós. Em 1623 tivemos outra grande bandeira com destino ao Guairá
Grande parte da população paulista encontrava-se no "sertão" e a Câmara de
São Paulo recebia reclamações a respeito da ausência de índios para realizar o
transporte de São Paulo à São Vicente.
A invasão holandesa no recôncavo baiano alarmou as demais capitanias
com a iminência de ataques holandeses por toda a costa brasileira. Em junho de
1624, pouco após a investida no nordeste, São Paulo é informada sobre a
possibilidade de um ataque holandês às capitanias sulinas. A necessidade de milícias, armas e munições disponíveis para mobilização leva a proibição das
bandeiras, e mesmo assim, tentativas eram feitas. Em 1626, Gaspar Gomes foi
reprimido por ir ao sertão, e ainda no mesmo ano, Bartolomeu Bueno e João
Pimentel foram acusados de preparar ida ao sertão.
Esta sequência de acontecimentos procurou ilustrar a evolução das
bandeiras de apresamento. Vejamos agora como as bandeiras fazem com que o
Guairá assuma importância e se conecte com o sistema econômico colonial na
costa brasileira e em São Paulo.
Fonte: A COLONIZAÇÃO NO GUAIRÁ (1554-1632) E SUAS RELAÇÕES COM O SISTEMA ECONÔMICO COLONIAL http://migre.me/vvlOd