Estudos mais recentes confirmam não serem tantos os africanos no
Brasil, até o começo do séc. XVIII. Foi exagero afirmar-se que até então
eram “despejados milhões de escravos no Brasil”.
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Logo a partir das primeiras descobertas de ouro verificou-se a
carência do elemento negro. Governadores de capitanias insistiam
em que D. Pedro II enviasse escravos não só para a mineração como
para a agricultura, os engenhos. Numa das respostas a isto o rei de
Portugal afirmava, em 1701, “serem bastantes 200 negros, para o serviço
dos paulistas e dos mineiros; que se contentassem os descobridores, com
índios”.
Em 1717, a população escrava do território das Gerais, ainda anexo
à capitania de São Paulo, era aproximadamente de 27.240 almas e de
33.000, no máximo. Estas cifras são do Termo da Repartição dos Quintos,
onde consta:
Número de escravos em 1717
Vila do Carmo
- 10.937
Vila
Rica
- 7.708
Vila
Real de Sabará
- 5.721
Vila
de S. José dei Rei
- 2.216
Vila
Nova da Rainha
- 4.478
Vila
do Príncipe
- 2.091
Vila
de São José
- 1.324
Em livros da Delegacia Fiscal da capitania, hoje no Arquivo Público
Mineiro, verifica-se, para o ano de 1723, 50
.000 escravos na região das
Minas Gerais.
Atualmente na Biblioteca Pública Municipal de S. Paulo, o códice
de Caetano da Costa Matoso mostra os seguintes números das populações
de cor, em Minas, a
partir de 1735.
ANO
ESCRAVOS
FORROS
1735
96.541
1.420
1736
98.730
1.384
1737
99.184
1.234
1738
101.607
1.206
1739
96.010
974
1740
94.632
968
1741
94.712
817
1742
94.128
898
1743
94.424
891
1744
91.992
927
1745
95.366
969
1746
93.328
985
1747
89.373
976
1748
89 . 669
968
1749
88.286
961
Mariana, antiga Vila do Carmo, sempre mais populosa, no período
acima. Entre 17S5 e 1749, por ano, a população escrava era entre 20.500
e 26.800 pessoas. Para os trabalhadores nas condições de forro (já alfor-
20
riados) , em cada ano do mencionado período os números variavam entre
176 e 260, exceto em 1756, quando havia 757 forros.
O Arquivo Público Mineiro, onde se conservam os dados acima,
também oferece a lista dos proprietários do Serro Frio que capitaram
seus escravos no ano de 1738. Eram 1788 proprietários de 8.167 escravos,
ocorrendo a média menos de 5 para cada senhor. Destes, apenas 13 com
mais de 40 escravos. A maioria possuía 2 ou 3.
O número de escravos no Serro correspondia a um terço do que
havia em Mariana.
Ainda no Arquivo Público Mineiro, documentos originais mostram
os seguintes números para a gente negra - escrava e forra - existente
na Capitania:
1776 -
167.000
1786 -
196.498
1805 -
211.923
1808 -
180.872
1821 -
202.135
No conjunto a população de Minas Gerais era a seguinte em 1786
(nos preparativos da Inconfidência) :
LIVRES CATIVOS
Homens
Mulheres
Homens
Mulheres
Brancos
35.917
29.747
—
—
Pardos
38.808
41.501
9.879
10.497
Negros
19.441
23.298
106.412
47.347
TOTAL
94.166
94.546
116.291
57.844
No começo da exploração aurífera, até 1715 aproximadamente, os
escravos entrados nas minas devem ter sido levados para ali, na sua
maioria, das capitanias do Norte, mormente da Bahia. Escravos africanos
ou nascidos no Brasil, já existentes na colônia iam para as minas.
Diretamente do Rio, trazidas da África com este objetivo ou já exis-
tente na Capitania terão ido também, mas em quantidade bem menor.
Pouco efeito surtiram as cartas régias de 1701 e 1703 que se destinavam
a obstar o êxodo da gente do norte para as minas. Em 1717, com a
extração atingindo aproximadamente 3 toneladas (114 gramas por tra-
balhador-ano), o número de escravos foi de 33.000. Nesse começo do
século XVIII o Rio de Janeiro tinha um pequeno número de cativos.
Poucos possuíam seis ou mais escravos. Em 1703 o governador D. Álvaro
da Silveira sugeriu ao Rei: “... que dos navios vindos de Angola e
outras partes da África, 20% deveriam ser repartidos com os moradores
para as suas lavouras... e os mais deixá-los vender livremente para as
minas”.
21
D. Rodrigo da Costa, em 1706, na sua carta ao rei diz que, pela
falta de escravos e dos excessivos preços para a aquisição destes, os senhores
de engenho e lavradores estavam impossibilitados de manter as culturas
e conservar os currais. O desvio e venda do cativo era enorme para as
minas. Cada escravo passou a custar o dobro e até o triplo do preço.
A situação do porto do Rio de Janeiro só se altera quando a economia colonial, sob a influência da mineração, desloca-se do norte para
o sul. Sobrepuja então o Recife e posteriormente a Bahia. A partir de
1715, já é do Rio que saem por ano 2.240 escravos para as minas:
13.435, entre 1715 e 1721; 12.573, em média, 2.316 por ano, entre
1721 e 1727. Estes dados acima faziam parte da Certidão do rendimento
dos direitos dos escravos, antes e depois do lançamento do imposto.
Havia o contrato do direito de 4$500 que se pagava ao contratante
correspondente a cada escravo saído do Rio para as Minas. Em certa
época 3$500. Em 1727 o contrato foi arrematado (o direito de explorar)
pelo prazo de três anos, à razão de 26.000 cruzados e 100$000
por ano.
Além disso, pelas estradas que partiam de Salvador, continuavam a
sair braços para as lavras, engrossada a necessidade de gente. Nos pri-
meiros anos do apogeu da mineração partiam em direção às Minas apro-
ximadamente 2.000 escravos por ano.
Em Minas, uma das conseqüências da mistura de raças, da intimidade aberta pelo sexo entre brancos e pretos, da consangüinidade do
senhor com as crias foi surpreendente o aumento da gente forra, cuja
percentagem chegou a atingir mais de 40% da população total, com os
mulatos representando sempre mais de 65% entre os forros.
Não se sabe por certo quantos dias de trabalho tinham os anos no
século XVIII, já que havia muitos feriados e santos-de-guarda. Recen-
temente os técnicos do Serviço de Fomento da Produção Mineral afir-
mam ser o rendimento máximo diário do faiscador de 0,5 gramas. Para um
trabalho anual de 290 dias, a produção seria de 130 gramas por homem-
ano. O geólogo e estudioso Eschwege calculou ser a produção de ouro
de cada trabalhador entre 70 e 120 gramas por ano. Os escravos, na
solidão em que viviam, não se dedicavam exclusivamente às lavras; trabalhavam também na lavoura e em outras ocupações durante grande parte
do ano. Apenas, para o período 1735-1760 diversos autores consideram
a produtividade por escravo-ano entre 140 e 160 gramas.
No período florescente da mineração, 80% da gente da capitania —
brancos e de cor — ocupavam-se da exploração do ouro. Mas, na deca-
dência, por volta de 1815, havia pouco mais de 12.000 pessoas, entre
escravos e livres, semi-ocupadas nas lavras. À medida que perece a em-
presa, aumenta o número de libertos. Valeria mais alforriar do que
sustentar os cativos. No auge da produção, nas minas, em 1739, apenas
1,2% eram forros; em 1786, estes são mais de 35%. A partir de 1808 mais
de 41% da população da capitania era gente livre. As importações
menores de escravos coincidiram com o declínio da mineração, a partir
de 1760. Ainda com destino às Minas Gerais, decaiu entre 1760 e 1780,
22
para um total de 4.000 escravos apenas, os saídos da Bahia e de 2.000,
o total até 1820. Assim, a soma de escravos, de todas as procedências,
atinge a 470.000 para toda a mineração nas Gerais. Além desse informe,
Pandiá Calógeras estima em 150 gramas de extração, por homem-ano,
ao levar em conta (o próprio autor) 13 anos de trabalho efetivo por
pessoa. Calcula a produção da capitania em 47.500 arrobas (Eschwege,
43.500 arrobas). Esse volume de ouro exigiu o trabalho de 365.400
escravos — menos de 80% dos importados pela Capitania. Somem-se
àqueles os crias, ajudantes no serviço de faiscar.
Afora Minas Gerais, a produção aurífera do restante do País —
Goiás, Mato Grosso, Bahia, Ceará e S. Paulo — não ultrapassou a 300
toneladas e requereu o trabalho de 150.000 escravos, aproximadamente.
Tudo isto considerado até 1820. Daí para frente o esforço dos escravos
(apesar da Independência) prossegue no outro ciclo salvador — o café.
Segundo Aires da Mata Machado “Minerar foi a ocupação quase
exclusiva do sanjoanense (Diamantina) . O negro, com suas cantigas, tornou-se o dono das primeiras casas do arraial, influindo fortemente em
usos, costumes e crendices”.
O negro foi tudo, tanto para o ouro quanto para os diamantes.
Em 1739 começa a ser cobrado diretamente pela Fazenda Real o imposto
de capitação nos contratos de diamantes. Aí, os nomes dos escravos eram
tratados em livro próprio, pagando a capitação anual de 230S000 por
escravo. Contrariando os contratos empregavam-se até 4.000 cativos em
lavra de diamante.
Não se deve confundir o garimpeiro com o negro fugido: este,
quando encontrava alguma rês no campo, matava para não morrer de
fome; quando se oferecia ocasião, garimpava ou faiscava ouro,’ mas o
seu crime não era furtar gado ou minerar às ocultas; seu “crime” conssistia em fugir do cativeiro.
No alvará de 1741, destinado a punir os cativos está: . . . "os escravos
fugidos, chamados calhambolas, que se juntarem em quilombos, receberá
uma marca de fogo, em uma espádua com a letra F, que para esse efeito
haverá câmaras. Ao reincidente cortar-se-á uma orelha; tudo por simples
mandado do juiz de Fora, ou ordinário da terra ou do ouvidor da
comarca, sem processo e só pela notoriedade do fato, logo que do qui-
lombo fôr trazido, antes de entrar para a cadeia” (memórias, p. 60) . Diz
Joaquim Felicio dos Santos: "garimpo era a mineração furtiva, clandes-
tina, do diamante e garimpeiro, o que a exercia severas penas puniam
o garimpeiro. Garimpeiro tornava-se muitas vezes aquele que, obrigado
a expatriar-se ou a passar uma vida de misérias, porque com a proibição
da mineração se lhe tirava o único meio de subsistência, ia exercer uma
indústria, a mineração clandestina . . . era, finalmente, o audaz, intrépido
e ambicioso aventureiro, que ia buscar fortuna nessa vida cheia de riscos,
perigos, emoções.
Não se confunda o garimpeiro com o bandido. Foragido, perseguido,
sempre em luta contra a sociedade, o garimpeiro, cujo trabalho proi-
bido por lei — , era o único crime — mas respeitava a vida, os direitos,
23
a propriedade dos cidadãos ... De centenas de processos consultados,
não se encontra um só de rapto, de roubo, ou qualquer outro atentado”
(pág. 56 e seg. de Memórias do Distrito Diamantino) .
Ao garimpeiro se aliou o quilombola, um e outro fora da lei por
motivos diversos — não tardou se encontrassem solidários, buscando a
subsistência nas minerações clandestinas. Com estes, outros tipos interes-
santes aparecem nas lavras, surgindo no meio dos contrabandistas de várias
espécies, havido em grande número. Foi o capangueiro, comerciante de
capanga, pequeno comerciante que comprava do garimpeiro o produto
de suas faiscadeiras e o protegia, mandando-lhes avisos cautelosos quando
as tropas de dragões saíam em batidas aos quilombos e garimpos. Vem,
talvez dessa proteção o chamar-se “capanga” ao guarda-costa. Por analogia
emprega-se hoje como sinônimo de garimpeiro o termo faiscador, que
outrora se aplicava a quem fazia a mineração do ouro em pequena escala.
Os negros trabalhavam a lavra, geralmente cantando. Esses cantos de
trabalho ainda hoje são chamados “VISSUNGOS”. Pelo Geral dividiam-se
os vossungos em: boiado, que é o solo, tirado mestre, sem acompanha-
mento algum e o dobrado, que é a resposta dos outros, em coro (ás vezes
com ruídos dos objetos de trabalho).
Interessante era a “multa”. Quando alguma pessoa chegava à lavra,
era logo multada pelos mineradores, com uma cantiga apropriada (vide
vissungo); exigiam alguma coisa do recém-chegado. Uma vez satisfeito
o pedido, seguia-se à multa o agradecimento, com danças, ao ritmo de
carumbés e enxados. Com a abolição, os negros só queriam trabalhar
com patrão que não proibisse os vissungos. No tempo da escravidão não
tinham direito de escolher senhor. Alguns patrões não queriam saber
de cantigas, por causa do tempo tomado, às vezes dançavam, batendo,
em ritmo imperioso, carumbés e almocrafes.
As mesmas cantigas de mineração, pelo menos algumas como os
Padre-Nossos, usam-se nas cerimônias que acompanham o levantamento
do mastro. Era comum, nos grandes serviços de mineração em que traba-
lhava considerável número de negros, haver vários cantadores “mestres”,
logo rivais. Dividiam-se em grupos, cada um com seus adeptos, formando
o “coro” Entregavam-se a desafios. Os vissungos foram muito impor-
tantes na vida social dos mineradores.
Os negros, ao começar o trabalho pediam a Deus e a Nossa Senhora
que abençoassem o seu serviço e a sua comida. Espécie de sincretismo
religioso era a mistura do Padre-Nosso com os vissungos. O serviço,
geralmente, começava alta madrugada; então, o cantador pede à lua, que
brilha no céu, que fure o buraquinho do dia. Muitas vezes, na lavra,
o escravo entoa dia inteiro o seu canto de cativeiro.
As cantigas afro-negras de mineração distribuem-se em três grupos:
o primeiro, constituído de peças em puro ambundo; o segundo, o mais
numeroso, com palavras nativas dos africanos, misturadas com vocábulos
vernáculos; o terceiro, em puro português do Brasil. Foi extensa a divulgação dos vissungos e a grande importância que os negros lhes davam.
24
Essas cantigas contribuíram para conservar a língua materna entre os
mineradores africanos.
Feitores, vigias e donos de lavras tentavam aprender o idioma banguela, para entender os escravos e os fiscalizar. Em normal alargamento
de sentido, os mineradores designavam o feitor com o vocábulo umbanda.
As várias obras consultadas por nós para este trabalho tiveram em
Antonil uma de suas fontes. Mesmo assim, também utilizamos, direta-
mente, a obra desse italiano que morreu no Brasil, escrita no fim do
séc. XVII: Cultura e Opulência do Brasil.
Preços dos escravos e cavalgaduras:
Por um negro bem feito, valente, ladino: trezentas oitavas;
Por um molecão: duzentas e cinqüenta oitavas;
Por um moleque: cento e vinte oitavas;
Por um crioulo bom oficial: quinhentas oitavas;
Por um mulato de partes ou oficial: quinhentas oitavas;
Por um bom trombeteiro: quinhentas oitavas;
Por uma mulata de partes: seiscentas e mais oitavas;
Por uma negra ladina cozinheira: trezentas e cinqüenta oitavas;
Por um cavalo feudeiro: cem oitavas;
Por um cavalo andador: duas libras de ouro.
Estes preços tão altos e tão comuns em Minas foram motivos de
subirem tanto os preços de todas as coisas, como se verificou nos portos
das cidades e vilas do Brasil.
Piquete-SP, Lugar de Memória: "Inventário dos Lugares de Memória do Tráfico Atlântico de Escravos e da História dos Africanos Escravizados no Brasil elaborado pelo Comitê Científico Internacional do Projeto da UNESCO “Rota do Escravo: Resistência, Herança e Liberdade”. Relativamente ao Núcleo Embrião de Piquete-SP, foram contemplados; "Caminho do Ouro", "Jongo" e "Irmandades", estes dois últimos, na condição de patrimônio imaterial.
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